Shein no Brasil: entenda como é a operação da marca chinesa no país
Entre os dias 12 e 16 de novembro, a rede de fast fashion terá sua primeira loja temporária com venda presencial no Shopping Vila Olímpia, em São Paulo.
A Shein, rede de fast fashion chinesa, rendeu notícia nas últimas semanas com o anúncio de abertura de sua primeira loja com venda presencial no Brasil. A pop-up store abre neste sábado, 12.11, no Shopping Vila Olímpia, em São Paulo, e funciona até a quarta-feira seguinte, 16.11.
Contudo, já faz dois anos que a empresa aterrissou em solo nacional. Em 2021, a varejista já vendia mais de 2 bilhões de dólares (aproximadamente 10,3 bilhões de reais) por aqui. O sucesso foi tamanho, que a Shein decidiu estruturar melhor sua operação local. O executivo Felipe Feistler foi contratado como gerente-geral nacional, em maio de 2022, e os planos são de chegar a 2023 com 100 funcionários no quadro geral. “Nós escolhemos o Brasil para crescer”, afirma Felipe.
A expectativa é de que os 11 mil produtos das linhas feminina, masculina e infantil (a de decoração não será vendida na pop-up) voem das prateleiras do espaço de 265m² antes mesmo do último dia. “Se tudo correr como esperamos, acredito que conseguiremos vender antes do esperado. O que tornaria a loja (a partir de então) um mostruário”, detalha o gerente-geral.
Representação 3-D da pop-up store da Shein, em São Paulo. Foto: Divulgação
Em outras palavras, se o estoque acabar antes do prazo de fechamento, o espaço passaria a funcionar de maneira similar à da pop-up no Rio de Janeiro, aberta em março deste ano, no Shopping Village Mall, como uma guide shop. Lá, os clientes experimentam as roupas no local mas não saem com sacolas. As compras chegam em casa, dias depois.
A curadoria dos produtos, explica Felipe, foi feita com base em três fatores. “Nas tendências atuais de primavera/verão. Em um recorte de moda cosmopolita e urbana, já que a loja será em São Paulo. E nos best-sellers, aqueles produtos com bastante procura.”
Sobre o terceiro ponto, o gerente-geral conta que um filtro regional de consumidores paulistano foi aplicado para refinar a pesquisa e seleção de peças. Por exemplo: se os clientes da Shein que vivem na cidade mostraram predileção por regatas lilás e pantacourts vermelhas, no aplicativo da etiqueta, pode-se esperar que itens similares ocupem as araras.
Felipe Feistler, gerente-geral nacional da Shein Brasil. Foto: Divulgação
Após a experiência em São Paulo, que contará com brindes e desconto de 15% nos produtos (os cupons digitais não têm validade na loja física), a Shein vai abrir outra pop-up em Belo Horizonte, já em dezembro. O porta-voz da empresa não declarou data nem o local exatos. Para 2023, mais quatro espaços do tipo serão inaugurados fora do eixo Rio-São Paulo.
Segundo Felipe, a estratégia online é amplamente baseada em um crescimento orgânico. Com quase oito milhões de seguidores no perfil da Shein Brasil no Instagram e dois milhões no TikTok, seu núcleo é formado por uma amarração bem bolada de hashtags altamente disseminadas, vídeos de unboxing, parcerias com micro e macro influenciadores, mapeamento de tendências no Google Trends e um modelo de produção fast-fashion sob demanda, em que as peças são criadas e testadas ao serem disponibilizadas no app. Ao verificar a demanda, a empresa aumenta os pedidos e a escala de produção.
Gerar experiências presenciais, entretanto, tornou-se necessário para alimentar o modelo de negócio centralmente digital. Seja para fortalecer a relação com quem já é cliente ou para dialogar e conquistar quem não conhece a marca ou se sente inseguro em consumi-la. “Estamos com propaganda na televisão sobre o nosso Black Friday, que acontece na sexta-feira, 11.11, e mídia offline em algumas cidades, como no metrô e ônibus de São Paulo”, afirma o executivo.
Bolsa Shein. Foto: Getty Images
“Trazemos o marketing offline justamente para as pessoas que não conseguimos impactar online. Com o tempo e a construção do time local, conseguiremos pensar em novos canais”, complementa Felipe. Até mesmo o projeto arquitetônico da loja propõe uma sensação híbrida entre presencial e digital. O espaço foi criado com o objetivo de ser instagramável. “Esperamos que os compradores compartilhem isso nas mídias sociais, gerando muitos conteúdos. É uma experiência offline que conversa com uma estratégia ampla online.”
Apesar dos esforços de ampliação do público, a cliente da Shein tem, essencialmente, um perfil bem demarcado: mulheres da geração Z e assíduas das redes sociais. “Isso se repete no Brasil, Estados Unidos e Europa. As especificidades do público brasileiro têm mais a ver com o clima, mais tropical.”
E vamos de paradoxo
Porém, uma das principais barreiras de crescimento de público para a Shein tem menos a ver com especificidades geográficas e demográficas, e mais com a postura da empresa ante valores e ações de responsabilidade social e ambiental, cada vez mais cobradas por consumidores. Ou pelo menos é o que dizem nas redes sociais.
Uma denúncia trabalhista, divulgada por uma reportagem da emissora britânica Canal 4, em outubro, não atrapalhou os planos de expansão da Shein no país, como informou a empresa em declaração à ELLE. A própria abertura da primeira loja com vendas presenciais atesta o argumento.
Interior de uma fábrica fornecedora da Shein, em Guangzhou, na China. Foto: Getty Images
A investigação mostrou que funcionários de duas fábricas fornecedoras da rede de fast fashion em Guangzhou, na China, trabalhavam em situações análogas à escravidão, recebendo uma média de 4 centavos de dólar (em torno de R$ 0,21) por peça produzida, com a retenção do 1º mês de salário, jornadas diárias de até 18 horas e um dia de folga por mês. A Shein afirmou que abriria uma investigação e que todos seus fornecedores devem seguir o Código de Conduta da Marca, baseado na Organização Internacional do Trabalho (OIT) e em legislações locais.
“Em relação a um possível impacto nas vendas ou na percepção da marca devido às últimas críticas que a empresa recebeu globalmente, não constatamos nenhum impacto negativo”, comunicou a companhia. Segundo o gerente-geral, os percalços enfrentados pela nova equipe da Shein Brasil relacionam-se ao entendimento do consumidor, à adaptação da tecnologia da marca para o mercado brasileiro, ao assentamento local da cultura da empresa, com sede em Cingapura e produção na China, e à logística, um tanto mais complicada pela dimensão do país.
“A Shein se preocupa muito com os funcionários em toda sua cadeia de produção. Se descobrimos algum fornecedor que não está de acordo, paramos de trabalhar com ele”, reforça Felipe.
Pacotes com pedaços de tecidos enviados para as fábricas fornecedoras da Shein. Foto: Getty Images
E aí vem a pergunta: se o público global da marca é formado majoritariamente por jovens da geração Z, em tese mais preocupados com questões ambientais e sociais, como a Shein consegue crescer no Brasil e no mundo? E principalmente nesse recorte demográfico, apesar das denúncias constantes?
De acordo com um estudo realizado pelo Twitter em 2021, dois em cada três jovens entrevistados declararam que ajudar o meio ambiente é uma “questão pessoal”. Porém, apesar de a sustentabilidade ser uma pauta recorrente e da maior circulação de informação sobre o tema, a desigualdade social e a educação ainda incipiente voltada ao assunto são alguns dos motivos frequentemente atribuídos à dificuldade de mudar o consumo de produtos rápidos, muito baratos e feitos em condições pouco transparentes.
Em abril deste ano, a Shein foi supostamente avaliada em 100 bilhões de dólares em uma rodada de investimentos liderada pela gestora General Atlantic. A posição colocaria a companhia acima da Inditex, que detém a Zara, como a maior varejista de roupas do mundo. Além disso, a empresa seria quatro vezes mais valiosa do que a H&M. Questionada sobre a expectativa de faturamento no país em 2022, a Shein Brasil disse que “não informa dados relativos às suas vendas”.
Ações sustentáveis no Brasil
Para melhorar sua transparência e mostrar comprometimento com a redução de impactos no meio ambiente, a Shein divulgou um relatório de sustentabilidade no início do ano, no qual se compromete a reduzir em 25% as emissões na cadeia de suprimentos até 2030. Nos EUA, a marca lançou, em outubro, a plataforma de revenda Shein Exchange, para facilitar a venda de produtos usados da etiqueta por parte dos clientes. A ideia, assim, seria prolongar a vida útil dos produtos.
Porém, alguns especialistas declaram que uma iniciativa do tipo é, no mínimo, incoerente com o modelo de negócio da empresa. Primeiro, a qualidade dos produtos de uma fast fashion geralmente não permitem que as peças possam ser reutilizadas por muito tempo. Segundo, os sistemas de revenda não seriam capazes de reduzir o consumo de forma significativa.
Felipe Feistler enfatiza que a empresa possui três prioridades em relação à sustentabilidade. A primeira é sobre os tecidos aplicados na produção. “Temos atividades para uso de poliéster reciclado, entre 50 e 100%, com coleções feitas inteiramente com esse material.” A segunda faz menção às iniciativas de circularidade, como o Shein Exchange, que deveria começar a ser cogitado para o Brasil, opina o gerente-geral. Por fim, o próprio processo de produção, com avaliação da demanda antes de escalar a produção, reduziria o desperdício em 20%.
Foto: Getty Images
Ao ser questionado sobre ações de sustentabilidade focadas no Brasil, o gerente-geral cita algumas doações. “Uma delas foi com a Central Única das Favelas, em março de 2022, com a doação de 3 mil peças para pessoas afetadas pela chuva em Petrópolis”, diz. “A outra foi uma parceria com a ONG Laço Rosa, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Fizemos duas doações de três e 12 mil peças”, explica Felipe. Medidas que envolvem os impactos causados pela produção, logística e outras etapas da cadeia não foram citadas. Entretanto, o gerente-geral destaca que, com o aumento do time nacional da Shein, a discussão sobre atividades voltadas à ESG (sigla para “governança ambiental, social e corporativa”) deve aumentar no próximo ano.
Ainda no tópico de sustentabilidade, a falta de transparência e retidão do discurso da empresa é frequentemente retratada pela mídia internacional e, na ocasião da nova pop-up, um ponto levantado pela ELLE, em uma reportagem de julho de 2021, foi novamente destacado.
Em uma antiga página de responsabilidade social, a Shein declarava estar em conformidade com padrões trabalhistas estabelecidos por organizações internacionais, como o SA8000®. A norma internacional de avaliação de responsabilidade social tem como objetivo garantir boas condições de trabalho e abrange pontos como trabalho infantil e escravo.
Contudo, estar em conformidade difere de ser certificado. Em uma reportagem da Reuters de novembro de 2021, a Social Accountability International, que administra o padrão, declarou que a Shein não estava certificada e que nunca teve contato com a empresa. Na sequência, a página na qual a companhia afirmava estar “alinhada” ao padrão foi tirada do ar. Questionada por ELLE sobre a distinção discursiva e a aparente falta de precisão, a Shein Global, por intermédio da Shein Brasil, não se posicionou sobre o assunto até a publicação desta reportagem.
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