Bares apostam no japonismo na taça

Bartenders paulistanos usam ingredientes da gastronomia japonesa e oriental para criar drinques surpreendentes. Conheça a tendência e uma lista de endereços onde é possível conferi-la. 


Homem coloca folha de shisso em copo alto com gelo e liquido transparente
Foto: Tati Frisson Herb*Ball, do Tan Tan Bar, com folha de shissô.



Nori, shissô, matcha, yuzu, kombu, wasabi, umeboshi, katsuobushi, togarashi… Quem tem alguma intimidade, mínima que seja, com a gastronomia oriental, sobretudo japonesa, já ouviu falar desses ingredientes ou os engoliu sem saber seu nome. São elementos cítricos, herbais, picantes, defumados, perfumosos ou amarguinhos, que frequentam caldos, acompanham sushis e sashimis, apimentam preparos, chegam como chá.

No copo também pode? O chef Daniel Hirata, quando abriu o Hirá Ramen Izakaya, em 2015, andava encafifado com as possibilidades desses componentes na coquetelaria. “Se os bartenders brasileiros usam pequi, manjericão e pimenta-de-cheiro, por que não posso colocar ingredientes japoneses nos drinques?”, perguntou-se, em arroubo shakespeariano do tipo ser ou não ser. Resolveu testar a parada, chamando profissionais de bar como consultores para construir receitas surpreendentes. Criou escola.

A onda do japonismo na coquetelaria começou suave, em São Paulo, com bartenders de herança nipônica misturando aos álcoois o que encontravam na mesa de seus pais e avós, num twist antropofágico. Suemi Uemura, na barra do finado Clube V.U. (saudade daquela balbúrdia), foi uma das desbravadoras do movimento, criando receitas com limão yuzu, ameixa umeboshi, folhas de shissô e outros paranauês orientais. Nada mais natural, se pensarmos dentro dos termos da mixologia moderna, que leva à taça técnicas e ingredientes da cozinha.

O orientalismo brasileiro, que também abrange China e outras culturas, foi crescendo aos poucos em bares e restaurantes, e hoje temos um punhado de adeptos da tendência, que não tem necessária equivalência com a mixologia da terra do sol nascente. “A coquetelaria no Japão é minimalista, mais próxima das escolas clássicas americana e europeia”, diz Thiago Maeda, chef e sócio do Koya88, um dos bares mais japonistas de São Paulo. Em sua pesquisa, o bartender Kevin Cavalcante conta que pouco encontrou, nas bíblias de coquetelaria japonesa, invenções com os ingredientes que escolheu para a carta do restaurante Imakay, como algas, pimentas e até peixe seco defumado, o katsuoboshi.

Os tradicionais gim, bourbon, scotch, cachaça ou vodca podem ser a base alcoólica desses coquetéis, mas também dividem espaço com o shochu (destilado de arroz japonês), seu primo awamori (típico da região de Okinawa) e soju (de origem coreana). A nova frente também abre espaço para fermentados como o umeshu (de ameixa) e reabilita o saquê (de arroz), rejeitado nos últimos tempos por bartenders pela má fama de seu uso na caipirinha. Para quem quer ampliar o repertório sensorial, o caminho está aberto.

Veja a seguir alguns dos principais endereços paulistanos onde se pode sorver o Japão e o Oriente em taças.

Koya88

Copo baixo arredondado com bebida vermelha e um umeboshi espetado no palito

Ume Negroni, hit do Koya88. Reprodução Instagram @koya88

Quando o bartender Thiago Pereira e o chef Thiago Maeda conheceram-se no extinto Tessen, em 2018, logo bateu química. Maeda trazia ingredientes da cozinha, que Pereira mixava nos coquetéis e, assim, construíram um estilo, jeito de corpo e de copo, que alcançou pleno vapor no Koya88, montado em sociedade. No izakaya dos Thiagos (eles não querem que chame de izakaya, mas é), a comida tem fina sintonia com a bebida.

Para começar, você pode pedir o super-refrescante Pineapple Chuhai (shochu infusionado com tomilho, licor de pêssego, soda de abacaxi com matcha, flor de sal), estilo de coquetel muito popular no Japão, também vendido pronto em latinhas. Cai bem com a farta porção de edamame tostadinha, lubrificada na manteiga e temperada com ponzu (molho de shoyu e limão). O Wasabi Sour (gim, saquê, calda de wasabi, limão, espuma de gengibre), pela acidez e pela picância da pasta de raiz forte, casa com o gordo katsu sando (sanduíche de porco) de bochecha com kimchi (conserva de acelga à moda coreana) e maionese da casa.

Quem gosta de coquetéis mais alcoólicos e encorpados tem como opções o Ronin (shochu, Jerez Fino, umeshu, bitter de cacau), o Yankii Martini (gim, licor de yuzu, Chartreuse amarelo, vermute seco condimentado, limão siciliano, tintura de yuzu) ou o potente Ume Negroni (gim, vermute tinto, Campari infusionado com ameixas umeboshi), um dos hits da casa.

Koya88: Rua Jesuíno Pascoal, 21, Vila Buarque.

Tan Tan Bar

Homem despeja bebida amarela de uma coqueteleira em copo baixo

Hypnotize: vodca com infusão de shissô. Foto: Tati Frisson

O Tan Tan, um dos endereços orientais mais disputados da cidade, também conta uma história de gastronomia que foi parar na taça. A casa do chef Thiago Bañares começou servindo noodles apetitosos com um espaço tímido para a coquetelaria, mas cresceu, ganhou um balcão de respeito e o 62º lugar na lista dos melhores bares do mundo, na eleição 50 Best Bars

A carta atual, Duality, feita em parceria por Thiago e o mixologista Alex Mesquita, elege cinco ingredientes tratados com duas técnicas distintas: xaropes e infusões. O yuzu kosho (pasta do limão japonês com especiarias e sal marinho) é uma das estrelas, presente no Yuzu Martini (gim, saquê licoroso, limão-siciliano, xarope de yuzu) e no Yellow Rocket (gim infusionado com yuzu, rum envelhecido, xarope de lichia, limão-siciliano). O primeiro coquetel é seco, potente, salino e untuoso. O segundo é leve, cítrico e traz umami, o tal quinto sabor, à boca.

Outra dupla de destaque é formada pelo time shissô, apelidado por aqui de “manjericão japonês” nas receitas Herb*Ball (vodca, xarope de shissô, cordial de yuzu, água com gás) e Hypnotize (vodca com infusão de shissô, xarope de tangerina com manjericão, brandy de Jerez, limão-taiti). O primeiro é levíssimo, muito aromático e de refrescância absurda – dá vontade de pedir uma jarra. Hypnotize, apesar da citricidade, da presença de fruta e de um leve dulçor, é um trago mais pancada. Para finalizar a festa, a casa sugere seu coquetel punk metal Bad Copy (vodca com infusão de gergelim, tequila, licor de café, xarope de açúcar), que traz notas tostadas e amargas.

Tan Tan Bar: Rua Fradique Coutinho, 153, Pinheiros.

Hirá Ramen Izakaya

taça de martini com um bebida clara e um umeboshi no fundo

The Other Woman, versão do Dirty Martini com umeboshi. Foto: Tales Hidequi

Mais do que restaurante, o Hirá é uma Disneylândia para comilões, tal a variedade e o sabor dos petiscos e pratos que saem da cozinha ou do balcão comandado pelo chef Daniel Hirata. Entradinhas apetitosas, um dos baos com carne de porco mais deliciosos da cidade ou caudalosos lámens podem ser harmonizados com a vasta carta de saquês da casa. Danilo e sua esposa, Valéria Cedano Hirata, são sérios estudiosos do fermentado de arroz japonês.

O arroz na forma destilada aparece na seleção de coquetéis que foi sendo construída ao longo de sete anos, com consultoria de Paulo Ravelli, Danilo Nakamura e Kacio Freitas, chefe de bar residente. Togarashi Sour (shochu, açúcar, limão, clara, togarashi), criado por Danilo, é uma das receitas mais intrigantes. A leveza do coquetel doce-azedo contrasta com a picância do togarashi, um mix de pimentas e especiarias, despejado caprichosamente sobre a espuma formada pela clara.

The Other Woman (gim, licor umeshu, Jerez, umeboshi), reinvenção do Dirty Martini por Danilo, é para quem quer grau alcoólico e explosão de sabores. Batizado com um pouco da salmoura da ameixa em conserva, o coquetel traz dulçor, salinidade, acidez e umami – só falta amargor para completar a roda de sabores. Há opções refrescantes como o Shissô Collins (gim, limão, xarope de shissô, água com gás) e uma pequena seção de chuhais, perfeitos para começar a rodada de sabores no Hirá.

Hirá Ramen Izakaya: Rua Fradique Coutinho, 1.240, Vila Madalena.

Imakay

taça com liquido leitoso e uma ostra ao lado de um pratinho com limao sicliano salpicado de pimenta

Oyster Martini: gim, vermute e ostra. Foto: Tales Hidequi

O bartender Kevin Cavalcante mergulhou fundo nos cheiros e temperos da culinária oriental quando recebeu, dos sócios do restaurante Imakay, a incumbência de criar coquetéis nos moldes do japonistas. Montou uma carta complexa, cheia de experiências que devem inspirar outros bartenders.

O coquetel Hiiro tem awamori, vermute infusionado com shitake, licor maraschino, tintura de togarashi, bitter umami e Angostura. Vem com metade da borda da taça crustada com a pimenta e se pode escolher entre bebê-lo com mais ou menos picância. O tempero também aparece no maluco Oyster Martini, com gim, vermute seco e ostra dentro. O gomo de limão com togarashi é usado para condimentar a ostra bêbada que se come no final.

Ambos os coquetéis têm umami pronunciado, mas Kevin decidiu apostar na explosão do quinto sabor no Umami Negroni, também com base de awamori, mais Campari com infusão de alga kombu, vermute e bitter, guarnecido com biscoitinhos de alga nori, que harmonizam lindamente com o trago. Quem é da leveza deve provar o cítrico Shissô e Matcha (vodca, limão, shissô, açúcar e matcha). Wasabi Sour (gim, saquê, wasabi, limão, clara de ovo) é outra opção sutil, que conversa com as delicadezas da cozinha do chef David Rodrigues.

Imakay: Rua Urussuí, 330, Itaim Bibi.

The Punch Bar

bebida em copo de ceramica marrom sobre balcao de bar

Matcha sour: shochu, limão-siciliano e matcha. Foto: Divulgação

The Punch é um lugar fundamental para quem quer estar por dentro da coquetelaria da paulistana, não apenas a de inspiração nipônica. Um lugar para ver, não exatamente para ser visto. Ricardo Miyazaki, vindo do mundo corporativo, inspirou-se nos bares intimistas, pequeninos e sóbrios que conheceu no Japão, sobretudo no bairro boêmio de Ginza, em Tóquio. 

O executivo que virou bartender diz que o atendimento acolhedor está em primeiro lugar. Porém, a qualidade da execução dos coquetéis e a variedade de bebidas e insumos que tem ao seu dispor elevam sobremaneira o prazer de sentar ao balcão do Punch, onde é preciso fazer reserva. A carta privilegia coquetéis clássicos, alguns bem obscuros, cuja história Ricardo sabe contar, caso haja curiosidade. Pergunte, pois o papo é sempre ótimo.

Na seção de receitas autorais, aparecem as experiências japonistas, que têm seu ponto alto nos drinques leves. Green Garden (gim, limão-siciliano, açúcar demerara, shissô macerado) e Matcha Sour (shochu, limão-siciliano, açúcar demerara, clara de ovo, matcha) formam um par de frescor sideral. Entre os drinques encorpados, boa pedida é o Kuro Bunê (shochu, bourbon, vermute tinto, umeshu e bitter Peychaud). Para quem gosta de novidade, Otonano Yakuruto (ou Yakult para Adultos) tem o leitinho fermentado, saquê, vodca e tônica. Um drinque divertido que pode servir como sobremesa da casa, que não tem cozinha.

The Punch Bar: Rua Manoel da Nóbrega, 76, loja 17, Paraíso.

Kotori

copo alto com liquido transparente e folha de shisso

Meron Chu Hai: shochu, melão cantaloupe, soda. Foto: Tati Frisson

A segunda casa de Thiago Bañares, especializada em yakitori, os espetinhos japoneses, também tem a chancela de premiação internacional. Está em 65º lugar na nova lista Latin America’s 50 Best Restaurants. O Kotori começou investindo no estilo highball, popular no Japão como haiboru, mas expandiu seus horizontes coqueteleiros numa recente repaginada carta, com receitas autorais incrementadas com orientalismo.

Da seção de highballs, você pode ir do clássico (uísque escocês, água com gás e um toque de limão-siciliano) para o Meron Chu Hai (shochu, melão cantaloupe, soda) ou para o Ume (scotch whisky, umeshu feito na casa, soda). Todos perigosamente leves e muito fáceis de beber. O destilado de arroz japonês também está bem representado no delicadíssimo Cambuci Daiquiri, com o sumo da fruta que dá nome ao bairro paulistano, shochu, rum e hortelã.

Kotori: Rua Cônego Eugênio Leite, 639, Pinheiros.

Oguru Sushi Bar

taça com liquido leitoso com petala vermelha

Raichi: vodca, saque gaseificado e lichia na receita. Foto: Divulgação

O rodízio de sushis, sashimis, petiscos e pratos quentes diferencia-se pela qualidade e pela coquetelaria afinada com a proposta da casa, já celebrada com prêmios de melhor da cidade. O mixologista Márcio Silva assina a carta, executada pela equipe do bartender Saulo Souto nas três unidades. Há opções fáceis de beber, boas para começar e finalizar a refeição – ou acompanhar todo o trajeto.

Os coquetéis longos Umami (vodca, chá branco, melão, alga nori, flor de sabugueiro) e Yuzu (gim, licor de yuzu, limão, gengibre) formam a dupla da leveza. Pedidas mais adocicadas, servidas na taça coupe são Raichi (vodca saborizada com grapefruit, lichia, saquê gaseificado, Lillet Blanc, Ramazzotti Rosato) e Kami (vodca saborizada com pepino e menta, saquê gaseificado, alga nori, wasabi, limão).

A receita mais curiosa é a do Moku Hanga, um drinque longo e carbonatado, com base de Negroni e adição de hibisco, cereja, mel e limão. No topo, traz uma azeitona verde. No fundo, uma ameixa umeboshi que saliniza e acidifica o final do trago, além de ressaltar o umami.  Um jeito diferente e refrescante de interpretar o clássico italiano.

Oguru Sushi Bar: Alameda Lorena, 1892, Jardins; Rua Campos Bicudo, 141, Itaim Bibi; Avenida Dr. Chucri Zaidan, 902, 121B (Shopping Market Place), Vila Cordeiro.

Mr. Wong

bule de cha com quatro copinhos com liquido amarelo

O drinque Gong Fu vem em bule de porcelana. Foto: Divulgação

A China também invade as taças. Aromas e sabores de chás tradicionais enriquecem os coquetéis de Matheus Cunha para o restaurante Mr. Wong, do chef Victor Wong, que mistura tradição e modernidade em sua equilibrada cozinha fusion, acrescida de um sushi bar. Matheus fez uma extensa pesquisa com ingredientes de diferentes perfis: defumados, florais, oxidados. Em cada receita, é possível sentir cada uma dessas características, na maioria das vezes de forma sutil.

Gong Fu (gim, redução de chá oolong, licor de pêssego, néctar de maçã, perfume de flor de laranjeira) é um drinque para ser compartilhado. Vem mimosamente servido numa chaleira de porcelana, traz fruta, refrescância e dulçor equilibrado. O caráter tostado do chá aparece no retrogosto. Keemun (vodca infusionada com chá keemun, geleia de damasco, licor de pêssego) também é da turma dos frutados, mas revela o leve amargor da erva no final.

Ching (gim com infusão de chá lung ching, limão-siciliano e soda de gengibre) é o mais ácido e refrescante da turma, com um delicioso e inconfundível toque de jasmim no aroma e no paladar. Black Gold (Jack Daniel’s, vermute tinto com infusão de chá yunnan, solução cítrica, bitter aromático) é a interpretação chinesa de Matheus para o Manhattan. Potente, aveludado e também com amargorzinho de chá no retrogosto, finaliza bem uma noitada no Mr. Wong, onde outrora funcionou o Tessen.

Mr. Wong: Rua Joaquim Floriano, 295, Itaim Bibi.

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