Uísque também é do agito

Embora pouco requisitado nas receitas, o scotch pode ser a base de coquetéis cheios de personalidade. Saiba qual tipo combina mais com cada drinque.


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Há quem goste de coquetéis leves e refrescantes com gim. Há quem prefira clássicos robustos e sedosos preparados com bourbon, o uísque americano de milho. Há quem vá de cachaça, tequila, vodca ou rum. O scotch whisky, coitado, parece levar a pior na disputa entre os destilados mais queridos quando se fala em coquetelaria.

O estilo de uísque que é sinônimo de Escócia, feito com cevada maltada e outros grãos, sempre terá seu lugar de honra garantido na adega dos bons bebedores – e de quem quer apenas fazer a cabeça. Quem nunca vibrou quando alguém chega à festa com aquela garrafa de uiscão 12 anos? Mas coquetel feito com scotch, quantos você já provou?

Ainda há quem veja o uísque escocês com pompa e circunstância, repetindo o discurso de que ele só pode ser bebido puro, com um tiquinho de água para abrir os aromas, à moda dos conhecedores. Se não for um daqueles rótulos de preço astronômico, permite-se servir com gelo e olhe lá.

A coisa tem mudado, scotch não é mais a bebida do titio, todo o bar que se preze hoje tem em sua carta pelo menos um ou dois coquetéis clássicos com essa base – e um número considerável de pessoas dispostas a bebê-los. Grandes marcas investem pesado na promoção de seus produtos no viés coqueteleiro, com dicas de preparo em redes sociais, sites e eventos.

“Sempre recebemos clientes que já chegam dizendo que não gostam de uísque escocês. Nosso trabalho é derrubar preconceitos e provar que o scotch é tão versátil quanto qualquer outro destilado. Há coquetéis refrescantes, frutados e fáceis de beber, que agradam os iniciantes, e receitas potentes e complexas”, diz Rodolfo Bob, bartender responsável pela carta de coquetéis do Caledonia Whisky & Go., gastrobar paulistano especializado em uísques de todas as procedências.

O Penicillin, coquetel à base de dois tipos de scotch, limão-siciliano, mel e gengibre, saiu na frente e ganhou popularidade. Acridoce, gostosinho e com um marcado, porém não exagerado, toque defumado, é uma das pedidas com scotch mais frequentes nos bons bares de São Paulo.

1800 e bolinha

A história não é nova. Como quase tudo em coquetelaria, começou antes de sua bisavó nascer. O bartender americano Jerry Thomas, autor de livros pioneiros no século 18, é reconhecido pela gravura em que joga uma bebida flamejante de uma caneca para outra. Na célebre ilustração, prepara o Blue Blazer, coquetel à base de scotch.

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A clássica imagem e Jerry Thomas preparando um Blue Blazer.Imagem: Reprodução

O escritor Mark Twain também era adepto da mixologia com scotch, tinha o indulto da recomendação médica para manguaçar no banheiro ao menos quatro vezes ao dia e ver a digestão regulada. Prestes a voltar aos Estados Unidos, descreve uma receita para a esposa, Olivia, em carta de 1874. O coquetel, agora sem função medicinal, merecidamente recebeu o nome de Mark Twain.

“Livy, querida, quero ter certeza de ter no banheiro, quando eu chegar, uma garrafa de uísque escocês, um limão, açúcar moído e uma garrafa de Angostura bitters. Desde que cheguei a Londres, tenho tomado o que se chama de cock-tail (feito com esses ingredientes) antes do café, depois do almoço, depois do jantar e logo antes de me deitar”, escreveu Twain.

Embora o bourbon, com seu paladar arredondado, tenha vencido em popularidade desde os primórdios da história da coquetelaria, o scotch aproveitou-se de um twist do destino para conquistar e firmar presença nas taças. Durante a Lei Seca, nos anos 1920-30, alguns dos melhores profissionais de bar dos Estados Unidos, impedidos de trabalhar legalmente, se mandaram para a Europa.

“Eles precisaram recriar, com o que tinham à mão, coquetéis feitos originalmente com rye (uísque de centeio) ou bourbon. O principal destilado envelhecido em madeira disponível era o uísque escocês e isso fez com que várias receitas se estabelecessem internacionalmente a partir daquele momento”, conta Mauricio Porto, sócio do Caledonia e autor do blog O Cão Engarrafado.

Outro mito é o de que uísque para coquetel precisa ser o baratinho – imagine usar um single malt pipoca das galáxias para fazer um sour. “O resultado de um bom prato é a soma dos melhores ingredientes, e na coquetelaria não é diferente. Um drinque, por mais simples que seja, terá sua percepção melhorada com um excelente scotch. O limite aqui é o dinheiro que você tem para gastar”, diz Bob.

Qual é a sua?

Há, porém, que se parear o estilo de coquetel às características sensoriais do uísque. “Dependendo da receita, um rótulo mais barato será mais adequado ao drinque que se quer fazer. Os aromas e o sabor de um uísque japonês muito delicado – e caro – vão sumir dentro de um Penicillin”, pondera Maurício.

Resta saber qual é a sua e descobrir que haverá, pelo menos, um scotch que seja a sua cara, para beber puro ou em coquetéis. Maurício e Rodolfo dividem os scotchs em três grandes grupos sensoriais:

Vínicos

Passam por envelhecimento em barris que já foram usados para amadurecer vinhos – especialmente o Jerez, fortificado espanhol. Ganham complexidade, notas de frutas secas, castanhas, especiarias. São ricos e redondos no paladar.
São dessa turma: Chivas 13, Famous Grouse, Dalmore 12, Aberlour 12, Tamnavulin Double Cask, Glenlivet 15, Glenfiddich 15, Macallan Sherry Oak 12.

Adocicados

O principal fator que leva o uísque a ter um sabor mais docinho é o uso de carvalho americano no envelhecimento, que aporta notas de mel, baunilha e caramelo à bebida. A presença mais generosa de malte no mosto da bebida também pode puxar o dulçor.
São dessa turma: Cutty Sark, Black & White, Old Parr, Buchanans 12, Jura 10, Dewars 12, Singleton of Dufftown 12, Glenlivet Founders Reserve, Aberfeldy 12, Glenfiddich 12, Chivas 12, Chivas Mizunara.

Defumados (ou turfados)

A turfa, matéria vegetal carbonizada e abundante na ilha de Islay, defuma o malte que vai ser usado na elaboração da bebida. Essa característica fumacê pode ser sutil (caso do Johnnie Walker Black Label) ou extrema (Laphroaig), a ponto de causar careta em quem não tem o hábito.
São dessa turma: Johnnie Walker Black Label, Johnnie Walker Double Black, Famous Grouse Smoky 10, Laphroaig 10, Ardbeg 10, Talisker 10, Bruichladdich Port Charlotte 10.

Quem são eles?

Antes de partir para as receitas, é legal entender as diferentes categorias dos uísques, divididas de acordo com o método de produção.

Single malt: feito exclusivamente com malte de cevada por uma única destilaria.
Single grain: malte de cevada e outros cereais não maltados, produzido por uma única destilaria.
Blended malt whisky: mistura de dois ou mais single malts produzidos por mais de uma destilaria.
Blended grain whisky: mistura de dois ou mais single grains, produzidos por mais de uma destilaria.
Blended whisky: mistura de 1 ou mais uísques maltados com um ou mais uísques de grãos, produzidos por várias destilarias.

Embora um pouco confusa para quem chega agora na conversa, a tabelinha faz a gente entender que os single malts estão no topo da nobreza uisqueira. Os blended whiskies, mistura em que vale quase tudo, são os mais comuns, aqueles que já nos acompanharam em ao menos um pifão na vida.

Na hora de preparar os coquetéis, é legal seguir as dicas de quais produtos escolher para cada receita. Isso não quer dizer que, dependendo do gosto, do bolso ou do rótulo que estiver disponível, você não tenha bons motivos para brindar e curtir.

PENICILLIN

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Penicillin, servido no bar Picco.Foto: Tales Hidequi

O Penicillin nasceu nos anos 2000, obra do bartender superstar Sam Ross, no bar Milk & Honey, de Nova York. Um sour fácil de beber, porém de sabor bem menos corriqueiro, exige dois tipos de scotch em seu preparo.

Prefira: uísque adocicado para a base e outro defumado para a finalização.

Ingredientes
60 ml de uísque escocês blended
25 ml de suco de limão-siciliano coado
25 ml de xarope de mel com gengibre
7,5 ml de uísque defumado
1 pedaço de gengibre cristalizado para decorar

Modo de preparo
1. Coloque o uísque blended, o suco de limão e o xarope numa coqueteleira com bastante gelo e mexa até resfriar.

2. Coe para um copo baixo com gelo.

3. Verta o uísque defumado sobre o coquetel.

4. Decore com o gengibre cristalizado espetado em um palito.

Preparo do xarope de mel com gengibre
Numa panelinha, coloque uma xícara de mel, uma xícara de água e um pedaço pequeno de gengibre descascado, cortado fininho e amassado. Leve ao fogo alto, espere levantar fervura, abaixe para o fogo médio e mexa por 55 minutos. Espere esfriar e guarde na geladeira.

Dica 1: Há bartenders que preferem finalizar o Penicillin com dois ou três toques de spray de uísque defumado. Fica chique colocar o uísque num borrifadorzinho e fazer esse número para as visitas.

Dica 2: Se quiser acentuar o aroma, o frescor e a picância do gengibre, prepare o xarope só com mel e água. Na hora de fazer o coquetel, amasse o pedaço de gengibre no fundo da coqueteleira, coloque os outros ingredientes e bata. Coe para o copo com ajuda de uma peneirinha fina.

MARK TWAIN

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Mark Twain, do Caledonia.Foto: Tales Hidequi

O coquetel imortalizado pelo escritor americano é um jeito mais simples de preparar um sour. A presença do bitter, no entanto, é fundamental para temperar a mistura e trazer um sutil amargor ao paladar.

Prefira: uísque de leve defumação.

Ingredientes
45 ml a 60 ml de uísque
20 ml de suco de limão-siciliano
20 ml de xarope simples de açúcar
2 dashes (espirradas) de Angostura bitters
Casquinha de limão-siciliano para decorar

Modo de preparo
1. Bata os ingredientes na coqueteleira com bastante gelo, até resfriar.

2. Coe duplamente (com peneira fina) para uma taça coupe previamente resfriada.

3. Finalize com a casquinha de limão.

BLOOD AND SAND

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Blood and Sand, do bar Picco.Foto: Tales Hidequi

A receita aparece pela primeira vez no livro The Savoy Cocktail Book, de 1930. A lenda diz que teria sido inspirada na performance de Rodolfo Valentino no filme Sangue e Areia, blockbuster dos anos 1920.

Prefira: uísque adocicado, se quiser um coquetel mais redondo. Ou uísque defumado, se quiser um drinque pungente.

Ingredientes
25 ml de uísque
25 ml de vermute tinto
25 ml de licor de cereja
25 ml de suco de laranja
Casquinha de laranja para decorar

Modo de preparo
1. Coloque os ingredientes numa coqueteleira com bastante gelo e bata até resfriar.

2. Coe para uma taça martini ou coupe previamente resfriada, com ajuda de uma peneirinha fina.

3. Torça a casca de laranja sobre o coquetel para que ela solte seu aroma.

4. Decore o drinque com a casca de laranja.

ROB ROY

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Rob Roy, do Caledonia.Foto: Tales Hidequi

O Rob Roy (Manhattan com scotch no lugar do rye) nasceu em Nova York. Há dúvidas sobre sua origem, mas uma certeza: “Ótimo coquetel para quem ama scotch”, diz o historiador da coquetelaria David Wondrich.

Prefira: uísque vínico ou defumado.

Ingredientes
60 ml de uísque
25 ml de vermute tinto
3 dashes (espirradas) de Angostura
Cereja ao maraschino ou casca de laranja para decorar.

Modo de preparo
1. Coloque todos os ingredientes no copo de misturas com bastante gelo e mexa até resfriar.

2. Coe para uma taça coupe ou nick & nora previamente resfriada.

3. Decore com a cerejinha ou a casca de laranja.

GODFATHER

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Godfather: toque de amaretto.Foto: Pixabay

O Godfather, mistura de scotch com licor de amêndoas, foi popularizada nos anos 1970, por causa do sucesso do filme O Poderoso Chefão. Um drinque perfeito para quem quer punch alcoólico e dulçor.

Prefira: uísque vínico ou defumado.

Ingredientes
60 ml de uísque
30 ml de licor amarettto
Casca de laranja ou fatia de laranja desidratada para finalizar (opcional)

Modo de preparo
1. No copo de misturas com bastante gelo, mexa os ingredientes até resfriar.

2. Coe para um copo baixo com gelo.

3. Decore com a casca ou a laranja desidratada.

Dica: Você pode aumentar ou diminuir a proporção do licor, caso queira um coquetel mais ou menos doce.

WHISKY HIGHBALL

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Whisky Highball, ou Haiboru, como no cardápio do Caledonia.Foto: Tales Hidequi.

O Whisky Highball, popular no Japão, é fácil de fazer e aceita virtualmente todos os perfis de uísque. A água com gás ameniza o punch alcoólico e a quebra das borbulhas leva ao topo da taça as notas de aroma do uísque.

Prefira: o que você quiser.

Ingredientes
45 a 60 ml de uísque
Água com gás gelada
Casca de laranja ou limão siciliano para finalizar

Modo de preparo
1. Em um copo longo previamente resfriado, coloque gelo até a boca.

2. Verta o uísque e, em seguida, a água com gás, até completar.

3. Mexa suavemente com a colher de bar

4. Finalize com a casca de cítrico.

Dica: A troca de água com gás por refrigerante de gengibre também rende um bom highball.

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