Festival de Madri aponta novos caminhos para o design

Em sua sexta edição, o evento espanhol desafia jovens profissionais e nomes consagrados a refletirem sobre sustentabilidade e outras questões urgentes.


escultura em forma de plantas pontudas



Na última terça-feira (7.02), começou a sexta edição do Festival de Design de Madrid, que seguirá até 9 de abril. Com uma extensa programação, espalhada por diferentes espaços culturais da cidade, o evento convida à reflexão e provoca designers e artistas a pensarem sobre sustentabilidade, consumo consciente e a história da arte contemporânea espanhola. E, claro, o festival aponta também as novas tendências do design. Uma percepção bastante clara é a de que os caminhos traçados ali vão muito além de cores e elementos de destaque. As grandes protagonistas são importantes discussões acerca de questões ambientais, como preservar o meio ambiente e olhar para o futuro sem esquecer de ferramentas e técnicas ancestrais. Confira a seguir algumas pistas do que vem por aí,  identificadas pela reportagem, após percorrer por cinco dias as exposições e instalações que compõem o circuito madrilenho.

Slow design 

O movimento que propõe o uso de materiais locais e o desenvolvimento de peças com maior vida útil já é bastante discutido, mas no Festival de Design de Madrid ele surge como uma provocação feita à nova geração de designers. 

A American Hardwood Export Council (AHEC), associação especializada em promover as madeiras americanas de alta densidade, convocou 17 estudantes de nove escolas espanholas de design a explorarem as possibilidades materiais de quatro madeiras de alta densidade sustentáveis, mas menos utilizadas: tulipa, carvalho-vermelho, bordo e cerejeira. 

bx Estante Todo Toca assinada pelos estudantes Eli Yang Anna Perathoner para a Slow Spain

Estante Todo Toca, assinada pelos estudantes Eli Yang e Anna Perathoner para a Slow Spain. Foto: Divulgação

Os alunos trabalharam com mentores espanhóis renomados do design, incluindo Inma Bermúdez e Moritz Krefter (Studio Inma Bermúdez), Álvaro Catalán de Ocón (ACdO) e Jorge Penadés (Gabinete Penadés) para desenvolver peças com base no conceito slow. 

O resultado pode ser visto na exposição Slow Spain: slow furniture for fast change, que reúne as nove peças feitas à mão na carpintaria local La Navarra. Elas variam de estante, luminária e escrivaninha a itens de mobiliário urbano. Cada item tem sua funcionalidade como critério principal de seu desenvolvimento, levando a nova geração de designers a criarem a partir da função – base da sustentabilidade e do consumo consciente.

Slow Spain: slow furniture for fast change: em cartaz no Fernán Gómez Centro Cultural, até 12 de março.

O uso de biomateriais

Já imaginou plantas impressas em 3D que absorvem o CO2 do ambiente e purificam o ar? Parece uma tecnologia muito futurista, mas ela já existe. A escultura Pure Plants, assinada por Carmelo Zapulla, do estúdio External Reference, em colaboração com Aldo Solazzo, do La Máquina, respira e pode absorver mais de 15 kg de CO2 ao ano graças a seu processo de fotossíntese. 

escultura em forma de plantas pontudas

Escultura Pure Plants, de Carmelo Zapulla. Foto: Divulgação

Ela faz parte da exposição sensorial e imersiva Madre Natura, organizada pela curadora Teresa Herrero, e não é a única a surpreender pela tecnologia envolvida em seu biomaterial. A mostra é dividida em quatro salas, uma para cada elemento natural: água, terra, fogo e ar. 

Ao adentrar cada ambiente, o visitante encontra um conjunto de obras de arte que apostam no uso dos biomateriais e técnicas sustentáveis e que juntas formam, em alguns casos, uma instalação imersiva. Cada peça possui um pontapé criativo único e sustentável – vale a pena mergulhar em cada história contada ali. Há uma infinidade de biomateriais que abrem leques gigantes de possibilidades para novas construções!

Madre Natura: em cartaz no Fernán Gómez Centro Cultural, até 9 de abril de 2023.

O encontro de técnicas tradicionais com a criação vanguardista

Na mostra Sevilla. Sombra iluminada, a curadora Macarena Navarro-Reverter, em parceria com o Studio Noju, combina linguagens tradicionais sevilhanas a criações modernas e de vanguarda de artistas e designers da região. 

A escolha não é acidental: Sevilha é a cidade invitada do Festival de Design de Madrid desta edição. Em outras palavras, é a homenageada do ano. A visita à mostra, logo de cara, surge como uma oportunidade de conhecer melhor a cultura sevilhana, mas é bem mais do que isso. 

escultura com tijolos formando uma pirâmide

Instalação da mostra Sevilla. Sombra iluminada. Foto: Divulgação.

Por ali, podemos vivenciar o encontro entre passado e presente, desde técnicas artesanais a materiais utilizados, e refletir sobre a importância de preservar (no design, nas artes, no artesanato) a história local e combiná-la ao novo, ampliando esse olhar para outras regiões do mundo. Impossível não pensar no rico acervo cultural brasileiro, presente dos sertões às grandes cidades, e em como esses encontros técnicos e materiais, já em voga nas mãos de muitos designers por aqui, são mais do que bem-vindos e devem ser cada vez mais incentivados.  

Sevilla. Sombra iluminada: em cartaz no Fernán Gómez Centro Cultural, até 9 de abril de 2023.

A importância de quebrar fronteiras 

A grande amizade entre o espanhol Vicente Rojo (1932-2021) e o mexicano Gustavo Pérez encontra-se documentada, ainda que sem querer, na extensa criação dos dois artistas, que evocam a mesma paixão pela geometria e compartilham, cada qual à sua maneira, materiais similares. 

vasos cilíndiricos em tons de cinza

Cerâmicas de Gustavo Pérez e obra da Vicente Rojo. Foto: Divulgação

Rojo, cofundador e diretor artístico da Editora Era, entrelaçou a carreira de pintor com a de tipógrafo, desenhista e ilustrador de títulos célebres da literatura ibero-americana. Por sua vez, a obra de Gustavo Pérez representa a síntese de anos de maestria no campo da cerâmica.

A exposição Gustavo Pérez & Vicente Rojo aponta a riqueza do intercâmbio cultural destes dois artistas e revela a magnitude da história hispano-mexicana.

Gustavo Pérez & Vicente Rojo: em cartaz na Galeria Memoria até 21 de fevereiro de 2023.

O espaço como briefing criativo

Outro aprendizado do Festival de Design de Madrid é o quanto o espaço expositivo pode ser o briefing para o que será desenvolvido. Na pequena mostra Natural Connections, os designers Jorge Penadés, Álvaro Catalán de Ocón e a dupla Inma Bermúdez e Moritz Krefter, do estúdio Inma Bermúdez – os mentores dos estudantes da exposição Slow Spain citada mais acima – foram desafiados pela AHEC a criar mobiliário urbano a partir das mesmas madeiras americanas de alta densidade sustentáveis utilizadas pelos alunos.

A proposta, no entanto, tem uma escala bem maior: os itens seriam expostos no Matadero, um antigo matadouro madrilenho composto por oito edifícios, que atualmente funciona como centro cultural. Uma dica: o espaço, por si só, vale a visita!

Mas o resultado alcançado pelos profissionais vai muito além de peças bonitas e funcionais. Eles desenvolveram três sistemas modulares que podem ser adaptados às necessidades e tamanho de cada ambiente. 

luminárias feita de cilindros de madeira tramados

Luminária Nube, de Alvaro Catalán de Ocón. Foto: Divulgação

Como o Wrap, de Jorge Penadés, produzido a partir de finos tubos de cerejeira que, além de utilizar pouca matéria-prima, podem ser encaixados na horizontal e na vertical e formar diferentes móveis, como bancos e mesas resistentes. Já a luminária Nube, de Álvaro Catalán de Ocón, é composta de pequenas peças ocas de madeira que permitem a passagem de fios elétricos. O item pode chegar a seis metros de comprimento. 

escultura de madeira

Peça La manada perdida, do estúdio Inma Bermúdez. Foto: Divulgação

Já no caso da peça La manada perdida, assinada pela dupla do estúdio Inma Bermúdez, há ainda um elemento surpresa. O item, além de escala e formatos personalizáveis, pode ser produzido a partir de sobras de diferentes madeiras. E seus cortes, caso resultem em novos restos, ganham formatos artísticos provenientes do moldes e podem ser transformados em objetos decorativos. Ainda mais sustentável!

Natural Connections: em cartaz no Matadero até 9 de abril de 2023.

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