JR inaugura mostra “O papel da mão”, em SP, e ganha filme no streaming

Artista francês, conhecido por intervenções públicas em grande escala, falou com a ELLE sobre a exposição, o documentário "Paper & glue" e seu trabalho no Morro da Providência (RJ).


JR Atelier 2022 Photo Gregoire Machavoine Courtesy of the artist and Nara Roesler
Grégoire Machavoine/Courtesy of the artist and Nara Roesler



Por trás dos óculos escuros e do chapéu que nunca tira, é difícil saber exatamente o que pensa e sente J.R. Fácil, no entanto, é perceber que sua mente de multiartista funciona a mil por hora, elucubrando sobre os projetos de impacto que fez e fará nos quatro cantos do globo: envelopar o Museu do Louvre (2016), montar uma mesa de piquenique na fronteira entre os Estados Unidos e o México (2017) ou ocupar uma praça em Levive, Ucrânia, com uma imagem de uma pequena refugiada estampada em 45 metros de altura (2022).

De fala rápida e entusiasmada, o artista disserta sobre a série inédita de colagens fotográficas O papel da mão e a intervenção na fachada que apresenta desde o último sábado (25.03) na galeria Nara Roesler, em São Paulo. Fala também do lançamento no Brasil do documentário Paper & glue (2021), que revisita sua trajetória e os bastidores de intervenções públicas em grande escala e estreou em fevereiro na Globoplay. Estão ali, por exemplo, o trabalho com a imagem dos detentos do presídio de segurança máxima na Califórnia e com os moradores do Morro da Previdência, no Rio de Janeiro.

“JR é um artista que emergiu no ponto de transição das mídias analógicas para as redes digitais […] sua matéria prima são as histórias humanas que, amplificadas, traduzem o espírito de um tempo e da nossa condição”, escreve o curador Marcello Dantas, que assina o texto da exposição, ressaltando a importância da mão como marca identitária, sobretudo para um artista. A seguir, trechos da conversa com a ELLE:

A pesquisa para essa nova série parte de sua visita às cavernas de Chauvet, na França, e de retratos da sua própria mão. Como foi esse processo?
É um trabalho sobre a mão do artista em sentido literal e figurado. Eu estive em Chauvet, essa caverna onde 35 mil anos atrás nossos ancestrais “grafitavam”, deixavam seus registros com as mãos e que hoje nos permitem compreender um pouco como viviam. E isso imediatamente me lembrou o início da minha carreira no grafite, o fato de poder deixar uma marca, de dizer “eu estou aqui, eu existo”. Partindo das cavernas, fiz toda uma derivação com minha mão, fotografando e criando as composições inéditas que agora apresento aqui.

jr hands composition 9 2022

Hands, Composition # 9, em exibição na Nara Roesler Divulgação

Como é que um artista tão conhecido pelas intervenções no espaço público lida com o trabalho de ateliê?
Todo meu trabalho só existe graças a essas séries, que são pouco divulgadas, mas que financiam todos os projetos que faço. Quem tem uma obra original, as únicas que assino, guarda um traço das outras grandes obras que todo mundo vai ver, mas que são efêmeras, desaparecem. Essas séries são os únicos vestígios físicos da minha passagem e dos meus projetos.

Como você viveu a pandemia e que impacto ela teve sobre seu trabalho?
Tudo para mim é possibilidade de fazer um projeto, mesmo quando existem restrições. Na pandemia, eu estava em Paris, não podíamos nos deslocar, mas usamos a força que tínhamos para atuar. Temos um espaço chamado Reffetório (uma cozinha social de chefs e artistas com o objetivo de reduzir o desperdício de alimentos) que foi todo adaptado para entregar refeições a pessoas que não tinham o que comer. Muitas ações e muitas aulas tivemos que fazer online, mas isso nunca foi motivo para parar.

“Todo meu trabalho só existe graças a essas séries, que são pouco divulgadas, mas que financiam todos os projetos que faço”

Pode contar um pouco sobre Paper & glue? Por que o documentário de 2021 só chegou agora no Brasil?
Como o produtor-executivo é Ron Howard (Apollo 13), o filme teve um grande lançamento nos Estados Unidos e agora vai saindo país por país. No documentário , mostro pela primeira vez os bastidores de alguns grandes projetos, com uma boa porção dedicada ao trabalho que desenvolvi nos Estados Unidos nos últimos três anos (com detentos do presídio de segurança máxima de Tehachapi, Califórnia) e também muito do processo no Brasil (Women are heroes, 2008-2009) que nunca havia sido mostrado. O filme volta também ao começo: a tudo o que fiz nas periferias francesas durante 20 anos.

Como Paper & glue se relaciona com Visages villages (2017), que você escreveu e dirigiu com Agnès Varda?
Foram anos incríveis com Agnès. Nós vivíamos e criávamos intensamente… Eu sabia que estava aprendendo muito, mas não dava tempo de processar tudo. Agora que consigo me dar conta do número de coisas que aprendi com ela, fico volta e meia pensando “o que Agnès teria dito disso ou daquilo”. A voz dela se faz muito presente para mim.

trompe loeil les falaises du trocadero 27 mai 2021 6h18 paris france 2021

Uma dass intervenções públicas de JR: Trompe l’oeil, Les Falaises du Trocadéro, 27 Mai 2021, 6h18, Paris, France 2021 Divulgação

Em 2009, você fundou uma escola no Morro da Providência, a Casa Amarela. Como ela está hoje?
Sim! Em 2019, fizemos uma grande festa comemorativa de dez anos. Agora, a escola tem mais de cem estudantes por dia com aulas de teatro, de gastronomia e coisas que jamais imaginei que faríamos. Confesso que não imaginava que o projeto cresceria tanto, mas estamos dobrando de tamanho, reformando uma casa adicional e contamos uma equipe permanente de mais de 15 pessoas.

Você tem novas ações previstas no Brasil? Como está sua agenda de viagens?
Fui flagrado na Amazônia (enquanto acompanhava uma filmagem) esta semana e isso pode, quem sabe, ser um ponto de partida. Foi minha primeira vez lá em diferentes pontos: numa porção do Rio Negro ao sul de Manaus, na fronteira com a Bolívia e no território indígena dos Suruí. Foi profundamente inspirador, fascinante, uma lição de humanidade. Depois desses dias em São Paulo, devo partir para a França e em seguida para a Ásia. Tenho ateliês em Paris, Nova York e geralmente fico entre os dois, com projetos em todo lugar. Existe uma vontade de sempre aproximar as pessoas, de fazer projetos. Esse trânsito é realmente o DNA do meu trabalho.

jr au louvre et le secret de la grande pyramide 30 mars 2019 6h21 c pyramide architecte i m pei musee du louvre paris france 2019

JR au Louvre et le Secret de la Grande Pyramide, 30 Mars 2019, 6h21 © Pyramide, architecte I. M. Pei, musée du Louvre, Paris, France Divulgação

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