O emo está de volta: agora também na beleza
O olho preto borrado, característico do estilo que ganhou o mundo nos anos 2000, volta a dominar a internet, os tapetes vermelhos e as passarelas. Mas o que explica esse revival?
Entre peles perfeitamente iluminadas e contornos milimetricamente estruturados, as tendências de maquiagem estavam há anos restritas a uma estética, no mínimo, entediante. Eis que a icônica cantora canadense Avril Lavigne reaparece nas paradas musicais com Love sux (2022) e recuperando o seu tão característico olho esfumado. Entra também a atriz Julia Fox com uma sombra preta tão carregada que conseguiu chamar mais atenção do que seu relacionamento relâmpago com o rapper Kanye West. As influências desse visual são diversas: poderíamos citar Kate Moss nos anos 1990, o grunge da década anterior ou ir tão longe quanto o Antigo Egito. Existe, porém, um denominador comum entre boa parte das tendências do momento: o emocore. E é sobre ele que vamos falar aqui.
A palavra emo vem de “emotional hardcore”, subcultura que nasceu nos anos 1980 impulsionada pela música. O movimento, porém, ganhou força nos anos 2000 e logo caiu no mainstream com bandas como as estadunidenses My Chemical Romance e Good Charlotte, e a canadense Simple Plan, que traziam letras melancólicas envolvendo as dores do amor e da própria existência – essa, na maioria das vezes, descrita como estranha e inadequada. Este é, provavelmente, um dos primeiros grupos a ganhar força e estruturar-se através da internet, com o auxílio de plataformas como o Tumblr e o Myspace.
O crescimento do pop punk, a partir principalmente de 2020, traz de volta essa carga emocional que não demorou para escalar até o topo das paradas musicais, com novas artistas como Willow Smith e Olivia Rodrigo. Ainda, figurinhas carimbadas dos anos 2000, como Avril Lavigne e Travis Barker, baterista do Blink 182, fizeram novas colaborações, lançaram singles e emplacaram hits virais no TikTok. Isso sem falar no rapper Machine Gun Kelly, que viveu uma virada musical importante ao trazer influências do emo para a sua sonoridade. No Brasil, bandas nacionais que representaram muito o movimento no passado, como a Fresno, começam a conquistar uma nova leva de fãs. Até a Anitta trouxe de volta a estética no clipe de “Boys don’t cry”.
“Esse é o visual de quem chorou. De quem passa a mão no rosto o tempo inteiro por causa da ansiedade. A maquiagem perfeitinha não existe quando você demonstra seus sentimentos”, Nina Grando
Ainda que o emo já estivesse ensaiando um retorno antes mesmo da pandemia, o isolamento social trouxe à superfície toda aquela revolta e melancolia tipicamente adolescente e característica do movimento. “Os jovens pararam de ir à escola. Os que entrariam na universidade, tiveram seus planos interrompidos. Foi também uma época de muita tristeza, de medo, de não saber o que vem amanhã. Então, é mais do que natural que eles voltassem para si mesmos, que vivessem as quatro paredes do quarto como único mundinho possível”, reflete Nina Grando, pesquisadora de tendências. Isso explicaria também o absoluto fenômeno que é Euphoria e seus personagens adolescentes supercomplexos e cheios de sentimentos. “Por conta de todos esses problemas que a juventude enfrenta nos dias de hoje, ela acaba flertando com o ‘entretenimento do trauma’. Ela não quer saber de comédias românticas – prefere sentir na pele”, comenta a expert sobre a série da HBO.
Tá, mas e a beleza?
Nesse cenário caótico e confinado da juventude contemporânea, a internet é uma das poucas saídas para a autoexpressão, e é justamente aqui onde a beleza entra em cena. “Dentro de casa existe muito espaço para a autoexperimentação – essa coisa de descolorir, colorir ou cortar os fios sozinho. Tem uma atitude do tipo ‘foda-se se eu estragar o meu cabelo’ embutida nisso”, explica Nina. O rompimento com a perfeição já era um movimento que começava a acontecer principalmente entre a geração Z. A maquiagem, por exemplo, não é mais sobre base, corretivo e contorno – é sobre a possibilidade de expressar a individualidade e criar de forma livre.
@punktoenail
Não é de se estranhar, então, que os olhos pretos borrados tenham feito um comeback. “Esse é o visual de quem chorou. De quem passa a mão no rosto o tempo inteiro por causa da ansiedade. A maquiagem perfeitinha não existe quando você demonstra seus sentimentos”, diz Nina. “É a maquiagem que representa o caos, as incertezas, tudo é mais nebuloso. A sombra escura traz esse mood mais dark e profundo. É mais sobre ter personalidade e menos sobre se encaixar dentro de um padrão ideal”, descreve Rafaella Crepaldi, maquiadora da NARS.
Mas não pense que o visual ficou apenas no mundinho das redes sociais – ele praticamente dominou as passarelas da temporada internacional de inverno 2022. O esfumado pesa na dramaticidade ao tomar os olhos das modelos com formatos pouco estruturados. “É a desconstrução da perfeição. Nesse olho mais borrado, sujo e sem muita definição ou acabamento, não há pretensão de construir uma maquiagem 100% correta, uniforme ou simétrica”, explica Rafaella. O visual apareceu nos desfiles da Versace, Roberto Cavalli, Schiaparelli, Sportmax e Altuzarra, entre tantos outros.
VersaceFoto: Getty Images
O borradinho na prática
A única regra aqui é a da imperfeição – a ideia é soltar a mão e criar formas sem se preocupar muito com a estrutura delas. “Para isso, a melhor ferramenta é um lápis de ponta bem macia, como o kajal: ele vai garantir a intensidade da cor e facilitar a aplicação”, indica Kátia Araújo, maquiadora da MAC. De acordo com a expert, ele pode ser aplicado em toda a pálpebra fixa e móvel, em volta dos olhos e até na linha d’água. “Depois, use um pincel para esfumar as linhas e deixá-las com essa aparência borrada”, completa. Outra dica é finalizar com uma sombra, que vai deixar o preto ainda mais intenso e fazer com que a make dure mais.
Se você quer aderir à trend, mas o visual totalmente preto não é muito sua praia, vale esfumar a cor junto com um marrom ou cinza para suavizar o visual. “Outro truque é usar uma sombra cremosa cintilante em toda a pálpebra primeiro e depois entrar com o pretinho esfumado, pegando principalmente o canto externo alongado e trazendo um pouco para a linha inferior dos olhos”, finaliza Kátia.
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