A natureza viva no design de Arne Jacobsen
A paixão pela botânica inspirou o arquiteto dinamarquês a criar algumas de suas peças mais icônicas, dando um toque modernista e tremendamente ousado à decoração de interiores.
Gota, Cisne, Formiga, Girafa, Ovo… Não foram poucas as peças que Arne Jacobsen fez inspirado pela natureza. Muitas de suas poltronas, cadeiras, mesas ganharam formas (e nomes) que revelam o amor do designer dinamarquês pela fauna e, especialmente, pela flora.
Uma paixão tão grande que ele plantou um jardim particular em sua casa, em Klampenborg, subúrbio ao norte de Copenhague, onde passou a morar e a manter seu estúdio a partir de 1951. Ali, cultivou mais de 300 espécies, transformando o lugar em um laboratório e, sobretudo, em um refúgio. Passava horas entretido, observando folhas e flores e documentando tudo com sua máquina fotográfica, lápis e pincéis – segundo o artista, os três instrumentos fundamentais de seu processo criativo. As cores, formas, padrões e texturas que descobria nessas longas sessões de devaneio foram transferidas com o tempo para suas criações, imprimindo um estilo delicado, mas bastante ousado para a época.
Poltrona Drop, de 1958. Foto: Divulgação Fritz Hansen
Foi dessa forma que chegou à poltrona Egg, além da Drop e da Swan e Egg, todas de 1958. Projetadas para mobiliar o SAS Royal Hotel, elas criaram um belo contraste entre suas linhas orgânicas e os traços minimalistas do interior da construção. A cadeira Girafa fez parte do mesmo projeto. Estofada com tecido verde, ela foi feita para o restaurante do primeiro andar, enfatizando os tons de cinza e verdes azulados do décor.
Outro exemplo é a Ant, anterior, de 1952. Produzida pela Fritz Hansen, ela é a primeira com assento e encosto moldado em uma única folha de compensado. Basta olhar a peça de frente para reconhecer de imediato a silhueta de uma formiga! Leve, com apenas três pernas e facilmente reprodutível em escala industrial, a Ant foi feita para o refeitório de uma empresa farmacêutica em Frederiksberg. Ou seja, uma peça de mobiliário pensada em função do espaço que habitaria no futuro e da dinâmica que estabeleceria nele.
Cadeira Ant, de 1952: com três pernas e moldada em uma única folha. Foto: Divulgação Fritz Hansen
Esses projetos mostram, portanto, o talento de Arne Jacobsen para integrar mobiliário e interiores, combinando design e arquitetura dentro de um conceito que ficaria conhecido como gesamtkunstwerk, em alemão, uma obra de arte completa – ou design total.
Assim, saíram de sua prancheta não apenas móveis, mas estampas para tecidos, luminárias, relógios, talheres, papéis de parede, copos, jogos de chá e café, que podiam funcionar de forma independente ou somar uma visão ampla de como Arne queria que cada ambiente fosse entendido – e vivido. Uma experiência que ele já havia experimentado em 1942, quando desenhou e mobiliou duas prefeituras, a de Aarhus e a de Sollerod. Até mesmo os botões dos elevadores e os detalhes dos banheiros passaram pelo seu crivo.
Modernista desde sempre
Essa forma de pensar tem muito a ver com a trajetória que ele percorreu até se tornar um dos designers mais incensados da Dinamarca e do mundo.
Seu sonho de adolescente era se tornar artista, mas o pai se opôs aos seus planos e sugeriu que entrasse na escola de arquitetura em 1924, onde ele criaria suas primeiras peças de design. Influenciado pelo estilo de nomes como Le Corbusier, Ludwig Mies van der Rohe e Walter Gropius, projetou uma cadeira para a Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais e foi premiado com uma medalha de prata. Logo nesse início, Jacobsen se engajou no movimento de levar o modernismo para a Dinamarca, combinando novas ideias de arquitetura e design com métodos e materiais da cultura artesanal local, sempre sobre uma base funcionalista.
Cadeira Girafa, projetada para o SAS Royal Hotel. Foto: Divulgação Fritz Hansen
O melhor exemplo foi o projeto em que ele e o arquiteto Flemming Lassen trabalharam juntos em 1929: a Casa do Futuro, com planta em espiral, formas cubistas, paredes em cores primárias claras, garagens para barco e carro e um heliponto no teto.
A dupla chamou a construção de “máquina para viver”, bem ao estilo modernista da época. Seguindo as pegadas da escola Bauhaus alemã, ela trazia várias soluções engenhosas, como um aspirador sob o capacho de entrada, para tirar o pó dos sapatos dos visitantes; mesas automatizadas que giravam para levar os pratos até cada convidado; e um sistema de tubos que entregava a correspondência diretamente aos correios. Tudo isso enquanto, na sala, um telão tocava música clássica.
Para o mobiliário, desenharam itens de vidro e aço e incluíram a charmosa chaise de vime Paris, desenhada por Arne, com as laterais em leque, além de trazer a MR27, de Mies van der Rohe. Embora a instalação tenha sido desmontada depois de um curto período de exposição, ela catapultou a carreira de Jacobsen. A Casa do Futuro virou objeto de desejo de todo modernista e, graças ao sucesso e às encomendas, ele pôde abrir seu próprio escritório.
Arne Jacobsen: do orgânico ao geométrico
Foi no projeto das prefeituras que Arne conheceu a designer têxtil Jonna Moller, que se tornaria sua segunda esposa, em 1943 (ele fora casado antes com Marie Holm, com quem teve dois filhos). Jonna se tornou sua parceira de trabalho, incentivando o designer a transpor seus estudos e aquarelas botânicas para tecidos.
Poltrona Swan, de 1958. Foto: Divulgação Fritz Hansen.
No mesmo ano, com o avanço do nazismo e como Jacobsen tinha ascendência judaica, tiveram que se exilar na Suécia, onde ele passou a desenhar papéis de parede e a produzir tecidos para a loja de departamentos Nordiska. Voltou à Dinamarca em 1945 e ganhou fôlego como designer depois de lançar as cadeiras Ant e Número Sete.
Os anos 1950 e 60 foram extremamente férteis para Jacobsen. Ele assumiu o posto de professor de arquitetura na escola de Brugskunst e entrou em uma nova fase. Começou a criar inspirado em formas geométricas.
Assim, nasceu, em 1967, a Cylinda Line, uma coleção de mesa que se tornaria memorável. É quando experimenta o aço inoxidável como uma alternativa à prata, normalmente usada nos faqueiros e conjuntos de chá. O jogo, todo desenhado a partir de um cilindro, incluía itens de cafeteria, chá e ainda balde de gelo, coqueteleira e mixer.
Linha Cylinda. Foto: Divulgação Stelton
Feito com a fábrica Stelton, o processo de desenvolvimento levou três anos! Mas o resultado não poderia ter sido mais perfeito. O trabalho foi premiado pelo Conselho Dinamarquês de Design e angariou vários outros prêmios mundo afora, tornando-se uma obra de referência na história do design. E o melhor: continua atualíssimo e em produção até hoje.
Não apenas a Cylinda, mas muitas outras invenções de Arne foram parar em coleções de design de grandes museus ao redor do planeta, como o de Arte Moderna de Nova York, o de Design de Londres e o de Arte Moderna de São Francisco.
Arne Jacobsen. Foto: Divulgação Fritz Hansen.
Pela combinação perfeita entre estética, inventividade e função, Arne Jacobsen, que morreu aos 69 anos, em 1971, se tornou um dos maiores influenciadores do modo de viver contemporâneo, com um olhar fresco não apenas para os espaços de moradia, mas também para o trabalho. Com seu talento e criatividade, ele colocou a Dinamarca no mapa do design internacional. E deixou o mundo mais elegante.
Para saber mais:
Site oficial
Arne Jacobsen Design
Livro
Arne Jacobsen: Approach to His Complete Works 1926 – 1949
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