Na Dendezeiro, roupas são ferramentas de conectividade e expressão

Conheça mais sobre os estilistas Hisan Silva e Pedro Batalha, que fizeram de seus sonhos e frustrações o motor para uma das etiquetas mais interessantes do momento.


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CONTEÚDO APRESENTADO POR SOU DE ALGODÃO

Você provavelmente já leu ou ouviu sobre como a moda pode afetar a saúde mental e a relação das pessoas com os próprios corpos. É tudo verdade, porém não uma verdade absoluta. Existem formas mais saudáveis e plurais de usar o que vestimos como ferramenta de autoexpressão, conhecimento e afirmação. A Dendezeiro, marca dos estilistas Hisan Silva, 23, e Pedro Batalha, 25, é um bom exemplo.

Lançada em 2019, na cidade de Salvador, a etiqueta é fruto dos sonhos e frustrações de seus criadores. “Desde o início, temos o desejo de criar roupas que caibam em corpos diferentes”, fala Pedro. “Sabemos que as numerações existentes não dão conta de contemplar toda a diversidade corporal no Brasil, então buscamos criar modelagens que possam se adaptar para oferecer uma experiência completa de vestibilidade”, continua ele.

Não se trata de um projeto finalizado, mas sim de um estudo e pesquisa constantes. Antes mesmo de criarem o atual negócio, a dupla passou quase um ano experimentando em diferentes frentes até se sentirem seguros o bastante para se lançarem no mercado. Com a modelagem é a mesma coisa. Não são poucas as tentativas, erros e acertos com construções e tecidos diferentes, com objetivo de fazer com que o consumidor se sinta bem em qualquer peça. “E em todos os aspectos: caimento, ajustes, cintura, quadril, o tanto que marca ou não o corpo”, complementa Pedro.

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Para isso, o duo lança mão de uma série de elementos que permitem uma maior regulagem e ajustes, como passadeiras internas e externas e amarrações. “A Dendezeiro é uma marca com forte viés de sustentabilidade, e a gente sabe que quanto mais aviamento a roupa tem, maior a dificuldade de ser reutilizada”, fala Pedro. Dessa premissa, parte também a preferência por tecidos 100% à base de algodão. O elastano, cerca de 1 a 2%, entra só para garantir mais flexibilidade e conforto.

O predicado, aliás, tem duplo sentido na trajetória de Pedro e Hisan. Uma roupa confortável não é só aquela que não aperta ou que permite a livre movimentação. Tem a ver também com uma roupa que te represente e permita a máxima e melhor expressão de si mesmo. E isso foi algo que sempre acompanhou os estilistas, antes mesmo de assumirem a profissão.

“Para mim, a moda sempre foi um espaço negado. Só fui descobrir minha paixão e vocação quando estava saindo da adolescência, por volta dos meus 18 e 19 anos”, conta Pedro. “Vim de uma condição difícil, então o acesso a esse universo era muito restrito. Não tinha poder aquisitivo para poder comprar, experimentar e me desenvolver. Eu fui aquela criança caçula que vestia as roupas passadas dos irmãos e primos.” Foi só depois de muito tempo, estudo e autoconhecimento que ele percebeu que a vontade de trabalhar nesse meio tinha a ver com o resgate de sua personalidade e identidade. “Agora, com controle e independência.”

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Para Hisan, a roupa foi uma de suas principais ferramentas de comunicação. Mais do que isso, eram uma plataforma para novas conexões e resistência. “Nasci uma criança viada no meio de uma favela em Salvador”, conta ele. “Estudava numa escola católica, com uniforme padrão para todo mundo. Eu era a pessoa que fazia intervenção na roupa e todo mundo ficava perguntando por que – algumas vezes, até eu me questionava. Mas aquilo fazia sentido para mim, não concordava com a estrutura do que acontecia ali. Não era só uma transgressão, era minha forma de expressar minha insatisfação.”

Anos mais tarde, o mesmo sentimento de desconforto e não pertencimento apareceu durante as primeiras experiências profissionais e toda vez que Hisan entrava em um provador. “Chegava lá e era aquela experiência terrível de vestir uma roupa e ela simplesmente não caber no seu corpo. Aí, você entra naquele caos. Foi quando decidi desenvolver minhas próprias peças.”

O encontro da atual dupla não teve muita relação com a moda, como ambos afirmam, mas teve tudo a ver com princípios e valores essenciais à Dendezeiro. “Pedro estava fazendo uma palestra sobre colorismo e falando sobre pessoas pretas no mercado e eu fui lá assistir”, relembra Hisan. Desde então, os amigos passaram a conviver cada vez mais próximos e identificar interesses e demandas comuns.

“Começamos a pensar como podíamos contribuir com o mercado de Salvador e com os jovens negros de uma forma geral. Foi tanto um sonho como uma forma de sobrevivência”, diz Hisan. A incursão na moda começou com customizações de peças de brechó. “A gente era muito saideiro, então gostávamos de ter roupas do nosso jeito para poder ir às festas”, continua ele.

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Os looks chamaram a atenção, despertaram desejo e serviram de conector de interesses e pessoas. Não demorou para a dupla perceber ali uma possibilidade de negócio. Foram mais a fundo nas curadorias de brechós, nas intervenções até que começaram a produzir por conta própria. Nascia assim a Noostilo, marca lançada em janeiro de 2018, com um desfile na festa Batekoo.

“A Batekoo é um movimento de expressão cultural da população preta muito forte. Desde aquela época, a gente já identificava isso como um pilar importante para o que gostaríamos de fazer”, conta Pedro. “Lançar a coleção lá dentro faz parte de um princípio que temos de cruzar as expressões artísticas com a moda. Então, por que não estar numa festa onde tem música, dança, outros tipos de performance e mesclar a moda dentro desse ambiente para ver como as pessoas reagem?”

Durante o ano em que a marca existiu, Pedro e Hisan não mediram esforços para aprender, pesquisar, estudar e experimentar o máximo possível – quase sempre de maneira autodidata. “Também acabou sendo uma grande pesquisa sobre como o público de Salvador interage com o que a gente cria, pensa, além de apontar o caminho que deveríamos seguir”, comenta Hisan.

Em 2019, o negócio mudou de nome e, assim, a Dendezeiro já chegava ao mercado com objetivo bem definido e público cativo. Parte dele, aliás, foi conquistado pela internet. É que os estilistas sempre apostaram no potencial de conexões da rede e na construção de diálogos potencializados por lá. Justamente por isso, quando a pandemia forçou todos os olhares e atividades para o digital, a etiqueta não precisou de grandes esforços para se adaptar à nova realidade.

“No momento em que tudo se volta para internet, e ela vira uma grande passarela, uma grande vitrine, já estávamos no meio disso tudo e pudemos colocar no radar um diálogo sobre o desenvolvimento e a permanência das pessoas da moda em Salvador”, diz Hisan. É que o estilista sempre se incomodou com a desvalorização dos criativos locais. Aquela história de que, para dar certo, o profissional precisa sair rumo ao eixo Rio-São Paulo.

“Por isso, o audiovisual é importante, porque conseguimos produzir tudo aqui e movimentar a cena criativa da cidade”, continua ele sobre a importância de outras formas de apresentação além do desfile tradicional. “A passarela vai acabar se tornando uma de nossas prioridades uma hora ou outra, mas a gente ainda tem um amor muito grande em relação ao audiovisual, justamente pela capacidade de conectar pessoas.”

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Na mais recente edição da Casa de Criadores, a Dendezeiro deu mais uma prova da potência de conectividade de seus criadores e colaboradoras. O ponto de partida é um streetwear que veste todos, sem restrições ou definições de tamanho e gênero, com mistura de tecidos naturais com outros materiais como plástico, miçangas e pelúcias.

A partir daí, os estilistas referenciam diferentes personalidades da música soteropolitana. As roupas contam com a colaboração de Weedy, Tenso, SempreVivo e Viniartes. E o vídeo tem a participação dos artistas Evylin, Yan Cloud e Maya e das personalidades baianas como Hiran, Duquesa, Cleidson (Baby), Ismael Carvalho, Mauricio Sacramento (Batekoo), Nininha Problemática e outros.

“A pessoas soteropolitanas foram as grandes inspirações para a construção desta coleção, não como objeto de pesquisa e, sim, como fonte inesgotável de criatividade, o que levou a marca a criar roupas que não falam somente sobre o agora, mas sobre o antes e o depois”, finalizam Hisan e Pedro.

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