Como Alberto Morillas cria um perfume?

Em Paris, o perfumista por trás de grandes clássicos como CK One e Acqua di Gió celebra o lançamento de Flower by Kenzo L'Absolu, releitura de um sucesso assinado por ele há 22 anos.


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No auge da primavera parisiense, a ELLE Brasil foi convidada a ir até o alto de um jardim suspenso de onde se pode ver a cúpula da igreja Sacre Cœur. O lugar – estrategicamente escolhido pela divisão de perfumes da Kenzo – foi decorado com vasos de papoulas e grama. A ocasião era a do lançamento da mais nova versão de um clássico da marca. O Flower by Kenzo agora ganhou uma releitura chamada Flower by Kenzo L’Absolue (R$ 359).

O responsável por essa reinvenção é o mesmo gênio que criou esta e mais tantas outras fragrâncias de sucesso ímpar nos anos 1990 e 2000, o espanhol Alberto Morillas. Veterano e íntimo do universo olfativo, ele garante que o L’Absolue não é apenas uma réplica mais intensa do eau de parfum original. Batemos um papo sobre o ineditismo deste lançamento, mas também falamos da sua paixão pela construção de narrativas com a ajuda dos cheiros que, para ele, podem representar todas as nossas emoções.

O senhor já deve estar acostumado a ouvir essas perguntas, mas como conseguiu criar perfumes tão diferentes entre si e tantos hits ao longo de sua carreira?

Depois de 54 anos nesse mercado, eu tenho sempre a mesma paixão. No meu métier, vivemos graças a ela. Quando sinto fragrâncias como CK One, Acqua di Gió e Flower by Kenzo, percebo que o tempo as atravessou todos esses anos, mas elas ainda são atuais. Consegui criar fórmulas que ainda são modernas e fiz isso inconscientemente. Acredito que sempre senti tanta paixão que nunca me cansei de procurar a melhor combinação de acordes, de despejar a mesma intensidade na hora da criação. Sou um criador entusiasta: para mim, é sempre importante manter todos os dias a mesma vontade e empolgação para trabalhar.

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Ana Garmendia, correspondente da ELLE Brasil em Paris, conversa com Alberto Morillas.Foto: Divulgação

Falando em paixão, em tempo e em perfumes, quais as suas primeiras lembranças olfativas?

Ah, isso é muito importante! Minhas memórias de infância… Você sabe que eu venho da Andaluzia e a minha Madeleine de Proust é o cheiro da flor de laranjeira do pátio da minha casa em Sevilha. Esse cheiro que vem de uma flor e que se transforma em laranja. A gente sente a flor e depois quando arranha a fruta, vem um odor amargo. Depois tem o aroma das folhas, tudo isso já é um perfume. É o mesmo esquema de notas da criação de um perfume.

O senhor é autodidata na perfumaria. Como aconteceu esse caminho entre a intuição, a técnica e a química envolvidas na fabricação de um perfume?

Quando eu comecei, nos anos 1970, não havia escola de perfumistas. Era algo que se passava de pai para filhos e eu comecei trabalhando com a Firmenich – empresa em que trabalho até hoje – e tive a possibilidade de poder treinar lá.

Hoje em dia é muito, mas muito trabalho. Quando crio um perfume, faço primeiro para mim, experimento, e quando uma empresa me procura; como por exemplo a Kenzo, que quer um novo perfume, eu começo a mostrar minhas notas, as que eu já estou trabalhando para mim, no meu laboratório. E esse é o ponto de partida do que tenho vontade de expressar. Na verdade, estou sempre experimentando, criando, ensaiando.

“Acredito que sempre senti tanta paixão que nunca me cansei de procurar a melhor combinação de acordes, de despejar a mesma intensidade na hora da criação. Sou um criador entusiasta”

Com tantos perfumes criados, o senhor consegue ter um preferido?

Eu tenho filhos e netos, seria a mesma coisa que me perguntar qual eu amo mais ou prefiro. Cada perfume, gosto de uma maneira diferente – aprecio uma nota e sinto uma alegria, uma satisfação. Evidentemente que eu me lembro de alguns como Flower by Kenzo porque, 20 anos depois, as mulheres ainda o usam e isso quer dizer que ali tem alguma coisa, ali tem alma.

E o que o senhor pode contar para gente dessa nova criação para a Kenzo?

É bom dizer que não é uma nova versão do mesmo perfume e sim um perfume completamente diferente do que eu criei há 22 anos. Nós mergulhamos no coração da papoula e queria associar o açafrão com a laranja, a flor de laranjeira para ser solar e dar um toque “musk” baunilha que é o DNA da Kenzo, mas com uma outra modernidade, um outro toque como a tuberosa, super feminina com um lado vermelho intenso. Espero que as pessoas gostem!

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