Conversamos com Yohan Nicolas, o representante da beleza entre os fabulosos do Queer Eye!
Em entrevista à ELLE Brasil, o cabeleireiro se abre sobre sua trajetória até o programa e conta os bastidores do reality show que emocionou o público da Netflix.
A beleza sempre fez parte da vida de Yohan Nicolas, que desde cedo reconheceu sua vocação para trabalhar com as tesouras e, através delas, se conectar com pessoas. Ao integrar o time de fabulosos do Queer Eye Brasil, versão brasileira do reality show estadunidense que se tornou um fenômeno mundial, o cabeleireiro viu a oportunidade de causar um impacto ainda maior – não apenas na autoestima daqueles que passam pelo programa, mas também dos que o assistem. Aqui, com muito bom-humor, o francês conta detalhes sobre a sua carreira, faz uma declaração de amor ao Brasil e compartilha os bastidores do reality. Spoiler: prepare-se para se apaixonar por ele!
Como você entrou no universo da beleza?
O primeiro contato foi através da minha tia, porque era ela quem cortava o meu cabelo na infância. O carinho que eu recebia enquanto ela fazia o corte me trouxe essa percepção do que eu poderia passar para as pessoas ao cortar o cabelo delas. Com 12 ou 13 anos, eu já cortava o cabelo de família e amigos. Fazia sem ter conhecimento, só no feeling mesmo. Logo que fiz 15, idade mínima para fazer curso profissionalizante na França, entrei em uma escola de cabeleireiro. Nos dois primeiros anos, passava a maior parte do tempo estudando, mas durante os finais de semana e nas férias, ficava no salão. Aos 17, consegui minha primeira qualificação e fiz mais duas formações depois – até os 20, me dividi entre a escola e o salão.
Como foi a decisão de sair da França? Teve a ver com a sua carreira?
Eu saí da França há 17 anos. Aos 21, me mudei para Londres porque queria muito aperfeiçoar a minha técnica na Vidal Sassoon Academy, que é uma escola e também uma rede de salões. Eles fazem uma seleção bem complexa e o processo é bem competitivo. Consegui entrar e passei pelo treinamento interno, que dura 6 meses, e depois segui trabalhando com eles. Depois, fui para outra empresa formada por ex-diretores da Sassoon, onde fiquei até 2013. Neste mesmo ano, vim para o Rio de Janeiro de férias, conheci uma pessoa e me apaixonei. Larguei tudo em Londres e vim ficar com ele. Mas eu sempre brinco que a decisão foi baseada em uma mistura de três coisas: a vista que eu tinha, que era o mar de Ipanema, duas ou três caipirinhas e um boy maravilhoso. (risos)
Quem nunca, né? Mas qual foi o impacto disso para a sua carreira?
Quem nunca mesmo! (risos) Foi estranho, porque eu tinha alcançado o lugar que eu sempre quis: eu trabalhava com uma empresa de educação incrível com a qual eu viajava o mundo, era gerente de um salão em Londres, tinha acabado de comprar um apartamento… mas sabe que foi justamente isso que me deu a força para começar tudo do zero? Eu pensei “calma, eu só tenho 29 anos, trabalho horrores, moro sozinho em um apartamento em uma cidade que já não me entrega mais nada de novo, tudo bem mudar tudo!”. No começo, fiquei um pouco perdido e decidi tirar o primeiro ano no Brasil para curtir. Quase tive a sensação de que estava me aposentando. (risos) Mas depois de três meses, apareceu a oportunidade de ministrar cursos na América Latina pela empresa onde eu trabalhava em Londres. Eu passava uma ou duas semanas viajando a trabalho e o resto ficava com a caipirinha na mão. Isso até o casamento acabar. (risos)
E nesse momento, você pensou em voltar para a França?
Sim, por uns 10 segundos. Mas meu amor pelo Brasil era maior do que o amor pela pessoa com quem me casei. (risos) Depois, me mudei para São Paulo e criei o Studio ICÓ, quando decidi que queria diminuir um pouco a frequência de viagens.
Conta um pouco para a gente sobre o Queer Eye Brasil? Como tudo aconteceu?
Um belo dia, recebi uma mensagem da pessoa que estava fazendo o casting para um trabalho audiovisual de uma plataforma de streaming, mas eles não podiam falar nada. Só depois de todo o processo, respondendo questionários, enviando vídeos e fazendo entrevistas, fiquei sabendo para o que era.
E aí, como foi a sua reação?
E aí que foi tudo. (risos) Mas também fiquei com medo de tanta exposição, porque sou muito discreto com relação à minha vida pessoal. Mas essa sensação não durou muito tempo e logo eu entendi o papel que o programa poderia exercer na sociedade e o quão importante era eu fazer parte disso.
Como foi o processo de gravação?
Olha, foram os três meses mais divertidos da minha vida! Queria fazer isso para sempre. No pós, a gente sentiu bastante ansiedade, porque não sabíamos qual seria a recepção das pessoas. Mas a mensagem que sempre nos passaram foi: “acreditem no conteúdo”. E quando assistimos aos episódios, um pouco antes do lançamento, percebemos que o resultado tinha sido muito melhor do que o esperado. É realmente um trabalho lindo. Em 23 anos de carreira, esse é o projeto do qual sinto mais orgulho.
No programa, a autoestima é um assunto recorrente. Como você vê esse assunto associado à beleza?
O programa mostra que, com micro ajustes, a gente consegue transformar completamente a forma como nos enxergamos no espelho. Esse foi o nosso trabalho: fazer com que essas pessoas voltassem a se olhar. E que fizessem isso com carinho, compaixão e amor! É fácil apontar o que não gostamos, mas por que não dar força ao que temos de melhor? Há beleza em todo mundo, é só a gente dar força para isso. Juntando o meu trabalho ao dos meninos, que vai da moda à design, o programa é uma bomba de autoestima!
O cabelo, especificamente, tem esse poder de transformação, né?
Sim! Vivo isso no salão todos os dias. O cabelo está do lado do rosto e, por isso, tem um impacto enorme na imagem. E apesar de ser algo que cresce e que muda o tempo todo, quando você faz um corte, é preciso assumir a decisão por um tempo. É quase como pular de paraquedas, dá um frio na barriga! Não é como uma roupa ou uma maquiagem que se você não gostar, é só tirar. Então, quando existe coragem suficiente para fazer uma mudança, dá muito orgulho de si mesmo, sabe? É muito bonito. Rola um processo de autoafirmação, algo como “eu sou capaz de fazer minhas próprias escolhas”.
Você brinca muito no seu Instagram sobre as diferenças entre o Brasil e a França. Quando o assunto é beleza, como você vê isso?
A mulher brasileira busca perfeição. Ela não aceita, por exemplo, nem os fios levantadinhos. A francesa às vezes até busca a imperfeição para poder se enxergar única. O cabelo dela tem esse visual mais despojado e desarrumado – e a gente até acha que ela acordou assim e saiu, mas às vezes esse look é muito bem planejado. Mas de modo geral, me parece que o francês é bem mais desencanado com beleza e tem um pensamento mais profundo sobre a moda.
A nossa ideia de beleza, de maneira geral, tem mudado muito nos últimos anos. Como você enxerga isso no seu dia a dia de trabalho?
Essa mudança é primordial e a gente precisa, cada vez mais, aceitar a individualidade de cada um. Eu recebo essa evolução com muita felicidade. Na Europa, a individualidade sempre foi mais celebrada. Por isso, eu precisava lidar com uma diversidade enorme de tipos de cabelo. Quando cheguei no Brasil, foi um choque: fazer escova lisa em um cabelo cacheado era quase regra aqui, e eu não fazia isso. A progressiva e os alisamentos nos fios, que boa parte das minhas clientes tinha, também foi algo totalmente novo para mim. Muitas vezes, o próprio profissional, pela falta de entendimento dos cachos, incentivava o alisamento. Por isso, a maioria dos profissionais aqui possuem especializações – “o especialista em cabelo cacheado”, por exemplo. Para mim, a textura é a base do trabalho do cabeleireiro e ele precisa ser capaz de trabalhar com qualquer uma. Eu sempre trabalhei e me especializei em todas. Mas nesses últimos anos, tenho visto uma evolução enorme nesse sentido. Cada vez mais pessoas chegam com diferentes texturas e acabamentos, e eu acho bem mais gostoso trabalhar dessa forma. É nosso trabalho, como profissionais, mostrar para os clientes que existem diversas opções e que há beleza em todos os cabelos.
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