De frente com o espelho depois de um ano de isolamento

Convidamos as experts em beauté Daniele da Mata, Vale Saig, Carol Romero, Camila Anac e Julia Petit para refletir um pouco sobre maquiagem, trabalho e autoestima em tempos tão difíceis.


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Muita coisa acontece em um ano. No entanto, o último ano foi marcado pela pandemia do novo coronavírus e pela realidade do isolamento social. Os votos de esperança que, em geral, enchem as festas de réveillon (quando isso ainda era possível no Brasil) foram brutalmente frustrados na entrada da nova década. E é claro que a nossa relação com o espelho não passou incólume por essa experiência. Em conversa com a ELLE Brasil, as experts em beleza Daniele da Mata, Vale Saig, Julia Petit, Camila Anac e Carol Romero compartilham o que aprenderam sobre si nesse período e o que esperam para o futuro.

Daniele da Mata, 30 anos, empresária e maquiadora

Na verdade, acabei diminuindo um pouco a quantidade de produtos que usava no rosto. Parei de dar tanta importância a certas coisas. Falando de maquiagem, em dado momento, estava usando só corretivo. Me perguntava: “Por que usar base?” Fui criando provocações para mim mesma a respeito da função de tudo isso. Estou sem ver família e amigos desde março de 2020. Com isso refleti muito sobre essa questão do autocuidado em paralelo com a beleza. Escutar uma música virou mais autocuidado do que qualquer ritual de beleza, sabe? Estou descolando esse processo pessoal de produtos, cosméticos, etc.

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Daniele da MataFoto: Reprodução / Instagram

Se antes eu precisava de uma maquiagem com longa duração para encarar a vida metropolitana de São Paulo, hoje não estou nem aí. Não vou deixar de fazer meu trabalho porque estou sem maquiagem. Se precisar falar palavrão, vou falar. Realmente, taquei o foda-se nos padrões. Estou cansada do isolamento e sinto falta da minha rotina. O home office não funciona tão bem para mim e 2020 foi um ano para o qual estávamos muito esperançosos por aqui. Com a pandemia, vieram muitos cancelamentos e quando isso acontece a minha equipe também sofre. Ia fazer uma viagem para Nova York, para fazer pesquisa, guardei dinheiro para isso, por exemplo, mas tive que usar essa reserva para manter viva a minha empresa.

“Escutar uma música virou mais autocuidado do que qualquer ritual de beleza, sabe? Estou descolando esse processo pessoal de produtos, cosméticos, etc.”, Daniele da Mata

Além disso, com a pandemia, as maquiadoras precisaram se adaptar: máscara, avental, todos os produtos descartáveis e esterilizados, tudo isso tem um preço que as marcas e contratantes não queriam pagar. Como eles não estavam bancando essa infraestrutura, o jogo ficou meio desleal. Se o que elas ganhavam já era pouco, ficou menor. Eu colaborei com o que estava ao meu alcance. Doei cachê de publicidade e também fiz uma doação em massa de maquiagem e skincare, de produtos que eu não estava usando.

A terapia foi fundamental para mim. Ela me salvou. Tive algumas crises de ansiedade e sofri com a síndrome do pânico. Nesse sentido, a terapia me ajudou muito. Quando se trabalha com internet sendo uma mulher negra, as coisas não são fáceis. Tive que diminuir a quantidade de conteúdo que publico. Estou fazendo tudo o que posso para preservar meu bem-estar e o de toda a minha equipe.

Vale Saig, 38 anos, maquiadora e cabeleireira

Estou me cuidando muito mais agora. E não estou falando só de beleza, mas de saúde física e mental, também. No final do ano passado, fiz uma batelada de exames e percebi que estava com pré-diabetes, colesterol e, ainda por cima, muito estressada. De modo geral, sou muito “workaholic”, mas estou tentando mudar isso. Em 38 anos de vida, essa é a primeira vez que parei de trabalhar aos finais de semana. Como o trabalho é o que garante minha independência, algo que valorizo muito, me dediquei muito a ele nos últimos anos. Antes da pandemia, raramente conseguia me doar um tempinho. Não à toa, na pandemia foi que comecei a fazer terapia com uma psicanalista negra e isso foi muito importante.

Tenho tentado lidar com a síndrome de impostora que vivo há anos. Antes da pandemia, eu era uma mulher casada. Minha separação aconteceu em agosto. Foi muito doloroso, mas, ao mesmo tempo, me permitiu morar sozinha pela primeira vez na vida. Fiz um curso de finanças para mulheres negras, organizei a minha vida financeira e hoje não estou mais no desespero que ficava todo mês pouco antes de pagar o aluguel sem saber se teria ou não dinheiro para tal.

“Antes da pandemia, raramente conseguia me doar um tempinho. Não à toa, na pandemia foi que comecei a fazer terapia com uma psicanalista negra e isso foi muito importante”, Vale Saig

Sou voluntária da Casa 1, uma ONG que ajuda a população negra, trans e travesti em situação de vulnerabilidade de São Paulo. Mesmo que eu esteja passando por um bom momento profissional e de estabilidade financeira inédito na minha vida, sei que essa não é uma realidade universal. Então não dá para ficar 100% bem. Por isso, vejo no ritual de beleza uma estratégia para cuidar de mim. Acendo uma vela no banheiro (de alecrim ou lavanda), desligo a luz e tomo banho assim. Faço massagem no corpo com a água quente, massageio o rosto com séruns e óleos, medito…

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Vale SaigFoto: Reprodução / Instagram

Foi durante a pandemia que eu pude voltar a estudar e focar em mim. Já vinha estudando há muito tempo, mas, nesse período, pude dar mais atenção a isso. Estou conseguindo fazer meus próprios cosméticos naturais. Estou pesquisando mais sobre marcas veganas, componentes de produtos, comprei vários livros, itens de skincare natural e vegano e tenho até me arriscado como criadora de conteúdo. É algo que eu nunca tinha feito antes. Ainda tenho inseguranças com meu português [Vale Saig nasceu na Argentina, mas é radicada em São Paulo], mas estou aprendendo muito e quero me adaptar a essa nova realidade.

Carol Romero, 34 anos, maquiadora, escritora e palestrante

Pensei muito sobre o excesso de produtos, sobre o consumismo. Quando percebi que a pandemia não era algo tão passageiro, precisei revisar o meu material e entender o que estava passando do prazo. Com isso, desapeguei de muita coisa. Preciso ficar sempre me perguntando se as coisas que tenho, de fato, são necessárias. Sem essa pausa na vida, não teria conseguido dar essa atenção aos produtos que guardo comigo. Minha relação com essa suposta necessidade de comprar mudou bastante. Hoje, reflito muito sobre a utilidade das coisas antes de comprá-las. Isso vale na beleza, mas vale para tudo na vida.

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Carol RomeroFoto: Reprodução / Instagram

A gente nunca passou por uma pandemia. Então, não tinha como saber como seria. No primeiro momento, tratei como férias e pensei: “Vou ficar 15 dias na minha casa descansando” Foi em outubro, mais ou menos, que eu consegui voltar a trabalhar. Seguindo todos os protocolos, a gente foi se acostumando com essa situação. Você pensa que vai melhorar e entra novamente a fase vermelha. Me questionei: “O que vai ser de mim? Eu sou autônoma”. Sabemos que o auxílio emergencial não supre as necessidades, mesmo cortando os excessos. Então, a gente fica na incerteza: será que vou conseguir fazer essas demandas que eu tinha presencialmente virarem virtuais? Será que eu vou conseguir dar conta de todas as coisas que eu assumi ao longo desses anos financeiramente?

“Acho que o principal pensamento que devemos ter em mente neste período de um ano é a valorização das relações de afeto. Tenha mais empatia com o próximo. Entenda a dor do próximo”, Carol Romero

Eu não tinha tantas estratégias de autocuidado antes da pandemia. Minha rotina sempre foi o básico. Lavar, higienizar, tonificar e hidratar. É isso que consigo fazer na correria do dia a dia. Às vezes, uso ácido hialurônico, alguma máscara facial muito de vez em quando… Minha principal rotina tem sido a do cabelo. Como usava a lateral raspada, as tranças tem me ajudado no crescimento, cada semana troco e me sinto bem por isso. Nessa segunda fase, tenho tentado cuidar mais da minha alimentação. Não pela estética, mas pela saúde, para não ficar sedentária.

Acho que o principal pensamento que devemos ter em mente neste período de um ano é a valorização das relações de afeto. Tenha mais empatia com o próximo. Entenda a dor do próximo. Tenho amigos que perderam pessoas, eu não as conheço, mas me sensibilizo com a dor deles. Acho que a principal lição é essa, valorizar a vida. O Brasil está no mapa da fome. Se as pessoas não morrerem de Covid-19, vão morrer de fome, ou dengue, e mais um monte de outros problemas vão aparecer. Ajudar o próximo é urgente e fundamental.

Camila Anac, 24 anos, maquiadora

Na pandemia, comecei a fazer maquiagem em mim mesma. Tinha medo de ser considerada uma “blogueirinha” e não ser levada a sério como profissional. Mas, acabou que ter me exposto dessa maneira me fez muito bem. Fui convidada para trabalhar com revistas importantes com fotógrafos incríveis. Para conseguir quebrar a barreira que eu mesma tinha com esse tipo de abertura para o mundo, criei uma personagem chamada Shaniqua. Quando me monto, minha personalidade muda para a dela. E deu certo, me ajudou muito na minha carreira. Estou vivendo um mix de sentimentos, mas quero aproveitar tudo. Para você ter uma noção, antes da pandemia, eu não havia feito nenhuma campanha de beleza. Durante a pandemia, atendi algumas marcas gigantes como Vult e Avon.

“Para conseguir quebrar a barreira que eu mesma tinha com esse tipo de abertura para o mundo, criei uma personagem chamada Shaniqua”, Camila Anac

Aliás, cresci em vários aspectos. Principalmente em relação ao autocuidado e aos cuidados espirituais. Estou, a um tempo, desesperada e grata. Antes do isolamento, tive que voltar a morar com a minha mãe depois de praticamente ter sido expulsa da casa em que morava. Por isso, foquei em guardar dinheiro para morar sozinha. Então presto muita atenção em como as pessoas se relacionam com o que eu faço na internet. Estou mostrando o meu rosto, tentando criar alguma proximidade.

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Camila AnacFoto: Reprodução / Instagram

Em relação à beleza, não sou de me maquiar no dia a dia. Gosto mesmo de ficar sem maquiagem, de estar com a pele sempre limpa, muito bem hidratada porque ela é seca e sensível. Eu tenho dermatite atópica. O hidratante pesado é melhor para mim pois sinto ardência e coceira, então é algo que vai para além da estética. Gosto de tomar sol com meu gato, rezo e baixei um aplicativo que ensina a fazer espacate. Não quero sair desse isolamento antes de aprender a fazer um! A verdade é que a gente precisa aprender a se priorizar. É o que estou tentando comigo mesma: validar minhas ideias, ter mais autoconfiança. E essa força só pode vir de dentro de cada uma de nós.

Julia Petit, 48 anos, CCO da Sallve

A principal coisa que notei é que eu nem me olho no espelho com tanta frequência, me sinto mais livre. Durante o dia, fico pensando: “Nossa! Faz quantos dias que eu não me olho conscientemente no espelho?” Acabei criando um distanciamento que tem sido muito legal. Ao mesmo tempo, a gente tem essa coisa meio irreal. Estamos nos vendo por telas o tempo todo, eu te vejo grande mas me vejo pequena, isso me dá um conforto porque eu também não estou me vendo. Lógico que é difícil avaliar porque a beleza é o meu trabalho, então eu trato como duas coisas diferentes no meu cérebro. Eventualmente, preciso me arrumar para live ou vídeos, mas eu tô bem desconectada, esse período está sendo bem libertador.

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Julia PetitFoto: Reprodução / Instagram

Neste momento, estou animada, mas acredito que a gente está vivendo um período de anestesia. Não conseguimos sentir mais picos de sentimentos. Ou é uma alegria não muito alegre ou uma tristeza não muito triste. A Sallve, na pandemia, tem olhado com muito cuidado e muita dedicação para esse período, além de cautela e sensibilidade. Nós olhamos para como as pessoas estão se sentindo, conversamos com a equipe, com a comunidade, e sentimos que é um desânimo que não é profundo, ele é pior, sabe? Ele não é latente, é uma sensação de que estamos ficando assim para sempre. É como se estivéssemos carregando tanto peso que só agora nos acostumamos com ele e isso é horrível.

“A perspectiva é ruim aqui no Brasil. Como é que a gente volta de novo para o centro? Como é que a gente se mantém calmo e tranquilo para enfrentar essa próxima época?”, Julia Petit

Sou uma pessoa muito preguiçosa do skincare. Não sou exemplo para ninguém. Eu amo, experimento tudo, quero saber de tudo, afinal, é o meu trabalho. Mas, se eu puder fazer o mínimo possível, fico feliz. Nesse período, tive mais tempo de ter a certeza de que eu sou essa pessoa simples. Já sou mais velha, então sei o que eu quero e o que eu não quero da vida, não preciso interpretar um papel. Gosto de limpar o rosto, usar um produto, protetor solar maravilhoso. Arrasou, vambora! Amo quem tem dedicação e paciência para fazer todos os passos e ele funciona!

Fiz uma sala de ginástica que eu gosto e essa foi uma coisa muito importante que fiz quando me mudei para São Paulo. Faço exercício 5 vezes por semana. Faz 15 anos que eu redescobri essa coisa física para mim. Exercício é mente e não corpo. Estou em casa ,mas eu faço exercício de fone, porque preciso ficar no meu mundo. Não quero o mundo lá fora, quero o meu mundo” São coisas que eu sempre fiz, sabe? Sempre cuidei do jardim e fiz atividade física, mas, na pandemia, organizei tudo isso de uma maneira muito melhor. A perspectiva é ruim aqui no Brasil. Como é que a gente volta de novo para o centro? Como é que a gente se mantém calmo e tranquilo para enfrentar essa próxima época? A gente não tem a menor perspectiva de nada, muito pelo contrário.

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