De Paris: falamos com Thierry Wasser, o diretor-criativo da perfumaria da Guerlain
Apaixonado por música clássica, ele acredita no poder transformador da beleza e na capacidade de capturar emoções que uma fragrância pode ter.
Estamos no número 68 da Avenue de Champs-Élysées, endereço da flagship da Guerlain. Em Paris, é dia de Journées Particulières – quando o conglomerado de luxo que detém a marca (ao lado de outras maisons como Louis Vuitton, Dior, Loewe e Bulgari) abre as portas e revela ao público os segredos por trás do savoir-faire de suas maisons. Para quem não está familiarizado, o termo em francês se refere ao “saber fazer” francês. Uma tradição que se estende desde as mil folhas impecavelmente amanteigadas de seus croissants até seus chiquérrimos perfumes que podem custar algumas centenas de euros. Por lá, me encontro com Thierry Wasser, o diretor-criativo da perfumaria da Guerlain.
Vestindo um terno slim com os cabelos penteados impecavelmente para trás, ele conversa comigo sobre os seus 15 anos como nariz da marca e de suas invenções consagradas no mercado antes disso. Ele é o autor de clássicos como o Hypnôse, da também francesa Lancôme, e do Dior Addict. Apelidado de “Le Corbusier da perfumaria”, Thierry é tão enigmático quanto os perfumes que cria. Em frente a um carrossel de frascos da alta perfumaria da Guerlain, ele fala comigo mexendo os braços, sem esconder a paixão pelo assunto sobre o qual se debruça. Fomos de seu hábito meditativo auxiliado pela música clássica até o fato dele só usar o mesmo perfume, todos os dias de sua vida. Abaixo, confira o papo na íntegra.
Como começou a sua carreira na perfumaria?
Na verdade, foi meio por acaso! Cresci na Suíça, ao lado dos Alpes. Passava o tempo nesse cenário cercado pela natureza e preferia muito mais ficar por ali do que ir à escola, por exemplo. Não à toa, aos 15 anos, fui expulso dela. Não gostava de estudar e era apaixonado pelas ervas medicinais, então eu passava meu tempo fazendo experiências com elas em frascos. Foi assim que, sem ter me formado na escola, comecei um curso de botânica. Aos 19, com muita coragem, fui atrás de arranjar um emprego na Givaudan ou na Firmenich – as gigantes da perfumaria francesa. Passei na Givaudan e lá conheci Jean Hadorn que ficou muito impressionado com minha capacidade de captar a essência dos cheiros e de dar nome a eles. Foram 12 anos que passei trabalhando lá e foi uma grande escola para mim. Esse repertório é a maior força que tenho.
Mas você também trabalhou na Firmenich, sim?
Sim! Em 1993, Patrick Firmenich me chamou para trabalhar no centro de criação de perfumes que sua empresa estava montando em Nova York. Fiquei 9 anos lá e outros 6 em Paris com eles. Foi aí que conheci Jean-Paul Guerlain.
A Guerlain é uma das principais referências no mundo em perfumaria. Quais são os principais desafios de liderar uma marca tão importante?
É muito diferente de quando trabalhava na Givaudan ou na Firmenich. Lá, a meta é vencer uma competição. São marcas maiores, que almejam um público global, mainstream: Armani, Saint Laurent, entre outras. Eles te dão um briefing e você precisa entregar um projeto que vai vencer a concorrência. Na Guerlain, isso não existe. Eu posso me expressar, ser livre. Tem todo um cuidado na busca das matérias-primas. Para mim, representa um círculo que se fecha: o menino que foi expulso da escola, que morava na Suíça, finalmente encontrou o seu lugar.
Ouvi dizer que você usa o mesmo perfume desde os 13 anos. É verdade?
Sim! Conheci o Habit Rouge, do próprio Jean-Paul Guerlain nessa idade. Naquela época, em que eu fui expulso da escola, eu sofria bullying. Eu era pequeno e gordo e não tinha agilidade para brincar. Além disso, os meninos da minha sala já estavam de bigode e eu era chamado de “baby face”, porque os pelos ainda não tinham chegado para mim. No entanto, uma vez conheci um amigo da minha mãe que usava esse perfume dele. Roubei a ideia dele e comecei a usar o Habit Rouge. É um símbolo de masculinidade que foi como um talismã para mim. Sinto que me tornei homem quando passei a me perfumar com ele.
Foi aí que você se apaixonou por beleza?
Pois é, as pessoas dizem que a beleza é vã, que não serve para nada. Para mim, ela mudou minha vida. Nesses anos em frente à Guerlain, fizemos o programa Belle et Bien, que leva beleza para mulheres que lutam contra o câncer. É impressionante como um pouco de maquiagem pode melhorar a autoestima e trazer alegria para elas. Então, não venha me dizer que beleza não serve para nada porque não é verdade. Faz 15 anos que eu vejo na prática a beleza transformando a vida das pessoas.
Outra das suas paixões é a música clássica. Como ela contribui para o seu processo criativo?
É como uma espécie de meditação. Todos os dias, escolho uma música e escuto atenciosamente. Sei quem toca cada instrumento e reparo em cada nota. Se perco alguma coisa, sei que é porque me desconcentrei. A música clássica é meu refúgio. São sons, emoções e aqui eu faço um paralelo: as notas de um perfume são como as de uma música. Cada uma tem a sua vibração, a sua importância, e é o contraste entre elas que vão representar aquilo que queremos expressar com o produto final.
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