Higiene íntima: por trás da obsessão com a limpeza da vagina

O mercado de cosméticos que existe em torno do cheiro e da aparência da vulva movimenta mais de 22 bilhões de dólares. Será que a genitália demanda tantos produtos assim? ELLE investiga o passado desse hábito e checa com médicos o que, de fato, é necessário.


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Quando Anitta lançou, em julho deste ano, um perfume para ser usado na vulva, a notícia causou frisson nas redes sociais. Houve tanto quem achasse a ideia divertida quanto quem criticasse a cantora por corroborar com uma obsessão higienista movida pela misoginia – a ideia de que a vagina é algo nojento, escabroso, que precisa ser escondido, enclausurado ou dominado.

O assunto, realmente, está em ebulição: no TikTok, por exemplo, a hashtag #femininehygiene (higiene feminina) soma mais de 1,6 bilhão de visualizações. De acordo com o Brandessence Market, o mercado de produtos dedicados à aparência e ao cheiro da vagina, por sua vez, movimenta em torno de 22 bilhões de dólares ao ano e, em 2028, a previsão é de que esse número escale até 33 bilhões. São desodorantes, perfumes, sabonetes especiais, cápsulas para serem introduzidas no canal vaginal – tudo sob uma mesma promessa: a de tirar da vagina o cheiro dela mesma.

Mas quando começou essa mania?

É difícil encontrar o marco zero dessa obsessão, mas a suspeita é de que ela tenha se agravado no começo do século 20, durante a gripe espanhola. Em 1918, a empresa nova-iorquina Lehn & Fink lançou o Lysol – produto desinfetante que prometia eliminar de qualquer superfície o vírus responsável pela pandemia vigente. Na década seguinte, contudo, o item ganhou um novo propósito: o de “desinfetar” a vagina. 

Na época, era comum encontrar artigos na imprensa que incentivavam o uso do Lysol nas partes íntimas femininas. O anúncio era de uma fórmula “revolucionária” capaz de livrar de vez as mulheres dos seus “odores vaginais”. E mais, em geral, eles se direcionavam aos homens – maridos “cansados de suportar” o cheiro de suas esposas. O que a publicidade não contava, entretanto, era que o Lysol – quando usado na ducha higiênica – pode ter ação abortiva. Além disso, ele também pode causar inflamações severas e queimaduras genitais.

O que é necessário para a higiene vaginal?

Banho simples e muito amor, nada muito além disso: “Lave apenas a vulva – parte externa do genital. A gente brinca que a parte de dentro, a vagina propriamente dita, é autolimpante. Por isso, não se deve fazer duchas internas ou limpar com o dedo – ainda menos com sabonete”, explica a ginecologista Viviane Monteiro.

A higiene pode ser feita apenas com água, mas isso não significa que você não possa utilizar sabonete. “A gente geralmente indica o uso de versões líquidas, já que as em barra acabam sendo reaproveitadas por mais de uma pessoa e facilitam a formação de pocinha d’água na saboneteira, o que não é muito legal”, orienta a médica. Ela também indica procurar pelo pH neutro e, se o produto não for específico para a região íntima, optar pelas fórmulas mais fluidas e menos encorpadas ou peroladas.

“O mau cheiro que pode surgir na região da vulva acontece pelo acúmulo de urina – o que é facilmente resolvido com um banho simples. Qualquer outro odor pode indicar alguma questão de saúde que deve ser tratada com o auxílio de um ginecologista”, alerta Viviane.

Sobre perfumes e desodorantes íntimos

Como já explicamos, eles não são necessários. Mas, se ainda assim você quiser usá-los, a indicação da médica é não borrifar diretamente na vagina e muito menos na vulva: aplique apenas na virilha ou no fundo da calcinha. Também é importante não tornar isso um hábito e nem fazer a reaplicação toda vez que for ao banheiro.

No fim das contas, precisamos nos acostumar que a vagina tem cheiro de vagina. “Precisei passar por um longo processo de entendimento sobre esse assunto porque fui muito atormentada por essa expressão do machismo de modo que até minha vida sexual foi afetada”, relembra Joice Berth, colunista da ELLE Brasil e autora do livro Empoderamento (2019). “A única coisa que justifica esse mito do mau cheiro vaginal é a misoginia que tem suas práticas e técnicas de violência psicológica e usa isso para criar em nós inseguranças e enfraquecer nossa autoestima”, arremata.

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