Mitos e verdades: Fragrância brasileira ou importada?

O que há por trás do senso comum envolvendo a ideia de que o que vem de fora é sempre melhor na perfumaria.


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CONTEÚDO APRESENTADO POR O BOTICÁRIO

Há uma fantasia, provavelmente criada em algum momento durante o período da colonização portuguesa no Brasil, de que tudo o que vem do além mar é melhor. Naquela época, o fetiche era com Portugal, depois com a França. Hoje, tudo depende do produto. Na perfumaria, criou-se o mito da fragrância importada. Na cabeça das pessoas, neste pedestal viveriam as fórmulas mais complexas e de melhor qualidade produzidas nos Estados Unidos e na própria França, referência icônica no assunto. Parece fazer parte desse imaginário quase que qualquer lugar que não tenha o selo do made in Brazil no frasco. Complexo de vira-lata, diria Nelson Rodrigues. Mas será que esse tipo de pensamento se justifica?

 

 

 

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Vale salientar que, ironicamente, uma fragrância brasileira de alta qualidade será composta, em sua maioria, por ingredientes internacionais. A afirmação é de Cesar Veiga, especialista em perfumaria do Núcleo de Inteligência Olfativa do Grupo Boticário. E ele explica o motivo. “O Brasil só produz dois tipos de óleos essenciais utilizados na perfumaria: o de laranja, e a fava tonka (uma espécie de baunilha). O resto é tudo importado: a lavanda vem da França, a rosa, do Marrocos, do sul da França, da Bulgária ou da Índia. Uma fórmula de perfume tem entre 50 e 130 ingredientes, e a maioria deles é internacional”, diz. Com décadas de experiência na área, Veiga reforça que as notas usadas na perfumaria brasileira são importadas há muito tempo, desde os anos 80. “O que aconteceu foi que o consumidor brasileiro, a partir dos anos 90, ficou mais exigente, e a indústria brasileira foi se adequando e buscando trazer olfativos mais elaborados do que as populares fragrâncias de lavanda e aromas cítricos que reinavam até então no nosso mercado. Hoje, em termos de matéria prima e confecção, posso dizer que não só o Boticário, mas todas as outras marcas brasileiras de alto padrão oferecem fragrâncias tão boas ou melhores do que as importadas assinadas por grandes nomes da perfumaria Internacional”, garante. Ele destaca ainda que, nos projetos do Boticário, os perfumistas contratados estão nos principais centros criativos da perfumaria, como França e Nova York, trabalhando para casas de perfumaria que produzem fragrâncias para o mundo inteiro. “O trabalho é feito em conjunto com grandes perfumistas nacionais, que trazem o toque de brasilidade às nossas criações”. De onde vem então essa ideia de que o nacional é pior que o importado?

Para Veiga, há uma questão cultural. “No Brasil, por conta do clima, tendemos a preferir perfumes com mais contraste e frescor, com notas florais leves e modernas e, claro, com a sofisticação das madeiras, tão apreciada no nosso mercado”. Sim, há o fator sensualidade envolvido, mas nos perfumes brasileiros, ele tende a ser dosado para não intoxicar o vizinho. A fixação de um perfume, por incrível que pareça, depende não só da qualidade, mas também do tipo de nota escolhida: os cítricos e notas frescas tendem a ser mais voláteis e durar menos na pele. O que aconteceu, segundo o especialista, foi que ao longo das décadas, a indústria brasileira aprendeu a criar esse equilíbrio dos cítricos e dos elementos frescos adicionando a eles uma base que dure mais, como as madeiras ou a baunilha (ou a própria fava tonka). “Em termos de criação, como contratamos perfumistas de casas de perfume internacionais, eles têm uma visão global sobre o que estão produzindo. A diferença é que o Brasil tem um perfil olfativo próprio. Então, os nacionais são mais adequados ao brasileiro. E o Brasil gosta de fragrâncias com mais complexidade, diferente dos Estados Unidos, por exemplo, onde faz muito sucesso o cheiro frutal único, mais literal, como o de maçã ou pêra”, argumenta. Surpreendente? Leia mais. Além de complexo, o perfume, sim, precisa deixar rastro, mas é um mito (e um estereótipo) achar que a brasileira gosta daquele perfume doce, que impregna. “Tem que haver um certo dulçor, mas sempre com um contraste com algo fresco. A mulher brasileira gosta de deixar rastro, mas menos por exibicionismo e mais porque somos de uma cultura criada para compartilhar as experiências, então queremos também dividir com o outro o nosso perfume”, diz.

No Brasil, então, a preferência seria por perfumes frutais frescos com várias camadas de complexidade na fórmula, com destaque para as frutas vermelhas. Nos Estados Unidos, o monotema é o que impera, com foco nas frutas, numa interpretação mais literal delas. Já na Europa, há também um desejo por complexidade, como no Brasil, mas com foco nas notas mais adocicadas como a baunilha, e nos florais mais clássicos, como o jasmim. Algo que faz sentido, pensando no clima que temos por aqui, e no que eles têm por lá. E para quem argumenta que prefere os perfumes internacionais por serem mais globalizados, Veiga rebate que, embora algumas marcas de fora busquem agradar a todos os mercados por venderem em muitos países do mundo, isso não é regra: em vários países, as fragrâncias tendem a refletir a personalidade do seu mercado principal. “No Brasil, onde apenas 2,3%* das vendas de perfume são de rótulos importados, fazemos, essencialmente, fragrâncias voltadas a atender o gosto do brasileiro. Elas também fazem muito sucesso nos mercados em que o Grupo Boticário atua, como Portugal e Dubai, por exemplo. Digamos que estamos mostrando para o mundo que também sabemos fazer fragrâncias maravilhosas e de alta qualidade.” Emprestando um termo da geração Z, ter mentalidade colonizada até na perfumaria é bem cringe.

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