Alerta de risco: o futuro incerto das máscaras faciais

Apontadas como grandes vilãs do meio ambiente, as sheet masks podem estar com os dias contados. Na contramão do longo ritual de beleza popularizado pela k-beauty, a ideia, agora, é reduzir.


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Limpar, esfoliar, tratar, limpar mais um pouco, hidratar um tantinho mais… A longa e detalhada rotina de beleza k-beauty virou tendência mundial nos últimos anos. Apesar dos resultados fantásticos, o processo chega com muitos passos (e, consequentemente, muitos produtos). Isso posto, não dá para ignorar a pegada ambiental desse passo a passo.

Um terço do lixo doméstico é composto por embalagens, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente. Aproximadamente 80% dessas embalagens são descartadas após um único uso – contaminando e superlotando os aterros. Ou, ainda, os oceanos. “Cerca de 12,2 milhões de toneladas de resíduos plásticos chegam aos oceanos todos os anos, de acordo com índices da organização ambiental independente da The Green Alliance, sediada no Reino Unido, sendo até 30% desses resíduos ligados a indústria da beleza”, diz a engenheira química Cristiane Pagliuchi, diretora científica da Vegana Cosméticos.

Os produtos de beauté ainda carregam um outro fardo que são os resíduos químicos, utilizados na formulação dos cosméticos, e do próprio processo de produção (alto consumo de água, emissão de gases poluentes e utilização de ingredientes incompatíveis com o meio ambiente).

Perseguição ou realidade?

O problema é da indústria como um todo, mas as máscaras faciais são alvo das críticas atuais e dos olhares preocupados com a sustentabilidade. “As sheet masks são máscaras descartáveis de algodão ultrafino, umedecidas com diversos tipos de substâncias cujas propriedades auxiliam nos tratamentos dermatológicos”, afirma a dermatologista Valéria Campos, de São Paulo. Pontos para o skincare, sinal de alerta para o meio ambiente.

De uso único, elas unem, em um mesmo produto, materiais de difícil decomposição ou alto impacto ambiental como plástico (na embalagem), poliéster, viscose e fibra de algodão (no material que compõe o tecido da máscara) e compostos químicos como conservantes e derivados de petróleo (nos ativos presentes na fórmula). “Sabe-se que existem mais de 10.000 substâncias químicas em processos para formulação de cosméticos que demoram muito tempo para se decompor, são os chamados POP´S (Poluentes Orgânicos Persistentes)”, diz Cristiane.

“Existem as máscaras de argila, as versões em creme, de LED, e até de pedras preciosas que podem substituir tranquilamente as de papel ou tecido” Nanashara Valgas

A questão ambiental é tão real que levou a marca americana Credo Beauty à decisão de interromper a venda e a produção de máscaras faciais e de outros produtos de uso único, como esponjas e lenços removedores de maquiagem. “Não faz sentido consumirmos um produto que, embora possa fazer um bem temporário para a pele, acaba fazendo mal para as pessoas que estão envolvidas na produção, polui a terra e a água, e ainda volta para a gente como um dano, seja pela alimentação, seja via poluição do ar”, reflete a consultora de sustentabilidade Mariana Maluf, idealizadora da Urbanidade, empresa de soluções ambientais. Paradoxalmente, a poluição é uma das grandes vilãs da pele ao acelerar o processo de envelhecimento precoce. “Pensar em sustentabilidade não é cuidar ‘somente’ dos animais, das plantas ou do oceano. É cuidar também da gente mesmo. Somos nós que precisamos do planeta e não o contrário”, completa.

Ecológicas pero no mucho

Infelizmente, a solução não está nas embalagens recicláveis ou nas fórmulas ditas como biodegradáveis. Isso porque elas até podem ser mais adequadas que as opções que não trazem esse apelo, mas o descarte do produto continua sendo um problema. “Ele se torna ainda maior porque há a mistura do plástico com o tecido e os resíduos químicos que permanecem aderidos ao produto na hora do descarte”, diz Marcus Nakagawa, coordenador do Centro ESPM de Desenvolvimento Socioambiental (CEDS).

Aqui no Brasil, temos um agravante que é o baixo índice de reciclagem. De acordo com o Fundo Mundial para a Natureza (ou WWF), somos o 4º maior produtor de lixo plástico do mundo, ficando atrás somente dos Estados Unidos, China e Índia. “As pessoas não entendem que o impacto no meio ambiente é causado, única e exclusivamente, pelo ser humano e que deveríamos ter mais consciência na forma em que consumimos”, diz Márcio Mattana, idealizador do projeto Beleza Verde, que capacita profissionais de beleza para a destinação correta de embalagens e restos de insumos. O Brasil é, ainda, um dos países que menos recicla este tipo de lixo: apenas 1,2% tem destinação correta. Ou seja: o caminho não é apenas buscar alternativas sustentáveis, mas consumir menos e eliminar os excessos.

De qualquer maneira, as versões de máscaras eco-friendly ainda são minoria por aqui. Em alguns países da Europa e nos Estados Unidos, porém, há um crescente movimento de sheet masks mais “amigas” do ambiente. Entre as iniciativas, está a substituição do tecido por fórmulas em creme ou loções, o uso de ativos plant based, refil e o avanço da tecnologia para cosméticos sólidos. A marca Honest Beauty, da atriz americana Jessica Alba, lançou recentemente uma máscara de silicone reutilizável – basta aplicar o produto de skincare no rosto, cobrir com a máscara por um tempo, lavar e guardar após o uso. Assim, ela traz o sensorial e os benefícios da máscara que adere ao rosto, mas com um material que não precisa ser descartável ou de uso único.

Manual de boas práticas

Justiça seja feita, não é à toa que as máscaras faciais conquistaram o posto de queridinhas do skincare. Elas não só acompanham um relaxante ritual de bem-estar e autocuidado, como, de fato, têm sua eficácia comprovada. “O grande benefício é a capacidade de entregar para a pele uma forma muito ativa e potente, como moléculas bem pequenas, de alta permeabilidade e sem a necessidade de incluir muitos conservantes”, explica a cosmetóloga Sônia Corazza, de São Paulo. Do ponto de vista dermatológico, elas ganharam pontos por popularizar a rotina de skincare e conscientizar sobre a importância dos cuidados com a pele. “A maior vantagem das sheet masks é que elas fazem uma oclusão dos ativos, levando a uma maior retenção dos benefícios. Outro ponto alto é a praticidade na aplicação”, afirma a dermatologista Nanashara Valgas, do Rio de Janeiro.

“Não faz sentido consumirmos um produto que, embora possa fazer um bem temporário para a pele, acaba fazendo mal para as pessoas que estão envolvidas na produção e ainda polui a terra e a água”, Mariana Maluf

Mas elas não são as únicas possibilidades para quem busca um ritual de autocuidado e um boost de hidratação, regeneração da pele, iluminação ou efeito detox. “Existem as máscaras de argila, as versões em creme, de LED, e até de pedras preciosas que podem substituir tranquilamente as de papel ou tecido”, afirma Nanashara.

Em casa, existem outras maneiras de garantir a maior permeabilidade dos ativos de skincare na pele. “Um bom momento para aplicar as máscaras em creme ou de argila, por exemplo, é imediatamente após o banho, quando a penetração fica facilitada”, explica Valéria Campos. Outra dica é apostar na esfoliação natural antes de aplicar o produto de tratamento. “Depois de limpar a pele com sabonete específico, esfolie o rosto suavemente com uma mistura de mel e fubá. Isso também aumenta a capacidade de ação dos ativos que vêm em seguida”, conta Nanashara.

Para diminuir os danos ambientais sem abrir mão do cuidado facial, vale escolher embalagens maiores de máscaras em gel ou creme (livres de tecido), preferir marcas que levem ingredientes clean na formulação, valorizar embalagens recicláveis e que possuam selos de certificação como o IBD e o ECOCERT que garantem a segurança das formulações, matérias primas utilizadas e que a empresa esteja dentro dos padrões ambientais e trabalhistas.

“É papel das empresas, consumidores e órgãos públicos se mobilizarem para que todos os produtos no seu final de vida possam chegar ao destino correto e não em qualquer lugar. Chamamos isso de economia circular: pensar em todo o processo, desde o desenvolvimento do produto, na fabricação, na distribuição, na venda, no uso e no retorno para o local correto”, conclui Marcus Nakagawa.

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