Por que as marcas estão abrindo mão de ingredientes sintéticos?

Uma nova onda verde invade o mercado de cosméticos. Entenda como deixar o seu nécessaire menos tóxica.


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Em abril deste ano, o blush Terracotta, um clássico da Guerlain, voltou às prateleiras com uma nova fórmula com 96% de ingredientes naturais. Os outros 4% são, de acordo com o anúncio da marca, elementos “cuidadosamente selecionados para garantir uma fórmula preservada e com sensação sensorial impecável”. Entre os compostos, há óleo natural de argan marroquino, adquirido pela rede de cooperativas Targanine.

A Guerlain foi a marca mais recente a aderir à tendência da cosmética natural. Antes delas, gigantes como Garnier, Neutrogena e Herbal Essences mudaram suas formulações para ter menos ingredientes artificiais. A Unilever, inclusive, chegou a criar, do zero, uma marca focada neste tipo de fórmula, a Love, Beauty and Planet.

Esta preocupação com o que está dentro da maquiagem que usamos no dia a dia está em alta há alguns anos. Marcas menores, mais nichadas, como a Almanati e Lush já disseminavam a ideia da cosmética natural. Enquanto isso, no Reino Unido, 50% dos consumidores buscaram, em 2018, produtos considerados naturais. A consultoria Nielsen deu conta que o mercado de cosméticos orgânicos deve crescer 8,5% nos próximos cinco anos, enquanto 75% dos millennials já procuram por produtos sustentáveis. Segundo a Reds, empresa especializada em pesquisas para estratégia, 34% das brasileiras consomem cosméticos naturais como maquiagem e produtos para o rosto e corpo.

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O blush Terracotta, um clássico da Guerlain, voltou às prateleiras com uma nova fórmula com 96% de ingredientes naturais.Foto: Divulgação

“A demanda do consumidor por produtos de beleza natural está crescendo alimentada pelo desejo de reduzir seu impacto no planeta”, fala Bruna Ortega, especialista em beleza da WGSN, empresa de pesquisa de tendência de consumo. A procura, antes vista como passageira, ganhou um novo fôlego por conta da pandemia da Covid-19 e deve ir mais longe. “A origem animal do coronavírus terá um efeito duradouro nos consumidores, que continuarão a priorizar fórmulas naturais, claras e a buscar informações sobre a origem dos ingredientes e seu impacto social e ambiental”, complementa a especialista.

A partir daí, surgiu o interesse em ver os rótulos dos produtos que usamos, sejam eles de maquiagem ou de cuidados com a pele. A pesquisa A percepção dos consumidores brasileiros sobre cosméticos sustentáveis, feita pelo portal Use Orgânico, mostrou que 82,5% dos entrevistados consideram a qualidade dos produtos de beleza e higiene tão importante quanto a dos alimentos que compõem a sua dieta.

Porém, diante de tantas letras pequenas com nomes de ingredientes, é comum ficarmos perdidos entre tantas certificações. Por isso, é importante entendê-las para ver qual tipo de cosmético é o que mais combina com o seu estilo de vida e princípios.

Glossário verde

Por mais que os cosméticos naturais, veganos e orgânicos possam atrair consumidores que estejam preocupados com o meio ambiente, estes termos não são sinônimos. Um produto sem ingredientes sintéticos nem sempre está livre de elementos de origem animal. E pode ser que todos os compostos estejam longe de serem provenientes de uma cadeia de produção certificada como orgânica.

“As certificações sobre produtos naturais, veganos e orgânicos são internacionais. Com isso, não há uma fiscalização específica para o segmento no país”, fala Joielle Mendonça, farmacêutica industrial, cosmetóloga e gestora de P&D dermocosmético. “Não há leis e fiscalizações específicas no Brasil sobre o tema, por isso muitas empresas usam os selos com apelo de marketing, aproveitando a tendência do momento, sem que, necessariamente, seus produtos estejam dentro dessas classificações.”

“Se um cosmético possui 100% de ingredientes sintéticos, ele é vegano, pois não há elementos de origem animal em sua formulação, mas não é natural”, Joielle Mendonça, farmacêutica industrial, cosmetóloga e gestora de P&D dermocosmético.

Por definição, cosméticos naturais são aqueles que não têm a utilização de aditivos químicos ou outras substâncias tóxicas em sua composição. “Para ser considerado esse tipo de produto, ele precisa usar 95% de matérias-primas consideradas naturais. Há uma lista de substâncias permitidas para essa denominação”, diz a farmacêutica. O conceito abrange a água, minerais e ingredientes de origem mineral, como agroingredientes fisicamente e quimicamente processados. “Os outros 5% podem conter substâncias sintéticas, desde que elas sejam liberadas.” Para ganhar essa certificação, a composição deve conter, ainda, 20% de elementos orgânicos e o produto final e os ingredientes não podem passar por testes em animais. Também não são permitidos nanomateriais, como fragrâncias e corantes sintéticos. “Além dos ingredientes, as embalagens também estão entre os requisitos para a certificação e as empresas somente poderão usar as que podem ser recicladas”, complementa Joielle.

O cosmético orgânico é, por sua vez, produzido com matéria-prima proveniente de uma agricultura sem pesticidas ou organismos geneticamente modificados. “Estes produtos não podem conter substâncias químicas sintéticas — que sejam desenvolvidas em laboratórios”, afirma a especialista. As certificadoras têm um processo rígido de fiscalização e rastreabilidade dos insumos utilizados na fabricação desses cosméticos. “Para certificar um óleo essencial de alecrim, por exemplo, toda sua cadeia produtiva é inspecionada”.

É comum que haja uma confusão entre produtos naturais e veganos. Mas, na realidade, é possível que, tanto nos cosméticos naturais como nos orgânicos, haja elementos de origem animal, como leite e mel. Assim, eles não são necessariamente veganos. “Para que um produto entre nessa categoria, ele não pode ter nenhum ingrediente de origem animal, mas pode conter parabenos, sulfatos, entre outros”, diz Joielle. “Então, se um cosmético possui 100% de ingredientes sintéticos, ele é vegano, pois não há elementos de origem animal em sua formulação, mas não é natural.”

Crise de consciência

Ingredientes naturais normalmente são vistos como a escolha mais sustentável, com menos chance de poluir a atmosfera ou os oceanos, mas os ambientalistas têm demonstrado preocupação crescente com a forma como os ingredientes são obtidos e colhidos. “Óleo de palma e sândalo estão sob intenso escrutínio da mídia, sendo associados ao desmatamento, diminuição da vida selvagem e mudanças climáticas”, diz Bruna Ortega, da WGSN. Há também as questões éticas em casos como o da mica, mineral muito usado na maquiagem para dar brilho aos produtos no lugar de elementos com origem animal. O ingrediente passou por uma polêmica, visto que a indústria do mineral está envolvida em questões relacionadas ao trabalho infantil e abuso dos direitos humanos.

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A nova base da vegana KVD chama-se Good Apple, leva extrato de maçã e é um hit no TikTok.Foto: Divulgação

“Em muitas circunstâncias, uma variação sintética de um ingrediente é melhor para a pele e para o planeta, por ter sido criada sem tirar nada da terra, formulada para ser o mais segura possível no laboratório, ao mesmo tempo que oferece os mesmos benefícios naturais”, fala Bruna Ortega.

É uma crise de consciência em que as marcas precisam descobrir qual o melhor caminho para seguir: usar ingredientes naturais, mas que podem ter origem animal? E se vem da natureza, mas tem um grande impacto ambiental? A resposta está no desenvolvimento de novas biotecnologias.

“Hoje em dia, as empresas estão buscando formas de substituir itens de origem animal para chegar aos clientes que seguem o veganismo. São estudadas novas formas de produção, o processamento e uso de insumos, o controle de pragas no campo e até o desenvolvimento de novos ingredientes com alta eficácia. Desta forma, sendo o meio ambiente tratado de forma mais respeitosa, há benefícios adicionais à própria saúde, que vão além do próprio uso do produto”, arremata Joielle Mendonça.

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