“Babilônia” é ficção, mas baseada em fatos reais de Hollywood
Brad Pitt e Margot Robbie interpretam atores dos anos 20, no longa que desconstrói clichês da década.
Damien Chazelle fez uma agridoce homenagem a Los Angeles, a terra do cinema estadunidense, em La la land – Cantando estações (2016), ganhador de seis Oscars, incluindo melhor diretor – ele foi o mais jovem a receber a estatueta na categoria. Mas havia uma história que o estadunidense queria contar: a da passagem do cinema mudo para o sonoro, em 1927, com o lançamento de O cantor de jazz, dirigido por Alan Crosland. Assim nasceu Babilônia, que estreia nesta quinta-feira (19.01) nos cinemas brasileiros, mesmo dia em que o cineasta completa 38 anos.
O filme volta cem anos e vai a Los Angeles da década de 1920, que já concentrava a produção de cinema. Mas ainda era uma cidade poeirenta, com plantações de laranja. É assim que conhecemos Manny Torres (o mexicano Diego Calva, de Narcos: México), que sonha em visitar um set de filmagem, mas por enquanto atende aos caprichos de certos personagens de Hollywood, levando um elefante morro acima para ser a atração de uma festa.
E que festa! Lá estão o respeitado galã Jack Conrad (Brad Pitt), a colunista Elinor St. John (Jean Smart) e a aspirante a estrela Nellie LaRoy (Margot Robbie). Ela sai dali com um trabalho, Manny acaba tornando-se uma espécie de assistente de Jack, e os dois vão ter uma série de encontros durante sua ascensão em Hollywood. A seguir, cinco fatos para prestar atenção no longa:
Talvez você já conheça essa história
Você pode até não ter assistido a Cantando na chuva (1952), dirigido por Gene Kelly e Stanley Donen, mas certamente já viu uma das cenas mais famosas do cinema, em que Kelly, apaixonado, canta e dança embaixo de uma tempestade. O filme dos anos 50 conta, justamente, a história da passagem do cinema mudo para o sonoro, a que muitas estrelas não sobreviveram. Mas o tom é cômico e romântico – trata-se de um musical. Ou talvez você tenha visto O artista (2011), ganhador do Oscar de melhor filme, que é basicamente uma versão em preto e branco e francesa de Cantando na chuva.
Babilônia é um pouco diferente. Chazelle usa bastante humor – em alguns momentos, escatológico –, mas há um lado sombrio e uma melancolia na ideia de que, nas transformações de Hollywood, certas coisas se perdem. No caso, todo um jeito de fazer cinema. A chegada do som mudou o estilo de atuar, o tipo de roteiro, as histórias contadas e até a maneira mais livre de trabalhar na indústria, o que fez com que muitas estrelas não sobrevivessem na tela. O som chegou em um momento em que os filmes mudos estavam no auge da forma – Metrópolis (1927), de Fritz Lang, considerado um dos maiores clássicos do cinema, foi lançado no mesmo ano de O cantor de jazz.
Margot Robbie como Nellie LaRoy, sendo carregada ao centro Divulgação/Paramount Pictures
E pouco depois, em 1930, a Motion Picture Producers e Distributors of America, a associação dos estúdios cinematográficos, adotaria o chamado Código Hays, por medo da suposta depravação do cinema, tanto nas telas quanto fora – uma série de escândalos abalou Hollywood nessa época. O Código vigorou até 1968 e proibia palavrões, sugestão de nudez, drogas, sexo, miscigenação, escravidão de pessoas brancas, homens e mulheres em uma cama, juntos.
Os anos 1920 não são só o que a gente imagina
Chazelle pesquisou esse período por muitos anos e ficou impressionado com a imagem que temos daquela década. Ela era chamada de “loucos anos 20”, vindos logo após a Primeira Guerra Mundial e a pandemia de gripe espanhola que mataram estimadas 70 milhões de pessoas. Foi uma época de grandes transformações, com o movimento sufragista e avanços tecnológicos. Los Angeles estava atraindo todos os tipos de sonhadores, do mundo inteiro, mas mantinha um certo ar rural. Havia as mansões das estrelas, só que grande parte dos trabalhadores da indústria moravam em cortiços. Curiosamente, pensamos que esses loucos anos referem-se a umas taças de champanhe a mais e pessoas dançando charleston o tempo inteiro. Na verdade, as festas eram regadas a todo tipo de drogas. Havia muito sexo. As mulheres não usavam só os cabelos em cortes Chanel nem vestidos retos, sem mangas, abaixo dos joelhos. Para combater esses clichês, a cena em que Nellie dança na festa não tem nada de charleston. O cabelo da personagem também não segue o modelo na altura do queixo com ondas feitas com o dedo. A ideia era pesquisar cabelos e maquiagens que existissem na época, mas que fugissem dos clichês. Daí suas madeixas mais longas, frisadas.
Brad Pitt como Jack Conrad e Diego Calva como Manny Torres
Divulgação/Paramount Pictures
Hollywood diversa
Representatividade não era uma palavra de ordem na indústria da época, mas, ao contrário do que podemos supor, havia, sim, pessoas pretas, asiáticas, latinas, além de mulheres em posições importantes. Hollywood atraía todo tipo de gente, só que muitos foram apagados da história. Manny Torres, por exemplo, foi inspirado em diversas figuras, incluindo René Cardona, um imigrante cubano que se tornou o mais jovem executivo na cidade, além do mexicano Enrique Vallejo, câmera de Charles Chaplin antes de se tornar supervisor de produção e diretor. No filme, o trompetista negro Sidney Palmer (Jovan Adepo) chama atenção de Manny e acaba na frente das câmeras. Nos anos 1920, o jazz fascinava o mundo e, com a chegada do cinema sonoro, as câmeras se voltaram para músicos negros como Duke Ellington, Louis Armstrong e Bessie Smith. Lady Fay Zhu (Li Jun Li), a cantora misteriosa e escritora das cartelas com texto necessárias nos filmes mudos, foi criada à semelhança de Anna May Wong, a primeira estrela estadunidense de origem chinesa, com um quê de Marlene Dietrich, seus ternos e chapéus. E Ruth Adler (Olivia Hamilton), a diretora que percebe o talento de Nellie LaRoy, foi baseada em pioneiras como Dorothy Arzner, Alice Guy Blaché e Lois Weber.
A inspiração para Jack Conrad
Interpretado por Brad Pitt, o personagem é um galã do porte de John Gilbert, Douglas Fairbanks e Rodolfo Valentino. Quando ele chega à festa que marca o início do filme, é o maior nome de Hollywood. Só que sua paixão pelo cinema faz com que sua vida pessoal seja uma confusão só. Gilbert ficou conhecido como o símbolo dessa passagem do cinema mudo para o sonoro. Durante anos, a história foi que o ocaso de sua carreira se devia à sua voz ruim para o cinema sonoro. Mas, hoje, isso é considerado um mito. Na verdade, Gilbert teria sido vítima de má vontade do chefão do estúdio MGM, Louis B. Mayer.
Li Jun Li como Lady Fay Zhu e Jovan Adepo como Sidney Palmer Divulgação/Paramount Pictures
As muitas atrizes em que se baseiam Nellie LaRoy
A personagem chega à festa desesperada por atenção. Uma das inspirações foi a jovem Joan Crawford, que mudou seu nome de Lucille LeSueur ao chegar a Los Angeles e costumava ir a festas sem ser convidada e dançar loucamente. Depois, ela se tornou um dos grandes nomes de Hollywood, ganhando o Oscar por Mildred Pierce (1945). LaRoy também foi baseada em Clara Bow, uma das grandes sex symbols daquela era e a “it girl” original, com forte sotaque do Brooklyn. Como Nellie LaRoy, Bow teve uma infância difícil e problemas com jogo, sendo ameaçada pelo dono de cassino e gângster Jim McKay (Tobey Maguire). Estrelas que tiveram uma ascensão e uma queda vertiginosas, como Jeanne Eagels, Alma Rubens e Thelma Todd, também foram modelo para a personagem de Margot Robbie, assim como Lya LaPutti, que tinha o mesmo cabelo longo e desgrenhado de Nellie.
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