Christine and the Queens fala à ELLE sobre novo disco

"Paranoïa, angels, true love" traduz os anos mais dolorosos da vida do cantor francês e conta com participação de Madonna.


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Paul Kooiker



Vocalista do Christine and the Queens, Chris segue atendendo por esse nome, que ela adotou há quase uma década. Mas também podemos chamar o artista francês de Redcar – essa é a recomendação antes de o entrevistarmos, em São Paulo, quando ele esteve na cidade para uma apresentação no C6 Fest, no mês passado. Ele adotou Redcar depois que sua mãe, Martine Letissier, morreu em abril de 2019. Para ele, ver carros vermelhos se repetirem nas ruas por aí, desde então, era um sinal.

A morte da mãe, causada por uma infecção no coração, foi repentina e aconteceu enquanto o cantor estava viajando, em turnê nos Estados Unidos, no festival Coachella. Sem chances de despedidas, o episódio o marcou profundamente. Adicione a isso o término de uma grande paixão, uma ex-namorada que, como o próprio diz, “o ensinou a amar mulheres”. E ainda o deslocamento de uma rótula do joelho, que se já é doído para qualquer um, imagine para um artista que sempre destacou a dança nos shows e ficou conhecido por homenagear nos palcos Michael Jackson e Prince.

Filho de professores, Redcar é formado em teatro e literatura. Em 2014, ganhou atenção na França com o álbum de estreia Chaleur Humaine. Nele, cantava a faixa “I’m a man now”, hoje repetida nos shows com peso diferente, uma vez que abraçou recentemente a identidade de homem trans. O passo veio após uma extensa e intensa jornada.

Depois, veio o disco Chris (2018). E quando o cantor estava enfim conquistando o mundo com sua música meio pop, meio eletrônica e bem dramática, todos precisaram se enclausurar com a chegada da pandemia. Não foi empecilho, porém, para que os quarentenados dançassem em seus quartos alguns de seus hits, como “Gone” (2019), single em parceria com a britânica Charli XCX, e também as cinco músicas que compõem o EP La Vita Nuova (2020), com participação de Caroline Polachek, que rendeu um curta gravado no L’Opéra Garnier, em Paris. “People I’ve been sad”, deste trabalho, foi escolhida pela Rolling Stone como uma das músicas daquele ano.

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Na sequência, a pandemia o fez encarar as dores. Ele se enclausurou em Los Angeles e começou a discorrer sobre luto, transição e as dores do amor. Primeiramente, no álbum Redcar les adorables étoiles (prologue) (2022) e, agora, mais profundamente, em Paranoïa, angels, true love, lançado no último 9 de junho.

Com coprodução de Mike Dean, conhecido por trabalhos com Lana Del Rey, Drake, The Weeknd, Kanye West e Beyoncé, o álbum conta com 20 músicas (incluindo faixas de até 12 minutos) que foram divididas em três partes e conta com participação de Madonna em “Angels crying my bed”. Nele, a sucessão doída de acontecimentos muda o compasso e a profundidade desse artista.

Agora, Christine and the Queens está no meio de uma turnê, que já passou pelo Primavera Sound Barcelona e Madri, e vai viajar pela América do Norte e Europa. Abaixo, você confere o papo do músico com a ELLE.

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Jasa Muller

Qual foi a importância da moda na construção de Christine?
O que eu gosto na moda é poder construir uma narrativa com precisão, ser afiado em relação ao meu estilo. Quando pensei em Christine, tudo estava na minha cabeça até que comecei a desenhar. E então veio a silhueta de um terno preto. Só depois que apareceu todo o resto. Sou obcecado por moda, principalmente pelos artistas, como (Alexander) McQueen e (Thierry) Mugler.

E a sua conexão com o universo das drag queens também te ajudou na construção visual de Christine?
Me vejo desde criança nos loucos, nos desajustados, nos párias. Sempre me senti o Homem Elefante (referência ao personagem do filme de 1980, de David Lynch). As drags foram importantes, porque me conectei com quem também se sentia marginalizado e buscava a beleza no diferente. Isso me fascinou. Primeiro, pensei que era apenas por causa do teatro, mas a real é que um jovem garoto queer estava desesperado para se entender. A parte teatral também foi importante, porque no palco eu disse em voz alta, ainda que primeiro como piada: “Ei, eu sou um homem!”.

“Sou obcecado por moda, principalmente pelos artistas, como (Alexander) McQueen e (Thierry) Mugler.”

E você é um homem de vários nomes…
Sim, eu tenho alguns. Ontem eu estava pensando sobre eles. Cada um carrega uma descoberta. Joseph, porque percebi que eu era um padre buscando silêncio. Redcar, porque também sou um pintor, um amante de carros e um completo maluco. Christine, de Christine and The Queens, que não é só o nome da banda, mas também da minha imaginação. Lá na França, insistem em me chamar pelo nome de batismo. Como um tapa contínuo, eles repetem o meu nome civil nos jornais, revistas. Por acaso alguém chama o Bob Dylan pelo nome de batismo? Não sou um personagem, muito menos uma performance. Essa é a minha verdade. Sim, sou um homem livre.

Você está em turnê. O que sempre leva nas malas?
É tudo sempre igual. Sou meio obcecado, então preciso de tudo da mesma forma, como os meus sapatos (mostra o modelo Tabi preto, da Maison Margiela, nos pés). Sempre uso as mesmas luvas. Agora, elas são vermelhas. Sou ritualista, com os mesmos cremes, o mesmo pente de cabelo. É meio supersticioso. A mala é sempre a mesma, como se eu fosse um Kingsman (personagem da franquia de filmes homônima). Afinal, a vida está aí e você tem que estar preparado. Vou refinando com o tempo. Busco o essencial, organizado e, principalmente, preto.

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Jasa Muller

Como foi apresentar um lado mais vulnerável seu no novo álbum, um projeto tão sensível?
Obrigado por notar. Acredito que fui ajudado. Digo isso, porque precisei invocar aos anjos, pedir as suas bênçãos. E foi como se eu tivesse transfigurado da energia humana para a deles. Entendo como uma persistência do amor, mas em uma dimensão diferente, uma que eu nunca havia acessado. Cheguei a essa música assim, num estado constante de isolamento, entrincheirado com as minhas histórias e perguntando profundamente o que eu vim fazer nesse mundo. E essa música, por sua vez, veio dura. Ao escrever “We have to be friends”, por exemplo, eu estava buscando mais lucidez e senti como se a letra me batesse na cara, dizendo que eu nunca fui capaz de entender o que ela me diz. Me desculpe, parece que estou divagando, mas o ponto é que a música me deu essa lição de que eu devo confiar mais nos meus instintos. Esse álbum solidificou isso.

Você achou algum método para ser vulnerável sem se machucar?
Não, inclusive, me machuquei muito. Não disse que a tarefa foi fácil. Quando você vai fazer algo pra valer, não é fácil, então me coloquei a serviço desse trabalho. Existe um elemento de dor quando procuramos nos entender. Você precisa encarar os nós do seu ego e questioná-los. Se abrir dói como o inferno. Não ser corajoso o suficiente para fazer foi um medo, mas a parte boa é que existe uma beleza em ser honesto, em ser vulnerável. Existe um senso de dignidade quando você é sincero. Consigo sentir os meus ossos quando tomo uma decisão que está alinhada com o meu coração. Neste álbum, ele se abriu e eu disse o que disse. Mas fui ajudado pelos anjos, por minha mãe e por Louisa, minha ex-namorada. Hoje, acredito em mágica.

“Se abrir dói como o inferno.”

O que você procurava com a imagem dos anjos? E o que eles viraram para você depois dessa produção?
Hoje, eles são meus amigos, me ajudam a pensar. Rezo por diferentes necessidades. Ao Arcanjo Miguel, por proteção e bravura, ao Gabriel, para conseguir ser mais cerebral, curar a minha mente, e a Jofiel, por mais felicidade. Eles fazem parte do meu vocabulário, os abracei. Penso que, quanto mais você pensa em anjos, mais humano você se torna. Até porque você se lembra que é feito de carne e osso. Eles estão do nosso lado, com empatia, nos ajudando, mas não são de carne. Enfim, tudo começou com a partida da minha mãe. Obrigado, mãe. De verdade. (Chris se emociona).

O seu jeito de produzir é tudo menos tradicional. O que houve de mais experimental neste trabalho?
Meu processo costuma ser bastante solitário. Mas, como mágica, o Mike (Dean) me escreveu quando eu estava pronto para começar o disco. E, com ele, veio conhecimentos que eu não tinha. Na faixa “Track 10”, por exemplo, emiti um som com a boca, que parecia um vazamento, algo que eu naturalmente descartaria. Mas ele lembrou do trítono (conhecido na música como o “som do diabo”, em função da dissonância). E então escrevemos. Foi uma tomada só, selvagem, sem questionar a letra escapando da boca. Aprendi como fazer a música nascer de um jeito verdadeiro, confiando, tendo fé. Como se eu tivesse que deixar o músculo relaxar.

“Hoje, os anjos são meus amigos, me ajudam a pensar. Rezo por diferentes necessidades.”

Após a gravação do álbum, onde você acredita que está o amor verdadeiro?
Não sei. Mas é agora o meu caminho, a sombra de um ideal, porque eu ainda não o encontrei. Estou andando, me curando e lutando todos os dias. O que eu posso te dizer é que suspeito o que seja o amor verdadeiro. Ele é a luz abrangente da compreensão de uma outra pessoa. É estar lá quando alguém estiver no chão, embalar o bebê se for preciso, ficar quando alguém não acredita mais. E eu quero isso para mim. Invoco isso agora! O que você acha que é o amor verdadeiro?

Não esperava por isso. Acho que quando tentamos ser nós mesmos, talvez?
E eu falando do outro! Mas, olha, você não consegue acessar a si sem os outros. Digo isso porque já tentei esse caminho solipsista do amor verdadeiro e não dá. É muito elegante, mas não dá. Toda vez que eu amo outra pessoa aprendo mais sobre mim. Então, é bom que essa pergunta sobre o amor envolva o outro, ainda que isso seja aterrorizante. E é por isso que eu sigo fazendo música.

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