Everything but the girl fala à ELLE sobre novo disco

Dupla lança "Fuse", seu primeiro trabalho em 24 anos. "Queríamos que fosse um álbum para agora, não tínhamos interesse em apenas revisitar velhas versões de nós mesmos", conta Ben Watt.


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Fotos: Edward Bishop



Ben Watt e Tracey Thorn, do Everything but the girl, se conheceram em 1981, na Universidade de Hull (Inglaterra), onde estudavam. Os dois tinham incipientes carreiras musicais e lançavam seus trabalhos pelo mesmo selo independente, Cherry Red. Já de olho em Thorn, Watt decidiu se apresentar à cantora no primeiro dia de aula. Pediu que fosse transmitida nos alto-falantes da universidade a seguinte mensagem: “Se Tracey Thorn, da (sua então banda) Marine Girls, estiver por aí, poderia vir me encontrar na recepção?”. Ela foi e os dois se conectaram instantaneamente.

Quarenta e dois anos depois, Ben e Tracey seguem juntos. Já o EBTG estava dando um tempo desde 2001 (o último disco do duo, Temperamental, foi lançado em 1999). O hiato durou até janeiro, quando o mundo pop foi surpreendido com uma nova música da dupla, “Nothing left to lose”. A motivação para a volta tem origem na pandemia, quando o casal se viu “na companhia um do outro” como há muito tempo não estava. Antes da covid-19, “havia muitas distrações, projetos de trabalhos solo, encontros com outros amigos. Fomos de uma vida social e de trabalho muito movimentada para uma bem sossegada”, diz Thorn, em entrevista à ELLE por videochamada.

O isolamento do casal foi rígido. No caso de Watt, que quase morreu nos anos 1990 devido a uma rara doença autoimune, os cuidados tiveram de ser redobrados. “Acabei tomando a vacina contra covid-19 cinco vezes”, contou. A dupla atravessou o pior da pandemia sem se infectar. Thorn, no entanto, acabou pegando covid pela primeira vez na semana anterior à entrevista. Foi leve. “Estou bem agora”, assegura.

Quando a pandemia entrou em sua fase mais amena e a vida retornou ao normal, o casal pensou que não era possível retomar a rotina de antes. Era hora de “tentar algo diferente”. No começo de 2022, os dois decidiram voltar a trabalhar juntos. “Uma vez que começamos, tudo aconteceu muito rápido”, explica Watt.

Nasceu então Fuse, o 11º álbum de estúdio na diversa e elaborada discografia do EBTG, que já passou por bossa nova, jazz, indie rock, música orquestral, house music, trip hop e drum’n’bass. O disco, lançado nesta sexta-feira (21.04), repete a proeza de trabalhos anteriores ao integrar a vulnerabilidade elegante do EBTG a sonoridades contemporâneas.

EBTG 02 Jan 23 Credit Edward Bishop

Edward Bishop

“Queríamos que fosse um álbum para agora, não tínhamos interesse em apenas revisitar velhas versões de nós mesmos. Tenho muito interesse nas ideias de produção que surgiram desde que gravamos como EBTG a última vez”, diz Watt. O músico cita as experimentações com vocais que se disseminaram nas últimas duas décadas na música pop, especialmente com o software de afinação de voz autotune, assim como as maneiras como produtores vem recortando e alterando batidas, como por exemplo o uso de chimbal (pratos de bateria) em gêneros como trap. “Acho tudo isso muito interessante sonoramente.”

Provoco a dupla perguntando se a ideia de usar autotune na voz de Thorn, com seu timbre único e denso, não corre o risco de chocar fãs mais antigos. No perfil do Instagram da dupla, há mensagens pedindo que o grupo retome à sonoridade mais acústica dos anos 1980. É com sorriso no rosto que Thorn diz: “Se a gente fosse se preocupar com o que os fãs mais antigos pensam, não teríamos feito muitos discos. Seguimos nossos instintos e, afinal, nós somos os artistas, nós é que devemos mostrar o caminho e decidir o que fazer. É o nosso trabalho trazer novas ideias”. Watt complementa: “Usamos autotune como efeito sonoro, para ficar mais robótico, mais esquisito, mais viajante, da mesma maneira que você usaria um pedal em uma guitarra.”

Para além da tinta melancólica na voz de Thorn, há uma outra característica em Fuse que é típica do EBTG: a maneira como a música expressa com fidelidade as emoções pelas quais a dupla estava passando. “Não pensei nisso na hora”, conta Thorn, “mas, refletindo agora, são letras sobre tentar desesperadamente se conectar com pessoas, desesperadamente tentar aproveitar o momento ao máximo”, diz. “Tem uma mistura de letras que olham para dentro, sobre sentimentos internos, com letras que olham para fora, sobre estar em um club, num karaokê, em alguma pista de dança, quase como um sonho de poder estar dentro de uma balada outra vez”, conta, se referindo à pandemia.

“Karaoke”, uma das faixas do disco, descreve uma experiência vivida por Watt em São Francisco, Estados Unidos. Como precisava ficar acordado para pegar um voo na madrugada, o músico resolveu passar a noite com um amigo cantando no palco de um karaokê. Segundo Watt, a letra descreve as cenas vistas, como a de um homem cantando músicas de Elvis Presley para uma mulher. À letra iniciada por Watt, Thorn acrescentou uma reflexão sobre o ato de cantar no refrão: “Do you make people dance ou do you break their hearts? (Você faz as pessoas dançarem ou machucarem seus corações)”.

No caso da obra do EBTG, e mais uma vez em Fuse, as duas coisas costumam acontecer simultaneamente. Seu hit maior, “Missing“, de 1994, fala sobre um sentimento doído de saudades. Acoplado a uma cavalgada house em sua versão mais famosa, o remix do DJ americano Todd Terry, é um exemplo magistral de um contraste que sempre deu certo na história da música: a canção triste que faz dançar.

“Essa combinação costuma dar certo porque são dois sentimentos em conflito, criando uma tensão. É muito comum que a gente sinta coisas distintas e tenha dificuldade de separar uma coisa da outra. Euforia e melancolia são coisas que podem parecer próximas”, arrisca Thorn. “A letra triste em cima do ritmo dançante é uma tradição antiga.”

Sem plateia

A dupla nunca tocou no Brasil. E também nunca tocará, assim como em nenhum lugar do mundo. À ELLE, Watt e Thorn contaram que não têm o menor interesse em se apresentar ao vivo. “Não temos nenhum desejo de tocar as músicas antigas, em grandes estádios”, sentencia Watt. E em palcos menores? “Também não, porque aí você acaba decepcionando muita gente. As pessoas vão reclamar que você só tocou para 400 pessoas.”

O EBTG conquistou um lugar em que fazem as coisas do seu jeito, sem precisar seguir os ditames do mercado. Depois do sucesso de “Missing”, nos anos 90, o grupo havia subido para um nível elevado no mundo da música. A ponto de receberem um convite para abrir os shows de uma turnê do U2. Thorn, no entanto, estava grávida pela segunda vez. Depois de ter gêmeas em 1998, um menino estava a caminho. Convite do U2 recusado, o casal resolveu suspender as atividades para se dedicar à família.

“Antes achávamos que esse tipo de atividade era apenas para os jovens, como se houvesse algo indigno em pessoas mais velhas fazendo rock ou pop. Mas, para mim, parece que virou algo normal” Tracey Thorn

Thorn e Watt completaram 60 anos de idade em 2022. Entre a pausa do EBTG em 2000 e a reunião, os dois lançaram discos solo e escreveram livros. Watt manteve uma carreira de DJ até 2013 e hoje canaliza a energia da “garimpagem e da curadoria” em playlists de Spotify.

Pergunto se acreditam que existe etarismo na indústria musical. “Antes achávamos que esse tipo de atividade era apenas para os jovens, como se houvesse algo indigno em pessoas mais velhas fazendo rock ou pop. Mas, para mim, parece que virou algo normal”, afirma Thorn, lembrando que para mulheres, em geral, é mais difícil, como no caso de Madonna, que sofreu críticas por sua aparência na premiação do Grammy em 2023. “Há expectativas sobre como mulheres devem se comportar ou que aparência devem ter.”

Watt acrescenta que a discussão remete a uma ideia antiga que enxerga a música pop como rebelde. “Existem pintores, poetas e músicos de jazz com 70 anos, alguns fazendo seus melhores trabalhos. Então, acho que precisamos aceitar que a música pop tem um ciclo de vida muito mais longo do que se imaginava nos anos 1950”, diz.

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