Quarentena de Fernanda Takai tem cozinha, faxina e disco novo
Produzido em meio ao isolamento, novo álbum solo da vocalista do Pato Fu traz participações remotas de Maki Nomiya (Pizzicato Five) e Virginie Boutaud (Metrô).
Quando se viu em casa, afastada dos palcos e da estrada por causa da pandemia, Fernanda Takai, 48 anos, concentrou-se em duas atividades: a produção do seu novo disco solo, Será que você vai acreditar?, com lançamento marcado para hoje (10 de julho), e as tarefas domésticas, que vem lhe deixando bastante ocupada na quarentena.
Para ambas, contou com o marido, o guitarrista John Ulhoa, também seu parceiro há quase 30 anos no Pato Fu. Além de gravar todos os instrumentos, John produziu o álbum, no estúdio que eles têm em casa, em Belo Horizonte.
Se em seus últimos discos Fernanda trabalhou com vários parceiros, neste sexto, diante da pandemia, teve apenas as participações remotas – e de peso – da cantora Maki Nomiya (ex-Pizzicato Five, banda japonesa popular nos anos 90), com quem a brasileira já havia lançado um EP em 2009, e de Virginie Boutaud (ex-Metrô, de hits como “Beat acelerado”), radicada na França. “Quando você chama alguém para compor com você ou para estar no disco, é um sinal de afeto e admiração. Acho que ao longo da minha carreira toda, tanto solo quanto no Pato Fu, dei vários sinais de afeto”, conta por telefone à ELLE.
No novo álbum, Fernanda misturou regravações (“One Day in Your Life”, conhecida na voz de Michael Jackson, e “Love Is a Losing Game”, de Amy Winehouse, entre elas), composições criadas só por ela e parcerias, numa atmosfera pop, intimista e, por vezes, melancólica. “Acho que cada disco que a gente lança é uma fotografia instantânea da nossa época.”
Em sua carreira solo de 13 anos, ela já homenageou Nara Leão, Tom Jobim, gravou disco com o guitarrista Andy Summers (The Police) e DVD em sua vizinha Inhotim. Além de 20 discos e nove DVDs (que incluem seus trabalhos com o Patu Fu), Fernanda também já lançou quatro livros, conquistou um prêmio Jabuti, e tem um convite para uma quinta publicação.
De sua casa, ela conversou com a ELLE sobre o novo disco, quarentena, retrocessos, Amy Winehouse, envelhecimento e Annie Lennox.
Como tem sido a pandemia para você?
A gente vem respeitando ao máximo o isolamento. Já vinha trabalhando no repertório do meu disco, e eu e o John começamos a gravá-lo logo depois do Carnaval. Esse processo foi acelerado porque [sem a pandemia] a gente teria o tempo dividido entre fazer shows e vir para BH, trabalhar no disco. Então, eu e John resolvemos fazer o álbum sozinhos, em casa, no estúdio que a gente tem. Essa ocupação fez bem naquele primeiro choque que todo mundo teve, de ‘ai, não pode sair mais’. A gente conseguiu manter uma rotina de trabalho e, ao mesmo tempo, se ocupou com a casa, fazendo tudo – limpeza, cozinha, cuidando dos bichos, jardim. A Nina [filha do casal de 16 anos] com aulas remotas. Então, esses primeiros três meses de confinamento não foram tão doídos. Mesmo sem poder fazer shows, ajuda bastante só falar de um trabalho novo, botar coisas novas para as pessoas ouvirem. Mas dá uma certa impotência acompanhar o mundo lá fora. A gente tem jardim, dá para pegar sol. É bem diferente das pessoas presas em apartamentos, sem poder trabalhar e com o dinheiro acabando. Toda essa nau sem rumo que está o país. Parece mesmo um apocalipse.
As composições já estavam prontas quando você entrou em isolamento? Há músicas que parecem ter sido compostas neste período.
Tem duas músicas que parecem que foram feitas na quarentena, mas uma delas, ‘Terra Plana’, foi composta uns seis meses antes. Ela foi um presente que o John fez para a Nina e vem dessa sensação que a gente vive no Brasil, de dar ré em alguns conceitos nos últimos anos, de discordar de ciência, de causar danos políticos e sociais que a gente já tinha avançado, mas volta no tempo de uma maneira muito negativa. E estamos pensando qual é o mundo que vem para essa geração, tipo a da minha filha. O mundo vai piorar? Com a pandemia, isso ficou mais evidente. A outra música foi ‘Não Esqueça’. Ela foi composta há muitos anos por um amigo nosso [Nico Nicolaiewsky], que também tem uma filha que se chama Nina. Nela, ele fala sobre lavar as mãos e também sobre a preocupação de um pai que quer que a filha seja feliz, mas como, neste mundo perigoso em que a gente vive? A leitura dela fica mais forte quando a gente vive confinado. Essa é uma qualidade da música pop: poder interpretar canções de acordo com o que está acontecendo na nossa vida, são obras realmente abertas.
O sexto álbum solo: “Cada disco que a gente lança é uma fotografia instantânea da nossa época”, diz Fernanda.
O que levou você a regravar Amy Winehouse neste disco?
Sempre fui muito fã da Amy, cantava ‘Rehab’ de bis às vezes nos meus shows, na época do Luz Negra [2009]. Quando ela morreu, fiquei tão triste que não queria mais nem cantar essa música. Era um bis bem-humorado. Mas, desse disco [Back to Black], a música que mais gosto é ‘Love Is a Losing Game’. Fui fazendo outros trabalhos e não tinha encontrado espaço para colocá-la, mas era uma música que achava que merecia uma versão, porque como a Amy morreu muito nova tem um monte de gente que não escutou as canções dela. Tinha lido uma entrevista do Prince, que também era superfã dela, em que ele contava que queria gravar ‘Love Is a Losing Game’. Se o Prince também pensava isso, ela tinha mesmo que ser regravada. E aí ele morreu também. Foi só tristeza na música pop – George Michael, David Bowie [os três morreram em 2016]… Gosto muito dessa turma, do pop britânico, do pop americano bem feito.
O envelhecimento e a maternidade são dois temas do disco. O que você estava querendo falar com o álbum?
Eu acho que cada disco que a gente lança é uma fotografia instantânea da nossa época. Os temas falam sobre a vida passando, sobre como envelhecer é complicado e a velhice é desvalorizada, à parte de tudo que você vai aprendendo com o tempo, toda sua bagagem de informação. Isso compete inversamente com a decadência do seu corpo. A arte ajuda muito a gente a passar pelo tempo sem datar. Acho que quando você consegue fazer obras de arte – canções, quadros, espetáculos, filmes ou fotografias – que resistam ao tempo, a nossa vida ganha todo sentido. ‘Ah, faz sentido eu gostar de fazer isso e viver disso há quase 30 anos.’ Este é um momento de fotografar essa sensação.
As pessoas falam muito sobre as perdas do envelhecimento, mas quais foram os ganhos para você?
Tenho olhado para trás, para o caminho que construí, tanto na minha vida pessoal quanto na minha profissão. Fico feliz de ter feito tanta coisa. Acho que isso traz menos cobrança comigo mesma. Fico feliz de ter viajado tanto com a música, de ter subido ao mesmo palco com gente que ouvia no rádio. Isso tudo me dá um conforto e diminui um pouco aquela afobação de quando a gente é mais novo, ‘preciso fazer isso, porque estou com 20, 30, 40 anos’. Vou fazer 49, mas fico bem feliz com minha idade porque tenho conseguido soltar no ar minhas vontades artísticas. Acho que isso traz uma sensação muito boa.
Como rolou a participação da Maki Nomiya?
Era fã do Pizzicato Five, consegui falar com a Maki [anos atrás] e ela entendeu que o Pato Fu fazia uma homenagem com o ‘Made in Japan’ [música de 1999] ao shibuya-kei[uma mistura entre jazz, pop e synthpop], gênero do Pizzicato. Desde que vou ao Japão me apresentar, tenho tido contato com ela, a gente sai para jantar em Tóquio. É uma honra ter feito um EP com ela [Maki Takai No Jetlag, de 2009, lançado apenas no Japão]. Ela é realmente uma mulher impressionante, o tanto que canta bem, é extremamente elegante e simpática com todo mundo.
E a Virginie?
A gente acabou se aproximando via rede social porque eu ouvia bastante Metrô, cantava na minha banda de colégio quando tinha 16, 17 anos. E aí ela foi morar fora do Brasil, se casou, teve duas filhas, meio que abandonou a carreira e perdemos o contato. A gente acabou se seguindo pelo Instagram e começamos a falar por ali. Uma vez ela me viu cantando uma música dela no [programa] do Serginho Groisman, trocamos mensagem e ela falou: ‘Fiz uma melodia, você faz letra? Não quer fazer uma música para a gente gravar?’. A gente fez a música, gravou e não se encontrou pessoalmente.
Você assistiu a lives de outros artistas? Artisticamente, o que alimentou você nesta pandemia?
Gosto de ver as pessoas que amo musicalmente, que elas também estão passando por isso e achando formas de fazer acontecer. Annie Lennox, do Eurythmics, é uma artista que tenho afeto. É minha ‘ídola’ desde os 13, 14 anos. Ela era sempre muito discreta nas redes sociais e vem gravando vídeos muito bonitos, muito verdadeiros. Toca, dá recados. É engajada com as causas do mundo todo, fez uma fala sobre os índios da Amazônia, como estão sofrendo não só com a pandemia, mas com a falta de proteção. Estou sempre visitando o Instagram dela para ver se tem uma coisinha nova. Ela me faz bem.
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