Salvas pelo entretenimento: mulheres que foram humanizadas em filmes e séries
De Madam C.J. Waker a Tonya Harding, algumas mulheres tiveram que lidar com duras críticas pautadas pelo machismo em suas épocas. Após virarem tema de produções audiovisuais, elas não ganharam necessariamente a "redenção", mas tiveram a chance de serem vistas como pessoas que erram e acertam.
A temporada de premiações do cinema deste ano redimiu mais uma mulher perante ao público: Billie Holiday. A cantora, interpretada por Andra Day no filme Billie Holiday vs The United States of America, foi uma controversa figura da cultura pop dos anos 1950. De um lado, ela trilhou uma brilhante carreira como cantora de blues. De outro, o uso de álcool e drogas chamou tanta atenção da mídia quanto seu sucesso na música.
O filme, que recebeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Série de Drama, mostra os bastidores dos escândalos e da carreira da cantora e dá uma nova roupagem ao seu legado. “Ela é mais do que um ícone musical”, diz Andra Day, em entrevista à Rolling Stone. “As pessoas estão começando a descobrir isso. Ela [Billie Holiday] foi resumida a uma trágica viciada em drogas que cantava jazz.”
Nos últimos anos, diversos filmes e séries contribuíram para reescrever a história de mulheres que foram duramente criticas pela mídia e pela sociedade. Neste 8 de março, relembre outros casos de mulheres que foram, de alguma forma, salvas por produções artísticas recentes.
1. Marcia Clark, “The People vs O.J. Simpson”
Marcia Clark foi advogada de acusação no caso do ex-jogador de futebol americano, O.J. Simpson, acusado de matar sua esposa, Nicole Brown, e o amigo dela, Ronald Goldman. Simpson foi a júri popular — e Marcia também. Suas roupas, corte de cabelo, sua relação com o ex-marido e os filhos foram trazidos à tona por jornais favoráveis ao atleta, que acreditavam que, ao descredibilizar Marta como mulher, também alcançariam o feito na corte.
A série American Crime Story: O Povo vs O.J. Simpson dedica um episódio inteiro ao escrutínio de Marcia Clark nas mãos da mídia — e todo sofrimento que ele causou. Diante das críticas da mídi, ela foi aconselhada pelos assessores de imprensa a alisar os cabelos e trocou de guarda-roupa.
No tribunal, Johnnie Cochran, advogado de O.J. Simpson, também foi bastante grosseiro com Marcia Clark quando zombou de sua luta pela custódia dos filhos com o ex-marido. Na época, a advogada disse ao jornal The L.A. Times: “Estou ofendida enquanto mulher, enquanto mãe solteira, enquanto promotora e enquanto uma autoridade neste tribunal”.
Outro acontecimento usado tanto pela mídia, quanto pelos advogados de O.J. Simpson, entre eles Robert Kardashian (sim, você leu certo, Kardashian. Robert é pai de Kourtney, Kim, Khloe e Robbie, e ex-marido de Kris Jenner), foi uma foto topless da promotora durante uma viagem com seu ex-marido, divulgada pela mídia pela ex-sogra da magistrada — há provas de que uma pessoa ligada à defesa de Simpson fez a ponte para que a foto fosse publicada, como contou Marcia Clark em sua biografia.
Sobre o episódio, a verdadeira Marcia Clark comentou: “O que me deixava mais chateada era o tratamento sexista que eu recebia do juiz. Acontecia todos os dias, e não há nada pior para uma advogada do que ser desacreditada pelo juiz, pois o júri irá procurar embasamento no comportamento dele. Se o juiz me tratava como uma idiota, o júri acreditava que eu era uma idiota. Para eles, eu era uma cidadã de segunda classe”.
A presença de Marcia no julgamento de O.J. Simpson, que aconteceu em 1995, foi motivo de piada nos Estados Unidos por muitos anos. Um ano antes de American Crime Story: The People vs O.J. Simpson ir ao ar, em 2016, Tina Fey foi indicada ao Emmy por interpretar Marcia Clark, uma advogada burra e incompetente, no programa de comédia Umbreakable Kimmy Schmidt.
Após um julgamento que durou nove meses, O.J. Simpson foi inocentado. Depois do caso, Marcia Clark se afastou da promotoria e nunca mais advogou. Ela fechou um contrato de 4 milhões de dólares na época para escrever uma autobiografia, e depois se tornou escritora de livros de suspense.
Na série, Marcia Clark foi interpretada por Sarah Paulson, que ganhou o Emmy de Melhor Atriz em Minissérie ou Filme Para a Televisão. A atriz dedicou o prêmio à promotora: “Quanto mais eu conhecia a verdadeira Marcia Clark, não aquela mulher dos noticiários, mas a inteligente mãe de dois filhos, dona de um coração gigante, que lutava todos os dias para tentar consertar um erro hediondo, o assassinato de dois inocentes, Ron Goldman e Nicole Brown, mais eu tive que reconhecer que eu e o resto do mundo fomos superficiais e descuidados em nosso julgamento com Marcia, e estou aqui hoje para pedir perdão”.
Sarah Paulson e Marcia Clark no tapete vermelho do SAG Awards
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Reprodução de algumas capas de revista da época do julgamento de O.J. Simpson na série “American Crime Story”. As manchetes dizem: “Veredito do cabelo da Marcia: Culpado” e “Cachos do Terror”
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A verdadeira Marcia Clark no julgamento de O.J. Simpson
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2. Tonya Harding, de “Eu, Tonya”
Margot Robbie como Tonya Harding em “Eu, Tonya”
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Em 1994, a equipe de patinação artística viveu uma trama digna de novela mexicana. Mesmo quem não era fã do esporte acompanhou o caso de Tonya Harding, uma patinadora acusada de tramar um ataque contra sua rival, Nancy Kerrigan, para tirá-la dos Jogos Olímpicos de Inverno daquele ano.
Apesar de uma atleta excelente — na época, ela era a única a ter conseguido fazer um salto dificílimo chamado “triple axel”, que nenhuma americana havia conseguido ainda — Tonya era conhecida, especialmente, por seus figurinos simplórios, sua falta de graça e delicadeza, que constantemente eram alvo de piadas na mídia.
Harding não era inteiramente inocente. Em 1994, ela se declarou culpada de obstrução de justiça no caso Nancy Kerrigan, enquanto seu marido, Jeff Gillooly, foi condenado por atacar a patinadora com a ajuda de outros dois homens, Shawn Eckhardt e Shane Stant. Tonya também foi banida indefinidamente das pistas pela Associação de Patinação Artística dos Estados Unidos.
Tonya teve a oportunidade de contar seu lado da história no filme Eu, Tonya, lançado em 2018. O longa, feito em estilo mockumentary, foi todo baseado em entrevistas com a ex-patinadora e Jeff Gillooly. Sua personagem, interpretada por Margot Robbie, disserta longamente sobre os abusos que sofreu primeiro por sua mãe, LaVonna, e depois por seu marido.
“O filme mostra uma mulher que não é uma vítima, uma vilã ou uma heroína, mas algo totalmente diferente”, disse Margot Robbie — que recebeu indicações ao Oscar, Globo de Ouro e SAG por sua interpretação de Harding — em uma entrevista ao jornal The New York Times. “Eu acredito que esse seja um retrato mais verdadeiro, que reflete muito mais mulheres que eu conheço.”
Margot Robbie e Tonya Harding na premiere de “Eu, Tonya”, em Los Angeles
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Tonya Harding em campeonato de patinação nos Estados Unidos em 1991
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3. Anita Hill
Kerry Washington como Anita Hill no filme “Confirmação”
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Em 2016, estreou o filme Confirmação, sobre a então secretária do juiz Clarence Thomas, Anita Hill, que o acusou de assédio sexual. O caso foi a julgamento na Comissão de Justiça do Senado dos Estados Unidos, e Anita, ridicularizada diante de todo país.
“A senhora é uma mulher rejeitada?”, perguntou um dos advogados de defesa. “Tem complexo de mártir?”, “Acha justo perguntar ao juiz Thomas sobre fatos ocorridos há oito ou dez anos?”, “A senhora afirmou que a pergunta mais embaraçosa tinha a ver – não é muito ruim – com mulheres de seios grandes. Essa é uma palavra que usamos o tempo todo. É isso o mais embaraçoso que o juiz Thomas lhe disse?”
Anita também foi acusada pelo republicano Orrin Hatch de inventar acusações baseada no livro O Exorcista. O filme reforçou o contundente machismo sofrido pela ex-secretária, que hoje trabalha como advogada, e consagrou Anita como um dos principais nomes da luta contra a violência sexual.
A produção rendeu até um pedido de desculpas de Joe Biden, atual presidente dos Estados Unidos, a Anita. Na época, ele era senador, e votou para absolver Clarence Thomas.
Anita Hill em 2020
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4. Madam C.J. Walker, de A Vida e a História de Madam C.J. Walker
Octavia Spencer como Madam C.J. Walker
Amanda Matlovich/Netflix
Quase 100 anos separaram Sarah BreedLove, a Madam C.J. Walker, de Marcia Clark e Tonya Harding. Filha de pais escravizados, Sarah foi a primeira mulher negra a se tornar milionária nos Estados Unidos. Seu sucesso nos negócios, no entanto, foi reconhecido apenas anos depois, resgatado por movimentos negros e feministas, que culminaram na série A Vida e a História de Madame C.J. Walker, lançada em 2020 pela Netflix.
Sarah construiu um império de produtos para cabelos crespos. Além dos produtos, que conquistaram manchetes em jornais e um público cativo, C.J. Walker abriu um salão de beleza e uma fábrica em Indianópolis. As críticas positivas, no entanto, vinham acompanhadas de comentários ácidos sobre sua vida pessoal, que acumulava “escândalos”, como ex-maridos controversos e até mesmo seu apoio a pautas do movimento negro e LGBTQI+.
A filha de Madam C.J. Walker era LGBT.
Amanda Matlovich/Netflix
Um retrato de Madam C.J. Walker em 1913
Addison N. Scurlock/Michael Ochs Archives/Getty Images
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