O sucesso de Yellowjackets

Os impactos de um acidente aéreo, canibalismo e Lost dão o tom à série protagonizada por fortes personagens femininas; Juliette Lewis e Christina Ricci falam sobre a produção, que já tem sua segunda temporada confirmada.


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Foto: Divulgação/ViacomCBS



Ah, a adolescência! Tempo de emoções extremas, amizades para sempre, primeiras vezes, rivalidades, canibalismo… Ok, as adolescentes de Yellowjackets talvez não vivam exatamente as experiências normais dos teens – mas essa é uma das razões pelas quais a série, cuja primeira temporada, disponível no Brasil pela Paramount+, acaba de chegar ao seu último capítulo, virou a sensação do momento. E uma nova leva de episódios já está confirmada.

Nos anos 1990, um time de futebol feminino de um colégio de ensino médio em Nova Jersey está na expectativa de jogar a final do campeonato do outro lado dos Estados Unidos. O pai rico de uma das meninas oferece um jatinho, que cai no meio da floresta no Canadá, por onde o voo passava. Lá, as garotas – poucos homens sobrevivem ao acidente – vão precisar se virar durante 19 meses. E ai de quem duvidar da capacidade dessas meninas de ter sangue frio, de recorrer à violência e de sobreviver sem ajuda.

“Para mim, a pergunta central da série sempre é: do que as pessoas são capazes?”, disse a diretora do piloto, Karyn Kusama, em evento da Associação de Críticos de Televisão. Daí que sugerir coisas terríveis como caçada humana e canibalismo logo na cena de abertura mantém essa pergunta no ar e propulsiona a ação e o drama.


Yellowjackets (2021) Official Trailer | SHOWTIME

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E não são só coisas terríveis. Episódios estranhos também acontecem. Mas a série tem a esperteza de tratar o inexplicável como algo que pode ter explicação. Parece um pouco Lost? Sim. E também uma versão feminina – e feminista – de O senhor das moscas, o clássico romance de William Golding de 1983 sobre um grupo de meninos presos em uma ilha.

Mas Yellowjackets, criada pelo casal Ashley Lyle e Bart Nickerson (roteiristas de Os Originais e coprodutores de Narcos), escapa de ser um mero derivado, como tantas outras séries e filmes do tipo, investindo nas personagens, que revelam quem realmente são em uma situação de crise extrema.

A tímida Shauna (Sophie Nélisse) esconde um ou dois segredos; sua melhor amiga, a garota-modelo Jackie (Ella Purnell), talvez não seja tão autoconfiante assim; Natalie (Sophie Thatcher), que parece não estar nem aí para ninguém, pode ter um outro lado; Misty (Samantha Hanratty), que sofre bullying, conquista respeito por causa de habilidades que os outros desconheciam; e a alfa Taissa (Jasmin Savoy Brown) é competente e racional, mas precisa lidar com emoções. Há amizades e momentos de sororidade, mas também brigas, rivalidades e verdades sendo jogadas na cara.

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Foto: Divulgação/ViacomCBS

A grande sacada de Yellowjackets, porém, é mostrar os efeitos daqueles 19 meses na vida dessas mulheres hoje, quando estão na meia-idade e são interpretadas por outras atrizes. Shauna (Melanie Lynskey) é uma dona de casa, Taissa (Tawny Cypress) concorre a um cargo político, Natalie (Juliette Lewis) acaba de sair de uma clínica de reabilitação, e Misty (Christina Ricci) é enfermeira em uma casa de saúde. Elas se reencontram depois de sofrerem chantagem – todas fizeram um pacto de silêncio sobre o que realmente aconteceu naquela floresta e agora alguém ameaça revelar tudo. Também precisam lidar com a morte, em aparente suicídio, de Travis (Kevin Alves), com quem Natalie tinha uma relação próxima.

Elas convivem de maneira diferente com o trauma que viveram quando eram adolescentes. “O roteiro é o melhor que li nos últimos dez anos pelo menos”, disse Lewis no evento da Associação de Críticos de Televisão. “É instigante no papel, o que é raro. Sempre estou interessada em dicotomias e contradições nos seres humanos.”

É uma alegria ver atrizes que abraçaram personagens ousados exatamente nos anos 1990 – em Tempestade de gelo (1997) e O oposto do Sexo (1998) no caso de Ricci, em Kalifornia (1993) e Assassinos por natureza (1994) para Lewis e Almas gêmeas (1994) para Lynskey – em papeis igualmente apetitosos, que desafiam as expectativas sobre as mulheres.

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Foto: Divulgação/ViacomCBS

“Sempre fui atraída pelo que chamo de dramas de ‘energias primais’ e ‘alto risco’, desde o início da carreira. Porque são mais divertidos”, disse Lewis no mesmo evento. “Eu sempre tive sensibilidade e emotividade pela dor. Não sei por que, sempre fui assim.”

E é incrível como os produtores e diretores da série conseguiram parear bem as atrizes que interpretam as personagens nos dias de hoje com as jovens que vivem as mesmas personagens no passado. Mesmo que as semelhanças físicas nem sempre sejam grandes, elas parecem ser as versões mais velhas – e mais traumatizadas.

Lewis e Thatcher se aproximaram pela música, tendo Nina Hagen como uma das referências. Ricci e Hanratty discutiram muito a transformação de Misty, para que ela fosse crível. “A minha Misty é alguém que foi esmagada e punida pela vida, então ela recorre à agressividade passiva e ao artifício. São suas maneiras de lidar”, disse Ricci no mesmo evento. “E na verdade, ao contrário das outras meninas, provavelmente o período em que passou na floresta foi o melhor de sua vida. Por isso ela fica empolgada quando se reúne com as outras novamente.”

Tudo isso energizado por uma trilha sonora matadora, começando pela abertura (“No Return”, composta por Anna Waronker e Craig Wedren) e passando por clássicos dos anos 1990 de Smashing Pumpkins, Liz Phair, Hole, PJ Harvey, Portishead, Jane’s Addiction, The Prodigy, The Offspring.

Quase todo episódio tem algo de cair o queixo, ao mesmo tempo em que aprofunda as relações entre as personagens e explica suas atitudes no presente. O capítulo final termina com algumas surpresas e uma revelação chocante, que serve de gancho para a próxima temporada, que já está a caminho.

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Foto: Divulgação/ViacomCBS

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