Em “Pobres criaturas”, Emma Stone descobre o mundo na pele de uma mulher Frankenstein

Dirigida por Yorgos Lanthimos, a comédia com toques de ficção científica e fantasia, ambientada na era vitoriana, concorre a 11 Oscars.


Emma Stone em cena de "Pobres criaturas"
Fotos: © 2023 Searchlight Pictures All Rights Reserved.



Pobres criaturas, o longa estrelado por Emma Stone que estreia nesta quinta-feira (1.2), desafia definições. É um filme de época, passado na era vitoriana, no século 19. Mas também é uma fantasia, uma espécie de Frankenstein cujo monstro é uma mulher. É uma comédia cheia de diálogos engraçados e cenas de sexo sobre o empoderamento feminino, com um quê de ficção científica.

O diretor, Yorgos Lanthimos (O lagosta, de 2015, A favorita, de 2018), faz um cinema esquisitão, que busca as bizarrices da vida humana. Esta é a terceira vez que ele e Emma trabalham juntos – as outras foram em A favorita e no curta Bleat –, e eles têm outra longa saindo neste ano, AND.

Pobres criaturas é uma produção bem-sucedida, que ganhou o Leão de Ouro em Veneza, em setembro, mas que também provoca debates acalorados pela quantidade de sexo e pelo fato de ser um filme escrito e dirigido por homens (Tony McNamara, de A favorita, e Lanthimos, respectivamente), mesmo sendo produzido por Emma.

A protagonista, Bella Baxter (Emma, que pode ganhar seu segundo Oscar de atriz, depois de La la land, de 2016), é uma personagem feminina rara e igualmente difícil de colocar em um escaninho. “Como uma mulher seria, se pudesse começar do zero?”, pergunta a atriz no material de imprensa.

No filme baseado no livro de Alasdair Gray, Bella é uma criação do cientista Godwin Baxter (Willem Dafoe), ele próprio um experimento de seu pai. Godwin, repleto de cicatrizes e em um corpo que não funciona direito, coloca o cérebro de um bebê no corpo adulto de Bella. Por isso, ela se movimenta e fala de maneira peculiar no início.

Godwin faz de tudo para controlar sua criação, inclusive contratando um de seus alunos, Max McCandles (Ramy Youssef, que concorreu ao Emmy de ator por sua série Ramy), para acompanhá-la de perto. Só que Bella decide explorar o mundo com o advogado Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo), claramente um boy lixo. Eles embarcam em um cruzeiro que passa por Lisboa e Alexandria e termina em Paris. A viagem é repleta de descobertas, dos livros à política, ao empoderamento, às injustiças e principalmente ao sexo. Bella absorve o mundo, sem nunca se deixar aprisionar por ele.

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Emma Stone como Bella Baxter

Como se trata de uma fábula de fantasia, o filme não se limita a reproduzir a época vitoriana, pendendo mais para o steampunk, em uma versão retrofuturista desse período. Lisboa, Alexandria e Paris foram construídas em estúdio. Os figurinos usam algumas inspirações, como as mangas volumosas, para fazer algo totalmente único para Bella. Ela nunca usa corselets, por exemplo. Em Lisboa, sai de jaqueta de mangas volumosas e shorts que são na verdade parte da lingerie do século 19.

Pobres criaturas, um projeto que Lanthimos levou mais de dez anos para tirar do papel, disputa 11 Oscars: filme, direção, atriz, ator coadjuvante (Ruffalo), roteiro adaptado, figurino, cabelo e maquiagem, fotografia, montagem, design de produção e trilha sonora. Em entrevistas à imprensa, com a participação da ELLE, o diretor, o elenco e a equipe discutiram o filme:.

“Apenas tentei remover (da minha interpretação) o máximo possível de julgamento e vergonha” Emma Stone

Uma mulher sem amarras

Emma Stone: “Apenas tentei remover (da minha interpretação) o máximo possível de julgamento e vergonha. Na verdade, foi mais uma desconstrução do que uma construção. Obviamente, a fisicalidade e a linguagem foram algo em que trabalhamos bastante porque precisávamos entender seus estágios à medida que a história avança. Mas, mais do que tudo, foi como deixar as coisas de lado porque Bella é pura alegria e curiosidade. Não tem vergonha nem trauma. E é difícil encontrar um adulto que não tenha passado por coisas e que não tenha respostas pavlovianas ou julgamentos sobre si mesmo ou sobre os outros. E esse foi o grande presente de interpretá-la. Ela simplesmente vive em um lugar de descoberta.”

Sem hesitações

Emma Stone: “Não tive de pensar demais (para aceitar o papel). Ela é minha personagem favorita de todos os tempos. E era com o Yorgos, em quem confio plenamente. Não foi uma decisão difícil.”

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Emma Stone (Bella Baxter) e Mark Ruffalo (Duncan) em cena do filme

Sexo, sexo, sexo

Yorgos Lanthimos: “É estranho como os filmes de hoje não têm sexo. Ele era parte intrínseca do livro, porque Bella vai descobrindo sua liberdade em todas as frentes. Era muito importante para mim não fazer um filme pudico porque seria trair a personagem principal. A personagem não tem vergonha, e Emma não podia ter vergonha de seu corpo. Este é meu terceiro trabalho com ela, existe uma comunicação em que não precisamos explicar tudo ou falar muito sobre as coisas. Mas usamos também uma coordenadora de intimidade, Elle McAlpine. Foi ótimo. Nós nos sentamos e conversamos sobre as cenas de sexo.”

A dificuldade de interpretar Bella

Emma Stone: “Não sou a melhor pessoa para responder essa pergunta. Sempre acho muito embaraçoso quando um ator descreve seu trabalho como difícil. Claro, às vezes é cansativo, você fica preocupada. Mas dizer: ‘Ah, é difícil ser ator’ é uma loucura para mim. É muito divertido. E a Bella é uma personagem alegre de interpretar.”

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Emma Stone e o diretor Yorgos Lanthimos nos bastidores do filme

Bella enfrentando os homens que tentam controlá-la

Emma Stone: “Eu não acho que ela esteja enfrentando os homens de alguma forma. Trata-se da experiência dela com as diferentes facetas da vida e do mundo, em diferentes cidades e ambientes. Não pensei que sua vida fosse definida necessariamente pelos homens. Mas considero todos os personagens masculinos fascinantes à sua maneira, com suas próprias camadas de como eles se relacionam com Bella, no que oferecem a ela, o que ensinam a ela e o que aprendem também. Mas os animais, a comida, a dança também fazem parte da jornada dela, Bella aprende com tudo.”

A relação com Godwin

Willem Dafoe: “O filme tem muitas camadas. É muito simplista dizer que ele tem um relacionamento paterno com Bella. Na verdade, ela representa uma nova esperança, não apenas para Godwin (papel de Dafoe), mas também para ela. Acho que Godwin se apaixona por ela de verdade. Mas não de maneira predatória ou sexual. Ele tenta controlá-la, mas acaba optando pelo amor superior porque reconhece que precisa deixá-la ir.”

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Foto: Yorgos Lanthimos, Courtesy of Searchlight Pictures. © 2024 Searchlight Pictures All Rights Reserved.

Um filme feminista

Tony McNamara: “Acho que nunca conversamos sobre o filme nesses termos. Para mim, sempre foi a história de uma mulher tentando controlar sua vida, e a sociedade como um todo tentando controlar suas ideias, seu corpo. Mas ela é um ser humano que não foi criado dentro das regras da sociedade e tenta viver sua vida o mais livremente possível. Bella parte para uma jornada e consegue permanecer o mais livre possível, mesmo que seja impactada pelas coisas e pessoas que encontra. Então, não falamos sobre feminismo, mas estávamos fazendo uma história sobre uma mulher tentando se criar.”

A recepção provavelmente seria diferente dez anos atrás

Yorgos Lanthimos: “O mundo mudou bastante nesse período em que estou tentando fazer o filme. Estamos percebendo como a posição que uma mulher tem na sociedade tem sido limitada e tentando mudar isso. Acho que isso ajuda muito a recepção que o filme tem tido. Dez anos atrás, eu ainda não tinha feito produções em inglês, então era mais difícil. Mas também acho que na época não entendiam por que era importante contar a história dessa mulher que está tentando traçar seu próprio caminho e simplesmente percorrer o mundo em seus próprios termos. Agora é compreendido como uma história essencial de ser compartilhada. As mentes das pessoas estão se abrindo.”

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Os figurinos são de época, mas nem tanto

Holly Waddington (figurinista): “Foi um grande quebra-cabeça. Houve um percurso muito distinto que tínhamos de mostrar no figurino. No começo, quando ela ainda está na casa de Godwin, usa peças de roupa bem infantis. E sempre tem algo faltando. É como se ela fosse uma criança, vestida pela babá de manhã. Muitas vezes está com combinações estranhas de roupas. Quando ela sai de casa e chega a Lisboa, não tem ninguém para vesti-la. Então, a princípio, ela usa sua roupa de viagem. Mas, depois de fazer sexo com Duncan, ela simplesmente sai com sua roupa de baixo. É engraçado, porque ela não pensa em vestir uma saia. Esse look é provavelmente o meu favorito no filme porque ela anda por Lisboa, entre as pessoas, usando aqueles trajes vitorianos ridículos, com espartilhos. E ela nunca usa espartilho. Ela monta suas combinações de uma maneira como ninguém mais está fazendo.”

Emma Stone: “Os figurinos ajudaram muito porque Bella, no início, usa roupinhas que parecem de criança. Depois, ela passa a se vestir à sua maneira. Conforme amadurece e se adapta ao ambiente, começa a usar roupas mais estruturadas. Os tecidos e as cores eram tão lindos. Havia muita reflexão por trás de tudo. Foi uma grande parte do desenvolvimento da personagem pois ela muda sua maneira de se expressar por meio de suas roupas.”

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