Vintage e anos 80: conversamos com a figurinista de “Sex education”

Daniella Pearman fala sobre os looks da quarta temporada da série da Netflix.


Aimee (Aimee Lou Wood) Foto: Samuel Taylor/Netflix © 2023.



Uma mistura de cores e sobreposições que flertam com os anos 80 e com o vintage marcam o figurino de Sex education. A quarta a última temporada da série da Netflix sobre um adolescente, Otis (Asa Butterfield), que abre uma clínica clandestina de terapia sexual em sua escola marca a estreia de Daniella Pearman na produção. A figurinista, com mais de 20 anos de experiência no cinema e na TV, teve o desafio de entrar em uma série com um visual já muito bem definido e afinar ainda mais os  looks dos personagens.

Nos novos episódios, Otis e seus amigos mudam da conservadora escola Moordale para a progressista Cavendish. Daniella aproveitou para usar ainda mais peças vintages e sustentáveis no figurino dos novos personagens. Confira a seguir nosso papo com a figurinista:


Como foi entrar para a equipe de Sex Education na quarta temporada?
Quando li o roteiro pela primeira vez, achei que a nova escola estava muito bem descrita. Comecei os moodboards e fiz tudo com uma pegada sustentável. Quis manter o estilo vintage que é a marca registrada de Sex Education. Pensei muito nisso, porque entrei em uma série que já tinha um visual bem estabelecido e marcante. Quis manter essa continuidade, mas também fazer os looks evoluírem junto com o roteiro. O design anterior era super vintage, bem anos 1980, inspirado pelos filmes do John Hughes (Gatinhas & gatões, 1984; Clube dos Cinco, 1985; Curtindo a vida adoidado, 1986). Tentei continuar nessa linha, mas também trazer algo diferente a esses personagens, porque a ideia era mostrar que, quando a turma do Moordale chega nesta nova escola, eles se sentem e aparentam ser meio alienígenas. Então, os alunos do Cavendish precisavam ter um visual diferente, e para eles, a marca registrada são roupas de segunda mão. Falei com uma colega que tem uma marca chamada Wild Folk, com roupas feitas de antigos cobertores e lençóis, e quis incorporar essas peças ao figurino da série. Usamos tecidos mais antigos para fazer novas peças. Não são coisas que você conseguiria comprar em lojas comuns, mas que parecem acessíveis para quem está assistindo.

“Entrei em uma série que já tinha um visual bem estabelecido e marcante. Quis manter essa continuidade, mas também fazer os looks evoluírem junto com o roteiro”

Essa sustentabilidade não tem a ver com a filosofia do pessoal do Coven, o grupo formado pelos alunos mais populares do Cavendish?
Sim. Teve um comentário em um dos roteiros sobre Abbi (Anthony Lexa) ter feito uma peça de roupa. Isso passa a mensagem de que sempre há formas de ter um look legal e com personalidade sem gastar muito e de forma ética. Os alunos do Moordale já tinham cada um seu próprio estilo. Então, o que precisei fazer com os novos personagens foi dar a eles estilos individuais também. Tem um casal muito interessante no Instagram, The Young Emperors, que se veste de forma muito similar e se identifica como gênero fluido. Escolhi um casaco para Abbi, e fizemos um jeans para Roman (seu namorado na série, interpretado por Felix Mufti) com a mesma estampa, para ressaltar essas conexões (à exemplo do casal Young Emperors). Isso dá aos personagens uma identidade própria, mas ainda dentro do mundo de Sex education.

 

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Como o visual dos personagens originais mudou desde o começo da série? E como esse look evoluiu durante esta quarta temporada?
Esse foi um desafio e tanto. Quando começamos as provas com os personagens recorrentes, analisamos o guarda-roupa de cada um para descobrir o que gostariam ou não de manter, e conversamos sobre o destino e a jornada dos personagens. A questão é que o tempo entre as temporadas é de poucas semanas. Do final da terceira para a quarta, se passam somente oito semanas. O bebê de Jean (Gillian Anderson, mãe e Otis e terapeuta sexual) ainda é recém-nascido. Então, não dá para mudar muito o visual de cada um. Seria estranho para o público, e é importante para os artistas sentirem que existe uma continuidade, porque eles estão nessa jornada com os personagens.
Por exemplo, Otis não tira aquela jaqueta (tricolor) por nada. E por que tiraria algo tão icônico? Mas isso também ajuda a história porque ele não está pensando no visual naquele momento. Tem muita coisa acontecendo na vida dele com a nova escola, a irmãzinha… Temos algumas pequenas mudanças, como quando ele enfrenta a rival O (Sarah Owen) para se tornar o terapeuta sexual oficial da escola e se veste um pouco mais como um profissional, mas a jaqueta está sempre lá.
Já Eric (Ncuti Gatwa) passa por uma grande transição durante esta temporada. Ncuti entrou totalmente na vibe sustentável. Essa mudança faz sentido na história, porque Eric sofre influência do Coven ao se aproximar do grupo, mas ainda mantém um pouco do próprio estilo.
No caso de Maeve (Emma Mackey), passamos as últimas três temporadas vendo bem a silhueta dos seus looks, então só demos uma refinada nessa ideia, porque ela foi para os EUA estudar e também conheceu pessoas mais velhas. E ela poderia ter ido a um brechó comprar uma nova jaqueta de couro. Para ela, apenas roupas de segunda mão. Tentei introduzir essa mudança de forma gradual para que não fosse um choque, mas a gente consegue perceber lentamente a influência dos novos amigos dos EUA. Foram pequenos detalhes, por exemplo, botas de cowboy em vez dos Doc Martens.
Para Aimee, transformamos os looks em algo mais artístico, porque ela agora está estudando artes.
E Adam está trabalhando em uma fazenda, por isso as novas roupas refletem essa mudança. Mas ele continua com a mesma jaqueta porque ainda não está pronto para mudar totalmente.
Foi um trabalho colaborativo muito lindo com os atores.

A figurinista Daniella Pearman

A figurinista Daniella Pearman Divulgação

Deve ser divertido vestir o Eric.
Nossa, é sim. E ele tem uma história tão interessante, porque está tentando conciliar a religião com a sexualidade. A igreja não o aceita como gay, então precisamos incorporar isso. Quando ele vai à igreja, nós o deixamos com um visual mais conservador. No colégio, ele já consegue se expressar mais, principalmente porque fica amigo da galera do Coven, que são pessoas com um estilo todo particular. Eric sempre usou muita estampa e, conforme ele vai explorando a própria identidade nesta temporada, isso também se intensifica. No primeiro episódio, por exemplo, ele veste uma peça com uma estampa nigeriana, mas em conjunto com a jaqueta com estampa de Picasso que ele já tinha há muito tempo. Ou seja, ele ainda tem algumas peças antigas, mas a gente consegue perceber a influência da viagem para a Nigéria (na terceira temporada). O resultado é toda a ousadia do Eric com um toque da sua herança cultural. Ele tem um anel nigeriano que achamos que seria legal ele ter trazido de lá. Fazemos a mesma coisa com todos os personagens: colocamos pequenas dicas para mostrar o que está por vir para cada um.

Voltando à jaqueta do Otis: Laurie Nunn, criadora de Sex education, já disse que não imaginou que ela se tornaria tão icônica e queria que tivessem comprado mais de uma no começo da série.
Sim, a original foi alugada de uma loja de figurino, mas tivemos que fazer uma idêntica porque ela fica coberta de vômito de bebê (quando Otis carrega a irmãzinha no colo, na quarta temporada). Tive a ajuda de uma profissional muito talentosa que encontrou a tinta certa para o tecido para que fizéssemos outra igual, porque para filmar todo dia acaba sendo necessário (outra peça).

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O visual inspirado em Brigitte Bardot de Aimee (Aimee Lou Wood) e a jaqueta que Otis (Asa Butterfield) usa desde o início da série Foto: Samuel Taylor/Netflix © 2023

Jean, que sempre esteve muito arrumada, agora tem um bebê recém-nascido em casa. Como foi essa transição no visual da personagem?
Tive uma conversa com a Gillian (Anderson) no começo, porque não queria mudar totalmente o visual da Jean, que já era tão icônico. O que quisemos destacar por meio do figurino e da maquiagem foi a exaustão da personagem. Mostrar que ela tinha acabado de ter um bebê e não estava tão bem com a situação quanto gostaria. Por outro lado, em algumas cenas, ela está tentando parecer forte por conta do trabalho, então conseguimos manter esse estilo arrumado e profissional, mas com um toque de vulnerabilidade.
Tentamos manter a silhueta que sempre tivemos, que é muito clássica e elegante, mas escolhemos peças mais práticas, talvez pensando na amamentação, como um macacão ou uma blusa de botões, porque não é da natureza dela andar desarrumada também. Não queríamos que parecesse que ela pegou uma roupa qualquer do chão e colocou.

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E Ruby? Ela tem um novo guarda-roupa que combina com o fato de ter se tornado gerente da campanha do Otis para ser o novo terapeuta sexual da escola?
Sim. Quando lemos essa história, tanto eu quanto a Emily (Bilverstone), a maquiadora, pensamos: “Nossa, ela vai ser como a Cher em As Patricinhas de Beverly Hills (1995) ou Elle Woods em Legalmente loira (2001), de sainha e óculos”. Ruby acha que parece intelectual, mas o visual dela é muito glamoroso. Mimi (Keene), que interpreta Ruby, fica bem em tudo, então não foi difícil vesti-la.
Ruby vai para o Cavendish e acha toda essa “bondade” estranha para ela. As roupas sempre foram como uma armadura, tentavam demonstrar a confiança que ela não sentia internamente. Não importa o que aconteça com a Ruby, ela sempre teve confiança na forma como se veste.

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A jaqueta amarela de Ruby (Mimi Keene) Foto: Samuel Taylor/Netflix © 2023

Quais roupas das últimas três temporadas você acha que foram mais icônicas?
Com certeza, a jaqueta de couro da Maeve. Emma (Mackey) e eu falamos sobre precisar nos afastar dessas jaquetas icônicas. Usamos então uma versão com franjas em uma cena, mas ela queria sair um pouco dessa ideia, sem ir muito longe. É a mesma coisa, mas um pouco diferente, porque Maeve está crescendo e a vida dela está mudando.
A jaqueta amarela de Ruby também é icônica. Mesmo com os personagens avançando na trama, é importante manter alguns desses elementos que os fãs das antigas vão reconhecer.
Acho que Aimee foi a personagem que mais mudou. Demos a ela um certo ar de Brigitte Bardot, mais artístico, com um macacão e uma boina. A personagem se desenvolveu muito e isso foi importantíssimo para a história dela, que precisava lidar com o abuso que sofreu.

Você mencionou o estilo dos anos 1980, mas também tiveram influências dos anos 1960 e 1990.
É, e essa é a melhor parte desse trabalho: não existem regras. É atemporal, em todas os anos da série. Temos influências de todas as décadas, que é um pouco como as pessoas se vestem hoje: uma mistura de várias eras, porque com os brechós é possível montar looks de diversas épocas. Acho que nosso look é bastante acessível para as pessoas que estão assistindo em casa: você pode não conseguir encontrar a mesma roupa, mas consegue com certeza algo parecido. E acho que essa é a beleza, porque aí você também não fica igual. Cada um tem a sua individualidade, e essa é a graça. É muito divertido se vestir.

A atriz Gillian Anderson segura um bebê em cena de "Sex education)

O visual de Jean (Gillian Anderson) em casa Foto: Thomas Wood/Netflix © 2023.

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