4 projetos que redefinem o conceito de casa no mato

Construções inovadoras promovem uma integração à natureza com conforto e originalidade.


Casa no mato vista de cima
Casa Monóculo, projeto de Alan Chu em Alto Paraíso (GO). Foto: Divulgação



Desmatamento, poluição, inteligência artificial, carga horária de trabalho excessiva, fake news, grandes cidades com inúmeros problemas habitacionais e sociais… Se, ao ler essas primeiras linhas, deu vontade de fugir para uma casa no mato, a gente entende.

Há 170 anos, o filósofo e naturalista Henry David Thoreau viveu um dilema parecido. Nos fervilhantes Estados Unidos do século 19, com o país à beira de uma guerra civil e movimentado pela disputa de territórios, ele fez exatamente isto: se mudou para uma cabana no meio do nada.

Thoreau relata essa experiência no livro Walden ou a Vida na Floresta, de 1854. Durante dois anos, dois meses e dois dias, ele viveu nos bosques de Walden. Nesse tempo exato e cronometrado, colocou de pé seu experimento: testar um modo de vida autossuficiente, com uma economia doméstica alternativa, enquanto catalogava plantas e contemplava a natureza, em uma jornada de descoberta individual de espiritualidade.

Quase dois séculos separam o livro e o momento atual e, apesar de parecerem muito distantes, a sensação é a mesma, pois tudo hoje nos leva a sonhar em seguir os passos de Thoreau.

Entre inúmeros problemas e traumas, a Covid-19 também deixou como um de seus legados algo próximo do pensamento do filósofo: a consciência de quão necessário é estar perto da natureza.

“A pandemia trouxe o silêncio. A necessidade dessa conexão se tornou clara, uma vez que a gente experimentou, mesmo que forçadamente, outra vivência. É algo que parecia muito distante. Na verdade, éramos ignorantes sobre essa possibilidade”, afirma Iza Dezon, fundadora e diretora da consultoria de tendências Dezon. “Essa pausa nos deu a oportunidade de repensar alguns parâmetros. A dinâmica urbana de estar always on não é produtiva. E, quando a gente olhou para dentro, abriu-se um mundo”, completa.

Dessa nova consciência, surge uma demanda por espaços que permitam momentos de escapismo – uma tendência que se mantém mesmo três anos depois do lockdown em seu momento mais severo. A arquitetura, desde então, responde a esse estímulo com projetos focados na reconexão com o planeta, ideais para quem busca um refúgio isolado dos problemas mundanos ou só deseja se afastar um pouco das telas, mais presentes do que nunca, mesmo com a volta do trabalho presencial.

Conheça, a seguir, quatro projetos que vão provocar o seu desejo por se desconectar, diminuir o ritmo de vida e respirar. Uma busca por sossego e autoconhecimento que vale muito a pena.

Na altura do céu

 

casa no mato

Casa Monóculo: construção a 5 m de altura. Foto: Vitor Hugo

Construída em Alto Paraíso (GO), a Casa Monóculo foi feita para quem quer tirar os pés do chão. Literalmente! A construção está a 5 m de altura. Para chegar até ela, é preciso subir uma escada, que serpenteia no meio das árvores até o seu platô. É assim que os visitantes conhecem o “monóculo”.

O nome, que remete ao objeto antigo, com lente de aumento, para visualizar fotografias, batizou a casa por lembrar seu formato e dar uma sensação de amplitude e liberdade quando se caminha de uma ponta a outra em seu interior. De um lado, o pé-direito tem 3 m. Do outro, em que a abertura dá para a copa das árvores, a estrutura chega a 4,50 m.

“A ideia é passar por uma espécie de descompressão nesse trajeto, que vai da escada até chegar à vista descortinada para a mata e para o céu”, explica o arquiteto Alan Chu, responsável pelo projeto. 

O principal componente mágico, segundo ele, é a possibilidade de viver experiências transformadoras diante da paisagem do cerrado, acompanhando a luz do dia, vista por cima das árvores. “A arquitetura tem a capacidade de proporcionar componentes do sagrado ao permitir uma estrutura de contemplação. A casa foi feita com essa finalidade.”

Conforto para o corpo e a alma

 

casa no mato

Cabana construída para a mãe de designer virou modelo reprodutível. Foto: Divulgação

Após viver um momento familiar delicado, o físico e designer holandês Caspar Schols desenhou e colocou de pé, mesmo sem conhecimento em arquitetura, o primeiro protótipo da cabana ANNA, um refúgio para a sua mãe. 

casa no mato

As paredes deslizam e abrem a casa para o verde. Foto: Divulgação

O projeto foi um marco na reconstrução emocional dos dois e acabou tendo como objetivo reestruturar suas raízes. Caspar só não contava que, alguns anos depois, seu desenho virasse um case de sucesso e um modelo reprodutível de habitação imerso na natureza. A cabana possui paredes deslizantes, que se movimentam para a frente e para trás.

Ao abri-las, o interior e o exterior se integram. “Essa casa nos pega pela mão e nos reconecta com a paisagem, o que acredito ser de extrema importância para a nossa saúde e a do planeta”, explica Schols. A casa, de 30 m², é modular e feita para provocar o mínimo impacto possível na natureza, o que permite que ela seja instalada em qualquer lugar – de preferência, com uma paisagem deslumbrante ao redor.

Diálogo natural

 

casa no mato

Montada em Montevidéu, a casa foi transportada até uma clareira no bosque. Foto: Divulgação

Referência em construções pré-fabricadas, o estúdio de arquitetura uruguaio-brasileiro MAPA soma uma variedade de refúgios em seu portfólio. Um dos focos é investigar a industrialização de casas modulares, feitas para transformar a arquitetura em lugares remotos e com condições climáticas sensíveis. Um desses projetos está na região de La Juanita, em José Ignacio, Uruguai.

Montada em uma fábrica em Montevidéu e transportada pronta até uma clareira no bosque, a cabana foi criada para não prejudicar a natureza. Nada, no entanto, que a impeça de oferecer total conforto a seus habitantes.

casa no mato

No interior, o clima é aconchegante e intimista. Foto: Divulgação

“Buscamos maximizar a experiência. A ideia é proporcionar espaço para que os visitantes a usem como um abrigo íntimo, de reunião, em alguns momentos e, em outros, se sintam livres, totalmente expostos à natureza”, conta Matías Carballal, sócio fundador. Isso acontece porque a parte social está totalmente separada da área íntima. Ela conta apenas com aberturas de vidro estratégicas na estrutura metálica.

“O melhor de criar projetos como esse é poder explorar soluções arquitetônicas que dialoguem e amplifiquem os contextos naturais nos quais se inserem”, define Carballal.

A caminho do mar

 

casa no mato

Em um deque sobre a areia, o projeto dispensou o uso de concreto. Foto: Divulgação

Criado para um casal de profissionais criativos que se mudou de Los Angeles, nos Estados Unidos, para a pacata Dolphin Sands Beach, na Tasmânia, Austrália, esse estúdio de 36 m² foi projetado com a intenção de ser um espaço de retiro para os moradores.

Longe do barulho e das demandas cotidianas, o refúgio, desenhado pelo escritório australiano Matt Williams, se tornou um lugar de calma e paz, onde a arquitetura vai além da funcionalidade pura e se transforma em um elemento incrustado no limite entre a areia e o oceano.

casa no mato

As grandes janelas deixam a visão livre para ver as ondas. Foto: Divulgação

“Viver aqui já é uma forma de meditação”, resume Williams. O módulo remete ao desenho de uma tenda no deserto e foi estruturado com um deque de madeira elevado sobre uma duna de areia, pouco antes de chegar à praia, permitindo que fauna e flora continuassem tomando conta do lugar, sob a casa e ao redor dela.

O projeto dispensou o uso de concreto ao optar por painéis de compensado naval no interior e revestimento de limestone no piso. O grande destaque é a janela panorâmica diante da cama, pensada para os momentos em que a única preocupação é olhar as ondas.

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