Primeiro, foi o voto. Depois, o acesso à educação. Então, a sexualidade e os direitos reprodutivos. Todas as conquistas das mulheres ao longo do último século desembocam em uma pauta que precisa ser dominada para que possamos avançar mais em todos os campos: dinheiro. A vulnerabilidade econômica das mulheres está associada a fatores históricos e culturais. “Os valores atribuídos ao feminino passam longe da questão financeira”, diz a planejadora financeira Flávia Montoro, da consultoria Financere.
As mulheres trabalham fora há décadas, mas convivem ainda hoje com a insegurança financeira. Sua renda é menor que a masculina, um abismo que cresce quando se acrescentamos a variável racial à análise: o rendimento médio de um branco é mais que o dobro do de uma negra. Só 28% das brasileiras – ante 38% dos homens – conseguem guardar algum dinheiro durante o ano. Entre as mais pobres, nas favelas, o problema é muito pior: 73% das mães não têm nenhuma poupança para manter os gastos sem trabalhar por um dia que seja.
As mulheres sabem que precisam de renda. Não por acaso, são 44% dos profissionais com carteira assinada no Brasil. “No entanto, ainda não internalizaram que são elas que devem cuidar do que ganham”, diz Denise Damiani, consultora financeira e autora do livro
Ganhar, Gastar, Investir: O livro do dinheiro para mulheres. Ocorre que quem tem o dinheiro faz as regras, e ditar as próprias regras é um desejo latente de muitas gerações. Efetivamente, é isso que muda quando uma mulher consegue ser financeiramente independente – e empoderada.
Bolso tranquilo = Liberdade de escolha
A autonomia econômica oferece às mulheres a chance de escolher. Pode ser um elemento decisivo na hora de repensar um casamento e eventualmente deixar um relacionamento que já não dá certo. A dependência financeira costuma ser um impeditivo nesses casos, até mesmo para quem está em uma relação abusiva. Dentre as mulheres vítimas de violência doméstica que permanecem convivendo com o agressor, 34% dependem economicamente dele. Não significa, necessariamente, que não tenham renda própria. Não são raras aquelas que, embora trabalhem, não têm o controle sobre o que ganham. “Muitos casos não são denunciados exatamente por conta da dependência”, diz a planejadora financeira Letícia Camargo.
As mulheres financeiramente empoderadas também podem ampliar suas opções profissionais. Têm mais chances de ser bem-sucedidas em uma trajetória empreendedora. Mais da metade das empresas abertas nos últimos anos foram criadas por mulheres, mas nem sempre esse caminho é exatamente uma escolha. O empreendedorismo por necessidade é a realidade de 48% das que enveredam por aí, um percentual que cai para 37% entre os homens. Sobra pouco espaço para pensar em um novo negócio a partir das oportunidades enxergadas nos mercados mais promissores.
O empoderamento econômico também permite às mulheres alçar voos mais altos nas suas carreiras. Existem dezenas de teorias que procuram explicar as razões pelas quais tão poucas delas alcançam o alto escalão da hierarquia corporativa. Só 13% das empresas têm presidentes mulheres, por exemplo. A insegurança financeira é um dentre muitos fatores. “Avancei na vida profissional como executiva de multinacionais, e sempre me perguntei por que outras mulheres também não seguiam em frente na carreira”, diz Denise. Em seu círculo de trabalho e convivência, as respostas invariavelmente envolviam o medo de arriscar, não ser bem-sucedida e acabar perdendo o emprego. “Elas diziam que não podiam correr o risco de ficar sem trabalho porque não tinham guardado dinheiro ao longo das suas vidas”. Não se sentiam seguras para abraçar uma oportunidade que eventualmente lhes permitiria ganhar mais.
Protagonismo financeiro
É mais simples fazer escolhas – como ter ou não filhos, em que cidade onde morar, trabalhar com o que gosta ou como manter um relacionamento – para as mulheres que assumem a frente dos seus próprios bolsos. Mas essa ainda não é uma realidade generalizada.
Um levantamento com mulheres investidoras mostra que 85% delas se responsabilizam pela administração das despesas diárias da casa, mas apenas 33% tomam a dianteira das decisões financeiras de longo prazo da família, como onde investir. “É muito importante que as mulheres tenham protagonismo em suas finanças, seus investimentos e seus recursos.O desafio é a falta de interesse e de conhecimento”, diz Letícia.
85% das mulheres se responsabilizam pela administração das despesas diárias da casa, mas apenas 33% tomam a dianteira das decisões financeiras de longo prazo da família.
Como costumam ser menos expostas aos assuntos ligados ao dinheiro ao longo da vida, as mulheres naturalmente encontram barreiras maiores para desenvolver fluência no assunto. A boa notícia é que as oportunidades para aprender sobre finanças se multiplicam no mesmo ritmo em que elas despertam para suas próprias vontades. E ele é acelerado.
As ferramentas de comunicação estão ajudando nisso. “Há cada vez mais mulheres se reunindo em grupos que abrem possibilidades de conversas e trocas de experiências. As dúvidas e as inseguranças que antes elas guardavam para si agora encontram eco nas histórias de outras mulheres”, afirma Denise. “Só mudamos a maneira como pensamos e agimos quando estamos dispostas a ouvir, pensar e tomar decisões. Conversas amorosas, que não envolvam exigências ou expectativas, espaços de reflexão e muita informação são o caminho quando o assunto é dinheiro”.
Mas como começar?
Ter saúde financeira demanda um esforço de cuidado com o próprio bolso semelhante ao empregado em outras esferas da vida. “É como comer direito, fazer exercícios físicos e exames regulares para ter boa saúde física”, explica Letícia. Por isso, ativar o interesse por finanças é um primeiro passo para rumo à autonomia econômica. É preciso aprender conceitos básicos — tão elementares quanto receita, despesa e orçamento — e desenvolver disciplina para aplicá-los cotidianamente.
Quanto mais as mulheres forem capazes de assumir o protagonismo nesse aspecto, menos vulneráveis estarão em todos os outros. “Desde cedo, entendi que ter liberdade para qualquer coisa exige ser dona do próprio dinheiro”, diz Denise. “Não existe empoderamento feminino sem empoderamento financeiro.”