“Alô, alô, marciano! Aqui quem fala é da Terra. Pra variar, estamos em guerra. Você não imagina a loucura. O ser humano está na maior fissura. Está cada vez mais down in the high society! A crise tá virando zona. É cada um por si, todo mundo na lona.” A faixa poderia ter sido lançada nas plataformas de streaming agora, mas ela é parte do álbum Saudade do Brasil, de Elis Regina, gravado há 40 anos. A conversa espacial, caricata e infelizmente atual, ganhou fama também na interpretação de Rita Lee, fazendo graça da decadência burguesa.
Gustavo Balducci
A referência a extraterrestres em músicas brasileiras está nas marchinhas de Carnaval, como “o disco voador que vai, vai, vem, vem, e desaparece no além”, mas principalmente no rock experimental e no rock psicodélico do país da década de 1970. A própria Rita Lee falou sobre o tema em “Disco Voador”, música escrita com o parceiro Roberto de Carvalho, que conta da “luz azul que viu pela janela”. Arnaldo Baptista, também dos Mutantes, fez em 1987 um álbum solo em homenagem às espaçonaves. Cantou “I’ve seen a flying saucer, yeah…”, em “OVNI”, enquanto soltava pensamentos sobre tecnologia, psicodelia e humanidade.
Mas muito provavelmente o maior representante do tema seja Raul Seixas. O cantor baiano é dono de composições como “SOS Disco Voador” e “Ouro de Tolo”, na qual fala de um sujeito que não se dá por satisfeito em “saber que é humano, ridículo e limitado” e que não ficará em seu apartamento esperando a morte chegar, porque “para além das cercas embandeiradas que separam quintais, no cume calmo do meu olho que vê, assenta a sombra sonora de um disco voador”.
Gustavo Balducci
Põe na conta do ET
As citações alienígenas têm algumas explicações. Há possibilidades quase filosóficas do indivíduo que, ao encarar profundamente a própria existência, deseja uma outra existência possível, imaginária, de outro mundo até. Mas há ainda explicações mais substanciais da obsessão pelo além-céu: o debate espacial, com o desenrolar da Guerra Fria, trouxe o tema para os assuntos políticos e que de alguma maneira respingou nas produções culturais.
De toda forma, há músico que jure de pé junto ter sido contatado.
Chico Buarque disse que viu, em uma noite de junho de 1975, discos voadores na Gávea. Baby do Brasil conta que não só já foi abduzida como voltou com um infeliz galo na testa daquela viagem espacial. E “Estes Discos Voadores Me Preocupam Demais”, de Zé Ramalho, não é a única música do cantor com referência a extraterrestres. “Avôhai”, segundo ele, uma canção em homenagem ao seu avô, foi sussurrada em seu ouvido por uma voz, depois de ele ter visto no céu a sombra de uma enorme espaçonave. Ramalho fala abertamente que acredita em seres extraterrestres como também em intraterrestres. Ou seja, os que já estão entre nós.
Mas o que acontece principalmente é a queda pelo sideral como um artifício de imagem, como metáfora para aquilo que não cabe neste mundo. Erasmo Carlos, por exemplo, já cantou que um ovni levou o seu “broto” daqui. Ou teria sido mais fácil jogar nas costas do ET a responsabilidade por ter sido largado? Algo parecido acontece em “Formigueiro”, do grupo Timbalada, na qual um ovni também fisga a amada, que até então curtia o Carnaval na avenida. Já em “Não Identificado”, de Caetano Veloso, que ganhou vida com Maria Bethânia e Gal Costa, a canção de amor “deve ser lançada no espaço sideral, para que a paixão brilhe na noite, no céu de uma cidade do interior, tal qual um objeto não identificado”. Essa foi a imagem bonita para a extensão incalculável do que se sente por alguém. O universo daria conta.
Já a inocente canção de amor “Papoulas e Arco-Íris” nunca teve a chance de virar hit — e seu compositor, Jorge Mautner, até hoje não deve ter entendido por que a música foi censurada pelo regime militar. O fato é daqueles de rir para não chorar: ainda que não exista qualquer sinal de ovni na canção, ela foi impedida na época por seu conteúdo com “vibrações extraterrestres”. A obsessão alienígena aqui pegou até o militar!
Gustavo Balducci
Ficção contra a opressão
É principalmente a partir das décadas de 1960 e 1970 que a literatura brasileira vai ter algum tipo de influência de outro planeta. De acordo com o pesquisador e escritor Roberto de Sousa Causo, trata-se de um movimento com “ondas de utopia e distopia”, no qual autores vão se infiltrar ainda mais nos gêneros de ficção científica e de fantasia (alô, filhos de George Orwell!), principalmente para criticar regimes autoritários. No Brasil, o foco era a Ditadura.
A ficção científica no Brasil foi inaugurada com O Doutor Benignus, de Augusto Emílio Zaluar, publicada em formato de folhetim no século 19. Ganhou força na segunda metade do século 20, com autores como Jerônymo Monteiro. Em Os Visitantes do Espaço, Monteiro escreve sobre extraterrestres “semelhantes a enormes rabanetes vermelhos”, que aterrissam em Goiás para roubar hidrogênio da nossa atmosfera, numa curiosa semelhança com os colonizadores. De acordo com estudo do filósofo Renato Pignatari, a obra de Jerônymo discute um aspecto social dos avanços científicos, sendo o escritor contrário à tecnologia desvinculada de princípios éticos e morais. Dinah Silveira de Queiroz foi outra importante precursora desse gênero literário no Brasil, na década de 1960. Destaque especial para Eles Herdarão a Terra, no qual alienígenas que já estão entre nós aguardam o momento de tomar conta de tudo.
O fato de não ver ET também entrou para a história da literatura brasileira, como no poema Falta Um Disco, de Carlos Drummond de Andrade. Nele, o mineiro se queixa ao seu amor, pois é “o único brasileiro vivo que nunca viu um disco voador”.
Há ainda quem pense que viu, mas não viu. E mesmo assim a história rendeu. No livro Vida de Cinema, o cineasta Cacá Diegues conta que em uma noite, em União dos Palmares, Alagoas, foi fisgado por uma luz azul flutuando no horizonte. Pensou ser um disco voador, mas era só um aparelho de televisão no centro de uma praça pública. A visão inspirou o filme Bye Bye Brasil, de 1980.
Para além do recente Bacurau, com seu drone em formato de espaçonave, a imagem alienígena em nosso cinema é tímida, mas se faz presente. Está, por exemplo, em Brasil Ano 2000, de 1968, filme de Walter Lima Jr., do Cinema Novo. No longa, referências brasileiras arcaicas andam lado a lado do ultramoderno, num futuro distópico. Mas a verdade é que nas telonas os ETs costumam aparecer em produções menos cabeçudas (com todo o perdão do trocadilho). Como a chanchada Eteia, a Extraterrestre em sua Aventura no Rio, de 1984. Ou no recente Cine Holliúdy 2: a Chibata Sideral, de 2018, com direito a um Lampião enfrentando alienígenas. Neste milênio, os ETs também conquistaram as redes sociais: no Instagram, o humorista Jefferson Schroeder faz sucesso com as personagens Cocola e Etela, que conversam em uma linguagem muito própria, cada uma de sua esquina da galáxia virtual.
Gustavo Balducci
Visitantes famosos
Na TV, o personagem Etevaldo, de Castelo Rá-Tim-Bum, da TV Cultura, com interpretação de Wagner Bello, ficou na memória afetiva de muitas crianças. Com ele, os seres de outro mundo não pareciam tão assustadores assim. Mas as abordagens sensacionalistas do noticiário televisivo e em programas interessados em alavancar a audiência acabaram com a credibilidade da maioria dos ETs por aqui. Com isso, os principais episódios brasileiros de possíveis contatos caíram num limbo de ceticismo. Mas persistem no imaginário popular brasileiro o ET de Varginha, de 1996, e O Caso da Ilha da Trindade, em que um ovni teria sido fotografado por Almiro Baraúna, no Espírito Santo, em 1958. Ou ainda o voo 169 da Vasp, de 1982, no qual piloto e passageiros relataram ter visto um objeto voador não identificado enquanto viajavam. A veracidade de todos esses registros, feliz ou infelizmente, não confirmada.
Há um episódio, entretanto, que envolve o Brasil numa missão espacial e é 100% real: em 1997, a voz grave de Beth Carvalho soou duas vezes em Marte com a canção “Coisinha do Pai”. A gente não sabe se os extraterrestres ouviram, mas, de qualquer modo, é um samba bom demais para fazer contato.