Tudo começou com um divórcio. De repente, Regina Politi estava separada, tinha nas mãos o dinheiro acumulado durante uma vida – e não sabia o que fazer com ele. Investimentos não eram a sua praia até então, o ex-marido cuidava de tudo. Qual seria o primeiro passo? Ela começou fazendo o que normalmente fazemos quando nos vemos diante de um dilema: pediu ajuda para as amigas.
Simone Wajman e Marilene Nigro tinham experiência, porque já há alguns anos administravam o patrimônio das suas famílias. “Passamos a nos encontrar algumas vezes por mês para estudar juntas. Mesmo nós, que já conhecíamos sobre finanças, sentíamos que precisávamos aprender mais”, conta Simone. Era 2017, e quando as amigas das amigas souberam que o trio se reunia para estudar também se interessaram. Logo, aquele se tornaria um grupo de 20 mulheres que se encontravam semanalmente com um objetivo em comum: investir melhor.
Não é raro ouvir histórias de mulheres que só começaram a se preocupar com o próprio dinheiro quando se viram totalmente sozinhas. Uma mistura de insegurança e falta de conhecimento causa uma espécie de paralisia, que conduz a situações inusitadas. “Muitas mulheres, mesmo separadas, deixam na mão dos seus ex-maridos as decisões sobre seus investimentos”, diz Débora Scolmeister, sócia do escritório de investimentos Integra Invest. “Finanças são um assunto árido com o qual elas, frequentemente, não querem ter de lidar”.
Autonomia financeira
A pouca autonomia das mulheres em relação a dinheiro já era um problema no passado, embora muitas vezes ele fosse camuflado por uma suposta segurança financeira assegurada pelo casamento. Faz tempo, no entanto, que isso deixou de fazer sentido: enquanto grupo, na média, as mulheres já passam mais da metade das suas vidas adultas solteiras, segundo um levantamento do Centro para Pesquisa da Aposentadoria do Boston College. Mas como virar esse jogo se apenas 55% delas (contra 66% dos homens, segundo pesquisa do Banco Central) se sentem capazes de administrar sozinhas as suas finanças pessoais?
Grupos como o que Regina, Simone e Marilene começaram – e que acabou batizado Grupo Independente de Mulheres Investidores (GIMI) – podem ser uma das respostas. A cada encontro, elas elegiam um tema para estudar, contratavam um professor que as guiasse dentro do assunto e faziam visitas a bancos, corretoras de valores, gestoras de fundos, escritórios de advocacia – o que fizesse sentido para tangibilizar o aprendizado. “Na troca de experiências durante os encontros as mulheres se fortalecem. A cada conversa, elas despertam para um tema diferente dentro do grande universo das finanças”, diz Simone. Uma das principais vantagens é a sensação de estar entre iguais, o que dá confiança de perguntar e se expor. “Dinheiro, nas famílias, costuma ser um tabu. É preciso desmistificar esse assunto”.
A internet aproxima
É o que Elaine Fantini percebe no grupo que criou com a amiga Anita Delmonte há três anos, o Sovinas – esse, um nativo digital. Abrigado no Facebook, ele soma mais de 4.000 integrantes, sendo a maioria mulheres entre 25 e 44 anos. “Muitas relatam que ali se sentem à vontade para fazer qualquer pergunta sem serem criticadas”. Ver a experiência de outras colegas e aprender com elas também é uma motivação importante para que deem o primeiro passo. E, o principal: a troca ajuda a aprender de maneira mais fácil.
E aprender é o que elas, excluídas da conversa sobre dinheiro, patrimônio e poder durante séculos, mais precisam. Um levantamento realizado no início deste ano pela Finra (órgão de autorregulação do mercado financeiro dos Estados Unidos) indica que 40% das investidoras americanas têm baixo conhecimento sobre investimentos, em comparação com 26% dos homens investidores. O resultado se baseou nas respostas dadas em um pequeno questionário com 10 perguntas técnicas sobre o assunto. Ao mesmo tempo, o estudo identificou que 21% dos homens têm conhecimento elevado sobre investimentos. Entre elas, a fatia é de 8%.
Como conhecimento e confiança caminham juntos, não é surpresa que apenas 34% das mulheres que participaram do estudo da Finra se sintam confortáveis para tomar decisões sobre investimentos, um percentual que chega a 49% entre os homens.
Dúvidas e mais dúvidas
Em geral, segundo Elaine, as mulheres que procuram o Sovinas querem entender melhor sobre investimentos para poder aplicar por conta própria. “As dúvidas iniciais são as mais recorrentes: como começar a investir, qual a melhor corretora, como montar a reserva de emergência”, explica. “Mas, como o grupo é muito heterogêneo, também surgem perguntas em relação a fundos de investimento e ações, assim como criptomoedas”. Além de permitir trocar ideias e esclarecer dúvidas pela rede social, o grupo promove eventos presenciais esporadicamente (suspensos por conta da pandemia) e até já organizou um clube do livro, com discussões mensais sobre as leituras de investimentos feitas pelas participantes.
A demanda por conhecimento é tão grande que, no caso do GIMI, virou negócio. Desde o início deste ano, as amigas unidas nas finanças por conta de um divórcio oferecem cursos online e trilhas de conhecimento para outras mulheres. “Muitas vezes é o primeiro contato que elas têm com o assunto. Elas precisam perder a vergonha”, diz Simone. Perguntar, na cara dura, é o principal conselho que Débora deixa para as mulheres que desejam se aproximar do mercado financeiro, seja para investir, seja para trabalhar. “Não devemos ter medo nem vergonha de perguntar o que queremos entender. Pergunte o quanto for necessário para decidir só quando se sentir confortável”.