Karlie Kloss, Gisele Bündchen, Joan Smalls, Katy Perry, Penélope Cruz, Juliane Moore, Rosie Huntington-Whitely, Jennifer Lopez, Kim Kardashian e Bella Hadid. Essas são apenas algumas das celebridades que, na maioria de suas aparições em tapetes vermelhos mundo afora, convocam o vietnamita, radicado em Nova York, Hung Vanngo para assinar a maquiagem da noite em questão
Antes do estrelato, no entanto, Vanngo viveu em um campo de refugiados na Tailândia aos 8 anos de idade. Depois disso, conseguiu se mudar para o Canadá e, aos poucos, foi trabalhando para, finalmente, criar raízes na Big Apple. Em entrevista exclusiva à ELLE Brasil, ele recontou a experiência que o catapultou para o sucesso. Sua primeira grande cliente foi a top dinamarquesa que fez história nos anos 1990 Helena Christensen. “Fiz um editorial com ela para a Numéro Tokyo e, depois disso, não nos separamos mais. Ela sempre me pedia para trabalhar nas fotos que fazia e me indicou para muita gente importante”, relembra o beauty artist, que, em uma dessas, encontrou a atriz Camilla Belle, que, finalmente, abriu as portas para ele no mercado hollywoodiano.
Não demorou para que Vanngo transformasse essas primeiras oportunidades na lista VIP de clientes que ele tem hoje. O segredo para conquistar todas essas atrizes, cantoras e modelos é uma maquiagem refinada, eficaz e que se esforça para fazer aflorar a confiança no lugar de esconder supostos defeitos. “Acho que há sempre um véu de glamour em tudo o que eu faço”, diz. “Às vezes, você trabalha com uma pessoa que usa pouquíssima maquiagem (como é com a Gisele) e, mesmo assim, eu preciso deixar a minha assinatura ali, só que sem desrespeitá-la. A gente conversou e chegou a um resultado para ela no MET Gala, que, no fim das contas, fez sentido para ambos.” Para capas da primeira era da ELLE no Brasil, ele maquiou personagens como Georgia May Jagger, Coco Rocha, Miranda Kerr, Hailey Baldwin, Maria Borges e Hanne Gaby Odiele.
Fã do icônico maquiador norte-americano Kevyn Aucoin, responsável pelo visual escultural das supermodels da década de 1990, Vanngo parece trabalhar no meio-termo exato entre a cultura do contorno — tão popular entre os youtubers de beleza — e a pele glossy, que ganha cada vez mais espaço entre as influencers do Instagram. Apesar de usar muitos produtos para compor um só look, o resultado é sempre muito natural e extremamente bem acabado. Para entender do que estamos falando, basta acessar o seu novíssimo canal no YouTube. “Eu não entrei nessa para ficar ditando o que as pessoas devem ou não fazer. Quero dividir o meu conhecimento, mostrar a minha abordagem, o meu estilo. Tem que ser legal para quem assiste, mas tem que me instigar criativamente também.” São vídeos de quase 20 minutos que explicam cada passo, cada técnica, cada produto. Sem pressa e com um profissionalismo pouco comum à plataforma. Na sequência, falamos mais sobre seu trabalho, a nova fase em frente às câmeras e a relação cada vez mais ambígua da indústria de beleza com as redes sociais.
Você já consegue se chamar de “youtuber”?
Ainda não! (risos) Mas acho que não tenho mais como escapar, né? Na verdade, eu sempre quis fazer YouTube. Adoro as redes sociais! Pode perguntar para a Susana (Barbosa, nossa diretora de redação), ela sabe que eu fico filmando tudo o que acontece no backstage de uma foto. Enquanto meu rosto não está na frente das câmeras, tudo certo para mim. Difícil foi vencer a timidez e virar esse jogo na hora de ir para o YouTube. Por exemplo, eu detesto a minha voz, acho que as minhas mãos são muito grandes e sei que tenho um sotaque mais carregado. Todos nós temos as nossas inseguranças e essas são as minhas. Fazer o quê? Mas fico muito feliz com a recepção dos vídeos por lá. Tem gente até que fala que gosta da minha voz! Vai entender…
Em que momento você tomou a decisão de entrar para o YouTube?
A verdade é que a minha audiência já me pede isso há muito tempo. Há pelo menos dez anos, na verdade. Só não rolou antes porque, uma vez, eu fiz um teste para um trabalho grande, em vídeo, e eles mandaram um e-mail para o meu agente dizendo o seguinte: “Olha, adoramos o Hung, mas, infelizmente, não vamos conseguir trabalhar com ele por causa do tamanho das mãos e da voz”. Pegaram exatamente as minhas inseguranças. Depois disso, deixei a ideia do YouTube totalmente de lado. Anos mais tarde, após muita reflexão, entendi que o que eu queria com o YouTube era oferecer algo que as pessoas já estão pedindo para mim. É um presente para quem tem me acompanhado até aqui. Então, não há razão para não fazer. Queríamos lançar o canal desde março. A estreia estava agendada para acontecer logo depois da Semana de Moda de Paris. Só que daí veio a pandemia e a gente só conseguiu voltar agora.
“Eu sempre falo que maquiagem é uma coisa muito, muito pessoal. O meu canal é feito para dividir minhas técnicas, minhas inspirações, minhas ideias com quem me segue. Não para impor regras.”
Acho muito legal que você conversa com as modelos no seu canal e que, em geral, vocês discutem assuntos bem importantes sobre beleza. Como você chegou a essa dinâmica de vídeo?
Eu sempre dou a opção para as modelos falarem ou não. Algumas preferem só ficar ali na cadeira e tudo bem também. Tanto que tem vídeos em que a modelo conversa e tem outros que não. Acho que o meu objetivo é fazer com que a minha convidada sempre se sinta confortável. A proposta é que tudo seja o mais orgânico possível. Eu mesmo mudo de ideia mil vezes durante o vídeo. Começo no intuito de fazer uma maquiagem específica e, no final, está totalmente diferente do que o que eu pretendia executar.
Em um momento em que castings menos formais estão cada vez mais populares, por que você continua trabalhando com modelos profissionais no seu canal?
Primeiro porque a gente está em uma pandemia. Não posso chamar qualquer pessoa para vir filmar aqui. Todas as convidadas do meu canal são testadas, assim como todo mundo que está envolvido na produção dos vídeos. Meu time precisa se sentir seguro. Isso é fundamental. Depois, eu trabalho com moda. Preciso apoiar esse mercado. E isso não quer dizer que a gente não pense em diversidade. Pelo contrário, você vai ver pessoas de todas as raças e idades no meu canal. Além disso, tem o fato de que a internet não é o lugar mais carinhoso do mundo. Não raro, os comentários que chegam para a gente são brutais. Uma modelo profissional já está acostumada com isso. Faz parte do trabalho dela, por mais duro que seja. Se trabalhamos com alguém menos preparado, esses comentários ferem mais e arriscamos ter que derrubar o vídeo por causa disso.
As pessoas pedem bastante para que você maquie uma pele acneica. Você pretende fazer esse tipo de conteúdo?
Então, o que eu sempre falo é que maquiagem é uma coisa muito, muito pessoal. O meu canal é feito para dividir minhas técnicas, minhas inspirações, minhas ideias com quem me segue. Por isso, evito ficar nessa posição de passar regras para alcançar quaisquer resultados. E também não é como se nunca falássemos sobre isso. Várias vezes, eu já dei dicas sobre como cobrir uma espinha e coisas do gênero. Mas não pretendo fazer um vídeo inteiro falando exclusivamente disso. Até porque, no fim, não acho que caiba ao maquiador, ou até mesmo à própria maquiagem, resolver a questão da acne. É o trabalho do dermatologista. Não sou a favor de a gente ficar escondendo tudo com maquiagem. Acho que, se a acne incomoda, o melhor a fazer é cuidar da pele e entender como você pode resolver isso de um jeito mais definitivo e saudável.
Falando sobre as diversas reações que a audiência traz quando alguém se coloca na Internet (da idolatria ou ódio), sinto que é isso que afasta muitos maquiadores profissionais de apostarem em plataformas como o YouTube. Como você lida com isso?
Estou me acostumando. A meu ver, esse é um canal de trabalho. E isso serve para todas as minhas redes sociais. Apesar de eu estar presente em todas elas, você não sabe nada da minha vida pessoal através delas. Prezo muito pela minha privacidade. A internet é muito legal por uma série de razões. Como eu trabalho com a imagem, é bem importante para mim. Mas, sim, é uma loucura. Eu penso que o que estou fazendo no YouTube é algo similar a presentear alguém. E quando alguém te dá um presente, você fica reclamando e dando pitaco no presente? (risos) Não, né? Você agradece. Queria que as pessoas entendessem isso. Dá trabalho fazer esse tipo de conteúdo. Custa dinheiro. Eu pago todo mundo que trabalha comigo. Como eu falei, sou da indústria da moda e da beleza, então quero apoiar o nosso mercado. E a verdade é que eu também sou humano. Por trás de qualquer perfil nas redes sociais, tem um ser humano. Tem comentários que me deixam mal, não tem jeito. É complicado porque todo mundo pede o tempo inteiro para a gente interagir. Mas quando a gente se propõe a interagir a rajada de críticas é insana. Acho que é isso. Se lembrassem que é um ser humano que está ali, essa relação poderia ser mais saudável.
Por outro lado, as redes sociais descentralizaram o mercado de beleza, que antes estava muito concentrado nas mãos de empresas gigantes. Como você percebe essa mudança que a internet trouxe para o setor da maquiagem?
Sim, tem um lado superpositivo. Do contrário, não estaria investindo nisso. Por exemplo, sem as redes, talvez as pessoas no Brasil não soubessem quem sou. Só as que leem a ELLE saberiam. Isso é muito legal. E, sim, com certeza, essas novas marcas que estão ganhando espaço por causa da internet contribuem para um novo momento do mercado, que é muito mais plural e interessante. O Mario (Dedivanovic, maquiador norte-americado parceiro de Kim Kardashian), meu amigo, jamais teria conseguido lançar a sua própria linha se não fosse a repercussão que o seu trabalho tem nas redes. Todo mundo está sabendo desse lançamento. Quão incrível é isso?
Você gostaria de ter a sua própria linha de maquiagem?
Talvez no futuro. Já tive essa oportunidade anteriormente, mas não senti que era a hora certa. Seja lá o que for essa coleção, ela tem que ter a minha cara. Tem que ser algo que me represente. E, naquele momento, percebi que não me dariam todo o controle criativo que eu precisava ter para conseguir realizar o projeto da melhor maneira possível. Claro que meu estilo varia. Dependendo de quem estou maquiando, preciso encontrar um meio-termo entre o que eu quero e o que a cliente quer. Mas acho que há sempre um véu de glamour em tudo o que eu faço. Quero deixar as pessoas confiantes. Preciso poder transmitir isso.
Falando em confiança, muita gente que atinge o sucesso acaba vivendo a síndrome do impostor. Como você lida com isso?
Para ser sincero, eu lembro muito pouco da minha vida no Vietnã. Lembro que a política estava em frangalhos e foi isso que fez minha mãe nos levar para outro lugar tão cedo. Não éramos ricos, nem perto disso. Ela juntou todo o dinheiro que tinha e deu um jeito de nos mandar para outro país. Lembro muito da época do campo de refugiados em que vivi na Tailândia. Mas, desde então, fui muito abençoado. Pessoas muito boas apareceram no meu caminho e eu sempre cuidei muito dessas relações. Acho que é isso. Repito para mim mesmo o tempo todo: você é tão bom quanto o seu último trabalho. Fico me forçando a sempre dar o meu máximo. Como maquiador, se um dia você relaxa e faz as coisas “mais ou menos”, as pessoas lembram. O sucesso não é nada. Tento manter sempre os pés firmes no chão. Qualquer vento que sopre mais forte e você é esquecido. Meu conselho, inclusive para quem está chegando agora nesse mercado, é este: trabalho duro, técnica, pesquisa e dedicação máxima.