Quando Margareth dos Santos Moura, mais conhecida como Magá Moura (
@magavilha) abriu sua conta no Instagram, em 2012, não imaginava que teria ali uma de suas principais fontes de renda. Na época, ela trabalhava numa multinacional, em São Paulo, em um ambiente corporativo bastante conservador e abusivo. Sua identidade, seu estilo e, principalmente, suas tranças eram questões bastante problemáticas lá dentro. “Tudo que me era tirado naquele espaço, eu recebia de volta nos comentários, no apoio e no respaldo dos meus seguidores. Era de onde vinha minha força”, diz ela.
Foi através da rede social que Magá sentiu liberdade para ser quem é. Encorajada pelas mensagens que recebia na rede social, ela conseguiu ser demitida e com o dinheiro da rescisão foi estudar marketing na London Fashion of College. Fazia parte do seu sonho. Filha de mãe costureira, moda sempre foi presente em sua vida. Ainda assim, buscar uma colocação no mercado parecia irreal. “Tinha medo de ser negada por não ter estudado o assunto, não ter muito conhecimento na área nem nenhuma especialização”, conta. Bom, se era falta de estudo que a impedia de tentar a vida na moda, então bora estudar.
Porém, mesmo depois do curso, o sentimento de não-pertencimento continuava presente. “Tinha receio de perder a vaga de emprego para a menina loira”, comenta. “Eu não via representação na moda, não encontrava exemplos para seguir, para me moldar. Era tudo muito distante, principalmente da minha classe social.”
Foi mais ou menos na mesma época que Magá começou a perceber que uma simples foto sua com batom era capaz de influenciar e mudar a vida de algumas pessoas. Pessoas que, como ela, nunca se viram representadas pela moda. “Jamais imaginei que aquilo pudesse acontecer e ser tão poderoso e transformador.” Hoje, Magá é uma das principais influenciadoras brasileiras, além de empresária e fundadora da marca recém-lançada
Magá Moura Modas.
“O instagram foi um divisor de águas na minha vida”, conta ela, que, graças aos negócios firmados por meio de seu perfil na plataforma, conquistou uma casa própria, pode oferecer uma vida confortável à mãe e acaba de garantir o espaço do novo ateliê para sua marca.
Segundo ela, apesar dos vários problemas, o Instagram contribui com essa liberdade e autonomia. “Por mais que a plataforma tenha várias limitações, é um espaço muito amplo para a gente se inspirar, se empoderar, se sentir representada, ver as coisas sob outras perspectivas. Minha construção de imagem, meu conhecimento ancestral, meu orgulho, foi tudo conquistado por meio de trocas na plataforma. Nada foi construído sozinho.”
Juntos, mesmo que separados…
Dez anos atrás, quase ninguém imaginava o potencial daquelas fotos com filtro sépia e aparência analógica postadas de nossos iPhones. Quer dizer, não das imagens em si, mas da plataforma pela qual eram divulgadas. Em outubro de 2010, quando Kevin Systrom e Mike Krieger lançaram o Instagram, o aplicativo era apenas uma plataforma de compartilhamento de fotos. E uma bastante limitada: por quase dois anos, só funcionava em sistemas operacionais da Apple, o iOS, e os recursos de interação e compartilhamento estavam bem aquém dos de outras redes sociais, como o Twitter e o Facebook.
Corta para 2020: o app já está disponível para quase todo tipo de smartphone e sistema operacional, tem versão para desktop, inclui vídeo e live stream, é um dos principais veículos de informação, conteúdo e produção imagética, vale cerca de 100 vezes mais do que o US$ 1 bilhão pelo qual foram comprados pelo Facebook, em 2012, é a base do US$ 1.6 bilhões da indústria de influencers, e transformou a maneira como muita gente vê, pensa, consome e produz moda, beleza, música, cultura e imagem em geral – a própria inclusive.
“Não existe mais limite geográfico. Mesmo longe, conseguimos alcançar o mundo todo com nossas ideias.” Pedro Batalha
Dentre todas as indústrias culturais impactadas pela evolução e onipotência do Instagram, poucas foram tão afetadas quanto a moda. Muito devido ao apego estético, ao culto à identidade e personalidade e, paradoxalmente, à exclusividade – e exclusão – sobre a qual foi construída e operou durante anos. De certa forma, app não poderia ser mais antagônico aos princípios basilares desse métier. Conectividade, aproximação, compartilhamento e uma ideia de transparência e comunidade estavam entre os guiding principles da plataforma e entre tudo que a moda havia evitado até então.
“Desde o início, o Instagram foi sobre aproximar pessoas de quem e daquilo que mais gostam, e moda sempre despertou muito interesse nesse sentido”, diz Charles Porch, head de parcerias do Instagram, em entrevista à ELLE. “Acredito que, através dos anos, o app ajudou a mudar a maneira como a moda é experienciada e abriu as portas da indústria para toda uma nova geração de entusiastas”, continua ele.
É uma ideia com a qual a editora de moda de ELLE, Suyane Ynaya, compartilha. Para ela, uma das maiores contribuições do app foi aproximar pessoas, estreitar relações e possibilitar diálogos e trocas antes quase impossíveis. “Uma série de profissionais e artistas, anteriormente excluídos do mercado, pode se conectar e, juntos, mostrar os próprios trabalhos, além de construir uma nova realidade”, diz ela. “O Instagram nos ajudou a enxergar outras possibilidades e como usá-las para dar mais potência às nossas vozes”, continua.
Fundador e estilista da Dendezeiro, ao lado de Hisan Silva, Pedro Batalha tem opinião similar. “Não existe mais limite geográfico. Mesmo longe, conseguimos alcançar o mundo todo com nossas ideias”, diz ele. “Existia uma ideia preconcebida do que merecia ser visto, e isso mudou. Agora, todo mundo consegue estar ali, interagir”, completa Hisan. Para ele, a principal contribuição do Instagram foi a facilidade de impactar e se conectar com mais pessoas, “de pluralizar”, nas palavras do próprio.
Um casamento complicado e por interesse
O processo de aproximação entre a moda e o Instagram não foi dos mais fáceis. Começou de maneira protocolar, com uma foto de passarela, um raro clique de backstage, uma imagem de acessório e o clássico post da entrada final das modelos ao fim do desfile. Aos poucos, as blogueiras, que já faziam sucesso com os looks do dia na plataforma Blogger, perceberam o potencial e o alcance da nova rede social e passaram a registrar ali seu dia a dia.
Entrada de desfile durante a semana de moda de Milão, em 2013.
Foto: Getty Images
Naquele momento, os entornos dos desfiles começavam a rivalizar com o interior. Sites e blogs de street style viram seus números de acesso explodirem, já eram famosos na época, mas com a renovada atenção voltada às blogueiras por parte de algumas grifes, criou-se todo um novo contexto e pompa para a entrada e saída de uma apresentação.
A imprensa especializada logo percebeu ali um bom filão de audiência e, para não ficar defora, aderiu à cobertura do entra e sai nas semanas de moda. A essa altura, o potencial marqueteiro de cada clique já havia crescido consideravelmente e muitas marcas de luxo começaram a se aproximar dos nomes mais fotografados em busca de possíveis novos consumidores.
“Foi quando as pessoas descobriram uma maneira diferente de se inspirar com moda”, fala Porch. Não era apenas a modelo, a celebridade e editorial de moda. Era, principalmente, a garota que tinha tudo para ser sua colega de sala ou vizinha, mas que, de alguma maneira, estava naquele ambiente, antes tão restrito e agora documentado a todo instante, obsessivamente.
Desfile de verão 2014 de Tommy Hilfiger com blogueiras na primeira fila.
Foto: Getty Image
De certo modo, as antes blogueiras, então, instagramers e, hoje, influencers, foram o cupido do casamento entre moda e Instagram. Um casamento, é verdade, bastante complicado de início. A exposição excessiva do dia a dia e bastidores ainda era um incômodo para muita gente da indústria. Phoebe Philo, enquanto diretora de criação da Céline, chegou a proibir não só o uso de celulares e posts em redes sociais durante alguns de seus desfiles, como restringiu a entrada de fotógrafos e divulgação das fotos. Tom Ford, no mesmo ano em que o app foi lançado, também proibiu smartphones e barrou fotógrafos. Hoje, ambas as marcas transmitem suas apresentações ao vivo por diversas plataformas, inclusive o Instagram.
Criatividade influenciada
É inquestionável o fato de que a rede social transformou como reportamos, compartilhamos e consumimos moda. O
mercado de sneakers e o fenômeno hypebeast, por exemplo, devem muito de seu sucesso ao Instagram. As reformulações no calendário de lançamentos, bem como as ações de see now, buy now, também têm conexão direta com o imediatismo propagado pelo app. Atualizações na plataforma permitiram a compra de produtos dentro dos próprios posts e, recentemente, em conteúdos de IGTV também. Em breve, o recurso similar deve estar disponível no Reels.
Com isso, a pergunta é quanto do que hoje na moda é influenciado e moldado às fórmulas de sucesso do Instagram. Exemplos diretos podem ser vistos no formato dos desfiles. Os cenários ficaram mais espetaculosos para incentivar o registro nas redes sociais. A tradicional entrada final das modelos em fila já é coisa do passado. Agora, elas aparecem todas juntas e com formação de grupo para pose ao fim dos aplausos (o que pode levar até vários minutos para garantir que todos possam ter seu melhor clique). Além de medidas e atributos físicos, número de seguidores, engajamento e presença digital são fatores importantes na carreira e no contrato de modelos.
“Antigamente, você precisava ter um nome, contatos e muitas entradas para poder acontecer. É uma plataforma que dá visibilidade ao nosso trabalho e nos permite ter contato direto com os consumidores.” Ana Luísa Fernandes
As roupas também tiveram de se adaptar, mas não sem alguma crítica ou pensamento mais aprofundados. Em 2012, Rei Kawakubo apresentou uma coleção para a Comme des Garçons com looks quase bidimensionais. As silhuetas arredondadas pareciam achatadas, sem profundidade, como as imagens compartilhadas à época. Quando Alessandro Michele estreou na Gucci, em 2105, a excentricidade e o mix de referências se conectavam diretamente com overload aleatório de informações de nossos feeds. Em janeiro de 2019, na Maison Margiela, John Galliano fez uma apresentação em que as estampas da roupas se confundiam com as do cenário quando fotografadas. Era difícil saber o que era roupa, o que era passarela, o que era parede.
À esquerda, Comme des Garçons, inverno 2012. À direita, Maison Margiela Artisanal, verão 2019.Foto: Getty Images
Trata-se de um novo momento, uma nova lógica e um novo contexto. A moda, aliás, sempre foi bem esperta e ágil nessas adaptações. Quando os desfiles passaram a ser cobertos de maneira mais incisiva pela imprensa, não demorou muito para que looks totalmente pretos ou de cores escuras fossem reduzidos ao máximo. O motivo? Eles dificilmente imprimiam bem no jornal ou nas páginas das revistas.
Agora não é tão diferente. Tirando o fato de que o próprio Instagram se tornou um poderoso agente midiático, publicitário e comercial. Não foi à toa que, em 2015, a plataforma recebeu o Media Award na premiação anual do Council of Fashion Designers of America (CFDA), prêmio antes dedicado a escritores, jornalistas e editores.
“Hoje, 93% das minhas vendas vêm do Instagram”, diz Ana Luisa Fernandes, fundadora e diretora de criação da Aluf. Segundo a estilista, a rede social não tem impacto direto no seu processo de criação, mas, sim, na maneira como sua roupa é apresentada. “Sei que minhas peças precisam ser vistas como produto e não só como uma imagem de moda. Para isso, trabalhamos com parceiros da marcas para mostrar como a roupa funciona em outras pessoas e em contextos diferentes”, explica sobre os posts e conteúdos feitos com pessoas que se alinham à identidade e aos valores responsáveis social e ambientalmente da grife.
Ana começou a postar seus processos criativos, de produção e algumas peças ainda na faculdade. Foi quando começou a receber mensagens de apoio e interesse pelo que fazia. “A Aluf não teria acontecido se não fosse pelo Instagram. Antigamente, você precisava ter um nome, contatos e muitas entradas para poder acontecer. É uma plataforma que dá visibilidade ao nosso trabalho e nos permite ter contato direto com os consumidores.”
“Usamos o Instagram para ver o que as pessoas gostam de vestir, como elas querem se comportar, se sentir”, explica Hisan. Pedro pontua que a plataforma permite uma maior proximidade com os clientes. “As mensagens diretas são uma ferramenta de diálogo muito importante. Recebemos muitos pedidos de sob medida e conhecer nosso cliente é essencial para realizarmos a construção dessas peças da melhor maneira possível.”
Verdade nua e crua
Ana diz ter uma relação bastante orgânica e pouco planejada em relação aos conteúdos que posta, até pelo tamanho do seu negócio. Hoje, seu feed é reservado para imagens mais elaboradas, enquanto stories e reels dão conta do conteúdo mais dinâmico, pessoal e didático sobre o processo de criação de cada peça e maneiras de usar. Apesar de considerar algumas métricas e analisar o alcance e engajamento de seu conteúdo, a estilista está mais preocupada com a verdade de seu conteúdo do que com a quantidade de likes.
É um caminho atípico e pouco aconselhado por gurus de internet ou práticas convencionais do marketing digital, mas um que vem ganhando bastante relevância. Como diz Charles Porch: “Acredito que, mesmo antes da Covid-19, a direção do conteúdo de moda já estava mudando, indo de algo mais glossy a uma imagem mais centrada ou pé no chão. Percebemos que a autenticidade importa mais do que nunca. As pessoas querem ver a realidade por trás das marcas, dos criadores e dos artistas”.
“É sobre mostrar que aquilo tudo também lhes pertence, sobre permitir que o outro possa se enxergar de forma diferente e se sentir representado.” Pedro Batalha
O que está nos bastidores, porém, não é exatamente o que está no feed, nos stories ou no IGTV. Documentários recentes, como
O Dilema das Redes, FYRE: Fiasco no Caribe e American Meme, evidenciam como algoritmos, marketing digital e culto a celebridades são artifícios de maquiagem da realidade.
Por outro lado, o senso de comunidade e abertura na rede social permitiu que muitas práticas incorretas, danosas e abusivas fossem ali denunciadas. Exemplo mais recente é
a exposição de casos de racismo feita, inicialmente, pelas modelos Thayná Santos, Camila Simões, Natasha Soares, Cindy Reis, Diara Rosa, Samile Bermannellie e Júnia Evaristo.
“O instagram tem um potencial positivo muito grande, mas também pode ser bem danoso”, diz Pedro Batalha. Para ele, é tudo questão de como se usa e consome o conteúdo da plataforma. “Quando trabalhamos um casting todo negro, estamos falando de empoderamento. Ao inserir essas pessoas que nunca foram ouvidas e vistas, as tornamos parte da realidade, uma realidade possível. É sobre mostrar que aquilo tudo também lhes pertence, sobre permitir que o outro possa se enxergar de forma diferente e se sentir representado”, continua ele.
“Falamos muito na comunidade preta sobre como as pessoas precisam compartilhar a voz do outro”, fala Suyane. “O Instagram também foi feito para abaixar o volume de vozes militantes. A plataforma não está livre do racismo.” Em matéria publicada na ELLE View, discutimos como
algoritmos escondem práticas discriminatórias e racistas. Não são poucos os relatos nas redes de pessoas que tiveram seus conteúdos silenciados por se tratar de alguma minoria.
Porch diz que o assunto é uma das principais prioridades da empresa: “Garantir que todas as vozes são escutadas no Instagram”. Segundo ele, “existe uma equipe dedicada a melhor entender e resolver qualquer viés excludente no desenvolvimento de produtos e experiência pessoal na plataforma”. Parte disso esbarra em algoritmos, distribuição de conteúdo, verificação de contas e na construção de ferramentas para lutar contra discursos de ódio.
Ainda assim, trata-se de uma empresa global (com práticas, política e interesses próprios) de um lado e vozes pessoais, coletivas e muitas vezes esquecidas ou silenciadas. O compartilhamento, o diálogo e a escuta são ferramentas poderosas e essenciais nesse jogo, em que o fator humano tende facilmente a ser esquecido. E melhor do que depender de uma equação matemática é valorizar o que há de humano nisso tudo: o outro. Afinal, não era sobre isso desde o início?