Band-aids

Musas do rock, símbolos de liberdade sexual e feminina, ícones de moda. Conversamos com Pamela des Barres, uma das groupies mais famosas da história. Em entrevista, ela conta como influenciou, junto com suas colegas, o estilo de toda uma geração.

No dia 15 de fevereiro de 1969, a Revista Rolling Stone publicava em sua capa não um artista ou uma banda, mas Karen Seltenreich. A foto de Baron Wolman vinha acompanhada da chamada “Groupies and other girls”. Foi a primeira vez na história que o termo groupie foi cunhado. “The Girls of Rock”, como foram chamadas na matéria, eram as garotas que seguiam as bandas de rock pelos Estados Unidos e pela Europa, inspirando os músicos, viajando de ônibus ao lado de seus artistas favoritos e, claro, por que não, transando com alguns deles.

“Não somos groupies, somos band-aids.” Quem teve uma adolescência musicada por guitarras e baterias com certeza já ouviu a frase de Penny Lane, a maior não-auto-proclamada groupie do cinema. “Groupies transam com os rockstars, porque elas querem transar com alguém famoso. Nós estamos aqui pela música”, completa a personagem de cabelos encaracolados e jaqueta com gola de pelúcia nos minutos iniciais do filme Quase famosos (2000). A descrição do figurino é importante aqui, pois, além da atitude, o visual dessas garotas (algumas delas eram menores de idade à época) foi essencial na formação do que entendemos hoje como moda dos anos 1960 e 1970. Mas vamos por partes…

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Kate Hudson no papel de Penny Lane no filme Quase Famosos.Foto: Divulgação

O filme foi tratado, por muito tempo, como um resumo dos anos 1970, época em que o lema “sexo, drogas e rock’n’roll” foi levado às últimas consequências. Mais do que isso, é um retrato de como uma indústria dominada por homens sempre tratou aquelas mulheres: aos olhos machistas, eram aproveitadoras, alpinistas sociais e, bem, prostitutas.

Ainda que reforce alguns estereótipos, o filme coloca as groupies num papel de parceria e inspiração para os músicos que muitas vezes ficavam meses longe de casa em turnê. O problema, no entanto, começa quando entram em cena a fetichização e o slutshaming (o ato de humilhar uma mulher por sua autonomia). O sexo sempre foi consequência. O motivo de tanto preconceito e maldizer, tem muito a ver com a liberdade sexual e o relacionamento libertários que essas meninas tinham com seus corpos.

Vale lembrar que estamos falando dos anos seguintes à invenção da pílula anticoncepcional, marca na liberação sexual do corpo da mulher. A regra que vale hoje já valia na época: em uma sociedade machista, a mulher que se empodera do seu corpo e da sua sexualidade sempre será mal-vista.

“Todo o ódio que nós recebíamos por sermos livres e fazermos o que queríamos foi baseado em misoginia e no sistema patriarcal”, diz Pamela des Barres, lendária groupie dos anos 1960 e 1970, em entrevista à ELLE Brasil – muitos dizem ser ela a inspiração para a personagem de Penny Lane.

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Pamela des Barres com Alice Cooper (à esq.), com Jimmy Page, do Led Zeppelin (à dir.) e com Keith Moon, baterista do The Who (abaixo e no centro).Fotos: Getty Images

Musas do rock

Escritora do livro Confissões de uma Groupie, de 1987, Pamela des Barres é um dos nomes mais citados quando exploramos o vasto grupo das groupies dos anos 1960 e 1970. Conhecida por ter envolvimento com nomes como Jimmy Page, Keith Moon, Jim Morrison e Mick Jagger, ela nasceu na Califórnia e, desde pequena, idolatrava os Beatles e Elvis Presley. Ainda adolescente, começou a frequentar os bares da Sunset Strip, em Los Angeles – mais precisamente o Rainbow Bar and Grill, o Whisky A Go Go e o Rodney Bingenheimer’s English Disco.

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Sylvain Sylvain e Johnny Thunders, do New York Dolls, com Sable Starr e Lori Mattix.Foto: Getty Images.

Eram nesses bares que se reuniam alguns dos maiores nomes do rock. Eram neles também que algumas das maiores groupies – ou band-aids – ficaram conhecidas. Em seus livros, des Barres fala de Sable Starr, possível musa de “Look away”, de Iggy Pop; Bebe Buell, modelo descoberta aos 17 anos pela Ford Models e mãe de Liv Tyler; Anita Pallenberg, uma das referências do que enxergamos como Flower Power até hoje; e Chris O’Dell, que tem uma música de George Harrison para chamar de sua (“Miss O’Dell”). Há muitos outros nomes, mas foram esses os responsáveis por definir e sacramentar o termo groupie nos halls da história da música mundial.

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Mick Jagger e Keith Richards, do The Rolling Stones, com Anita Pallenberg.Foto: Getty Images

O amor pela música e a obsessão pelo rock eram tamanhos, que algumas delas lançaram a própria banda, a The GTO’s (Girls Together Outrageously). Pamela des Barres, Mercy Fontenot, Miss Cynderella, Miss Christine, Miss Lucy, Miss Sandra e Miss Sparky formaram um dos primeiros grupos femininos de rock que se tem notícia, com apenas um disco lançado (Permanent Damage, em 1969) – produzido por Frank Zappa.

A moda delas

Quem revisita as fotos da época e o figurino criado por Betsy Heimann para o Quase famosos reconhece a importância daquelas mulheres, donas de si e de sua sexualidade, têm na imagem de moda dos anos 1960 e 1970. Plataformas de vários centímetros, calças bocas de sino, vestidos em A curtíssimos, flores no cabelo, maquiagem com os cílios de boneca e pedraria e mais um tanto de peças únicas, não raramente feitas por elas mesmas. “Nós sabíamos que Penny Lane tinha que ter um casaco. Não havia uma foto de referência para aquilo, mas eu sentia que ela era tão vulnerável por dentro e tão forte por fora, que aquele casaco era sua armadura”, explica Heimann, sobre o casaco-ícone da protagonista do filme, em entrevista à revista Dazed.

Ao lembrar dos seus looks, Pamela des Barres cita um minivestido de veludo azul dos anos 1930 que usou em várias fotos lendárias e no clipe de Foxy Lady, de Jimi Hendrix. “Eu era e ainda sou uma ‘flower child’. Nossas roupas eram para revelar quem éramos por dentro. Moda é auto-representação”, completa. Segundo ela, o estilo de roupas usados na época tinha muito a ver com as peças que encontravam em brechós e com a mensagem que queriam passar.

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O baterista do Led Zeppelin John Bonham com Lori Maddox.Foto: Getty Images.

Mesmo que aquelas peças fossem de outrora, o visual das groupies era único e bastante significativo para a moda e para as tendências da época. Há quem se inspire até hoje naquelas produções para criar looks para as maiores passarelas do mundo. Na temporada de verão 2015, a Coach, sob direção criativa de Stuart Vevers, se inspirou em algumas das fotos que ilustram essa matéria. “Não culpo as marcas de luxo por se inspirarem em nós, mas gostaria que nos dessem créditos”, ironiza des Barres.

O visual criado pelos integrantes das maiores bandas da época também foi influenciado por essas mulheres. “Levei várias bandas para garimpar peças pela primeira vez no The Glass Farmhouse, um brechó em Los Angeles, incluindo o Led Zeppelin e o Alice Cooper”, conta a escritora. “Eu era reconhecida pelo meu estilo, mas o mais engraçado é que estávamos quebradas, sem dinheiro algum.”

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Acima e à esq.: Keith Richards e Anita Pallenberg. Abaixo, Rod Stewart e Bebe Buell. À dir.: Johnny Thunders e Sable Starr.Fotos: Getty Images

O estilo das groupies chamou tanta atenção que, em 1973, foi lançada a “Star”, revista independente sobre aquele universo e com dicas de como fazer parte dele. Com quadrinhos sobre rockstars, dicas para entrar nos camarins, matérias sobre como conquistar um namorado e testes para saber quão ‘foxy’ você é, a revista era uma publicação adolescente padrão – cheia de problemas se analisada da perspectiva atual. Porém, era uma das poucas que conversava com essas garotas que se diziam ‘de espírito livre’ na personalidade e na hora de se vestir.

Por conta das represálias, a “Star” durou apenas cinco edições, mas nela há recados importantes para entender como a mente dessas garotas funcionava. Na sua primeira edição, lê-se:

“The girl who reads Star…
Her head is together.
Her heart is warm, but forever free.
She know her power.
She will never give up on her dream”
(“A garota que lê Star…
Sua mente está no lugar certo.
Seu coração é acolhedor, mas sempre livre.
Ela sabe seu poder.
Ela nunca desiste do seu sonho”
(em tradução livre.)

Recado dado.