A bolsa de valores brasileira – a B3 – levou toda a sua história, até 2019, para alcançar a marca de 1 milhão de investidores cadastrados para negociar ações no pregão. Foi um feito em um país que por anos foi fã da caderneta de poupança. E como num passe de mágica, em um espaço de apenas um ano e meio, 1 milhão virou mais de três milhões. Sim, desde maio de 2019 o número de investidores da bolsa triplicou.
Você deve ter percebido esse movimento até no seu circuito próximo: de repente, todo mundo parece interessado em investir em ações. Vaivéns do mercado estão se tornando um assunto corriqueiro também entre as mulheres, um público tradicionalmente minoritário no mercado financeiro. Embora ainda representem cerca de 26% dos investidores na B3, o número delas no pregão – quase 810 mil – também é recorde.
Com tanta conversa sobre bolsa de valores, é provável que você mesma esteja se perguntando: será que isso é para mim? Por isso, ELLE decidiu mergulhar no assunto e esclarecer as principais dúvidas de quem está iniciando nesse mercado. Com a ajuda de três especialistas, explicamos como, quando e por que seguir para a bolsa. Confira:
Está todo mundo indo para a bolsa. Devo investir também?
Primeiro, vamos entender por que “todo mundo” está indo para a bolsa. Os juros no Brasil foram altíssimos até pouco tempo atrás. Há menos de cinco anos, era possível ter um retorno de 1% ao mês sem grandes dificuldades – comprando títulos públicos, considerados os investimentos mais seguros do país, com valores tão baixos quanto R$ 50 ou R$ 100. Era fácil ver o dinheiro crescer sem ter de fazer quase nada. Mas nos últimos anos, e especialmente nos últimos meses, os juros caíram ao menor patamar da história. A 2% ao ano, fica difícil até ganhar da inflação nos investimentos tradicionais de renda fixa, como fundos ou CDBs.
Diante dessa situação, pessoas que nem sonhavam investir em ações passaram a enxergar na bolsa uma alternativa para conseguir rendimentos melhores. Pudera. O Ibovespa – principal índice que reflete o desempenho do mercado de ações brasileiras – teve altas recorrentes nos últimos quatro anos. Em 2016, chegou a avançar 39%. Importante lembrar que a alta não é uma regra sempre. A bolsa teve desempenho negativo em 2013, 2014 e 2015 – e no acumulado deste ano, até 10 de novembro, o Ibovespa registrava apenas um leve avanço.
Voltando à pergunta: qualquer um pode investir na bolsa? Em princípio, sim. “Ter uma parcela do patrimônio em ações faz sentido para quem está pensando em fazer um planejamento financeiro saudável, com o objetivo de guardar dinheiro para o futuro, mesmo no caso dos mais conservadores”, diz Claudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo.
Mas não é porque seus amigos ou familiares estão migrando para a bolsa que você deveria seguir para lá cegamente. Para a planejadora financeira Fernanda Prado, investidores em ações devem reunir quatro características: “O mercado acionário é uma boa opção para quem já tem uma reserva de emergência, para quem investe na construção de patrimônio no longo prazo, para quem quer diversificar investimentos e para quem está disposto a ter paciência e aceitar as oscilações do mercado”.
O que devo esperar do investimento em ações?
Definitivamente, não um “bilhete dourado” que proporcionará um retorno extraordinário em uma tacada só. “Geralmente, os casos de ganhos altos e rápidos estão atrelados a um grande risco, o que pode levar a uma má experiência. E mais: rentabilidade passada não garante rentabilidade futura”, diz Gabriela Vicentini, assessora financeira do BTG Pactual digital.
É quase uma unanimidade entre os especialistas que ações são investimentos preferencialmente voltados para o longo prazo. Precisam de tempo para maturar. Até lá, os preços sentem os impactos – negativos ou positivos – de uma série de acontecimentos e fenômenos. O câmbio valoriza, eleições acontecem, juros sobem e – você sabe disso – pandemias assolam o mundo. “Por isso, devemos sempre pensar no potencial das ações no longo prazo, porque as cotações tendem a acompanhar o crescimento de lucros das empresas emissoras”, explica Gabriela.
Em vez de tentar acertar na mosca a hora perfeita para comprar e vender ações, o mais indicado, segundo Fernanda, é fazer investimentos frequentes e rebalancear a carteira periodicamente, conforme os movimentos do mercado. Mas como? Imagine que depois de estudar seus objetivos, você definiu que destinaria 10% dos seus recursos para a bolsa. Se tiver comprado ações em um momento de alta do mercado, é provável que o novo valor delas ultrapasse esse limite. Para rebalancear a carteira e voltar aos 10%, será preciso vender parte dos papéis. O contrário acontece quando as cotações caem. “A investidora pode seguir comprando o que estiver mais desvalorizado para reajustar os percentuais”, diz.
Decidi arriscar. Por onde começo?
Comece pelo começo: entender como funciona o investimento em ações e qual o impacto dos cenários econômicos e de mercado nos resultados ajuda a reduzir o risco, embora ele continue existindo, diz Gabriela. Estudar antes de dar os primeiros passos é muito importante, mas Claudia alerta que isso não deve paralisar os investidores – e principalmente, as investidoras. “É muito comum, entre as mulheres, a sensação de que é preciso saber tudo para só então começar a investir. O lado bom é que isso ajuda evitar decisões impensadas. O lado ruim é que saber tudo demora, e o custo da demora é alto”, afirma. Por isso, a recomendação é começar com valores pequenos – e aprender com os erros e os acertos que cometer com eles.
O segundo passo é procurar uma instituição financeira com atuação na bolsa – normalmente bancos ou corretora de valores. Para negociar ações, é preciso contar com uma delas, que são quem envia as ordens de compra ou de venda para serem executadas no pregão. Quase todas oferecem um sistema conhecido como “homebroker”, que permite realizar investimentos diretamente e com facilidade pela internet. Claudia ressalta que para quem está começando vale a pena buscar nomes conhecidos e comparar o valor das taxas de corretagem cobradas.
Depois que tiver aberto uma conta para operar, é hora de escolher os papéis. É boa ideia contar com a ajuda dos assessores de investimento da instituição financeira nesse processo. Normalmente, segundo Gabriela, as ações são classificadas em dois grandes grupos: as chamadas “ações de valor”, de empresas maduras com as quais se espera ganhar com dividendos, e as “ações de crescimento”, de companhias mais jovens e com boas perspectivas em seus mercados. Nesse caso, a expectativa é de lucrar com a valorização dos papéis no tempo. “A definição das ações para investir depende da estratégia de cada um, podendo incluir papéis de setores distintos para garantir diversificação e mitigar riscos”, diz Gabriela.
Subiu? Caiu? Como devo acompanhar o desempenho da bolsa?
Tomar a decisão de investir em ações, escolher uma corretora, estudar o mercado, definir ações para comprar, realizar as operações no pregão. Quem chega até aqui já percorreu um longo caminho, mas é só o começo. Depois de tudo isso, é preciso acompanhar regularmente o que acontece com os investimentos, um processo que pode gerar ansiedade. “Abrir o homebroker todos os dias, e mais de uma vez, para conferir a evolução do patrimônio pode ser tão viciante quanto checar as notificações de redes sociais. Mais: pode acabar gerando inquietação e vontade de fazer trocas constantes na carteira”, diz Gabriela. E isso não é bom.
Pular de galho em galho – ou seja, mexer nos investimentos a todo momento – tem um custo. Primeiro, porque tanto é difícil acertar o momento ideal para comprar uma ação, quanto é fácil ter um prejuízo por ter vendido os papéis na hora errada. Depois, porque cada operação feita na bolsa envolve o pagamento de taxas (de negociação, de corretagem) que abocanham uma pequena porção de dinheiro. Se forem frequentes, podem acabar somando um valor alto.
Para evitar esse tipo de situação, a sugestão é ter paciência. “Entendidos os motivos pelos quais você decidiu comprar cada ação e considerando a perspectiva de preço de cada uma, acompanhar mensalmente a carteira é suficiente”, diz Gabriela. Não se trata, é claro, de comprar os papéis e “esquecê-los” na corretora. “É bom verificar a evolução dos investimentos na mesma frequência com que você pretende fazer novos aportes. Se é todo mês, faça uma avaliação mensal do que deu certo ou errado para decidir o que fazer com os novos recursos”, sugere Claudia.
Tive uma perda e agora estou com medo de voltar para o mercado. Devo desistir?
Bolsa de valores é algo novo para os brasileiros em geral, e para as mulheres em particular. Mesmo com a quantidade de investidoras que chegaram ao mercado neste ano, elas ainda representam 25% de todas as pessoas cadastradas para operar no pregão. Aspectos culturais e diferenças de renda em relação aos homens ajudam a explicar esse cenário – que, naturalmente, pode trazer um tanto de insegurança para quem encara uma perda quando ainda está começando a investir.
“É primordial lembrar que enriquecer é um processo que leva tempo e é construído diariamente. Portanto, quanto mais conhecimento, estudo e experiência, melhor”, diz Gabriela. “Ao longo desta jornada, você vai perdendo o medo e se sentindo mais segura à medida que vai conhecendo melhor como funciona o mercado acionário”. Alguém que tenha comprado uma única ação em grande quantidade pode entrar em desespero caso observe uma perda repentina de valor – mesmo que ela não seja definitiva. Por isso vale a pena começar devagar. E seguir, sempre.