Glitter em xeque

Esse parceiro brilhante já se provou atemporal e essencial para quem ama looks alegres e conceituais. Seus efeitos danosos ao meio ambiente, no entanto, levantam a polêmica quanto ao uso do glitter e estimulam o mercado green a buscar alternativas para superproduções mais conscientes.

Ele está por toda a parte – literalmente. Em pó ou cremoso, na maquiagem, no sapato, na clutch, nas passarelas, na rua e na avenida. Já foi tendência de cabelo, nas sobrancelhas, nas unhas e até na barba! Se você ainda não se rendeu ao glitter, provavelmente isso é uma questão de tempo.

Há muito tempo, ele deixou de ser apenas um potinho de brilho comprado em qualquer papelaria de bairro para animar o Carnaval. Tampouco coisa de criança. Em meio a rostos coloridos e reluzentes ou de peças brilhantes e extravagantes, o glitter carrega um statement: é sinônimo de libertação, de festa, de alegria. Adeptos garantem: vestir-se de brilho é uma forma instantânea de elevar a autoestima – e de se permitir, para além do Carnaval.

Em forma de gloss, pedrarias e delineados bem marcados, o brilho se afasta completamente do conceito de fantasia e se mostra uma das grandes tendências de beleza de 2021. Estilistas como Jeremy Scott, Giambattista Valli e Pierpaolo Piccioli da Valentino são alguns exemplos de nomes fortes que aderiram ao estilo nas passarelas recentemente. “Vemos, também, pelo feed do Instagram, uma forte influência da série Euphoria (da HBO), que com certeza popularizou o estilo e inspirou muita gente a usar”, diz a maquiadora Savana Sá, de São Paulo. Outra referência no assunto é, sem dúvida, a maquiadora Pat McGrath, dona de uma das marcas mais desejadas do mundo no universo glam. Lançamento após lançamento, a britânica prova que está na crista da onda quando se fala de brilho, tecnologia e inovação criativa em beleza.

Na moda, a tendência vai e volta com frequência, como aquelas peças que podem ficar para sempre no armário. “Todo elemento que serve como ferramenta criativa é importante para marcar um estilo. A moda tem essa capacidade de transformar os elementos em arte, em forma de expressão”, diz a consultora de imagem e estilo Tay Borges, de São Paulo. Para ela, não há regras nem impedições. Se a pessoa tem um estilo mais maximalista, o glitter cabe em qualquer ocasião. “Quem é mais básica pode mesclar com peças casuais e descontraídas”, sugere a especialista.

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Foto: Mads Perch

 

Mania glam

Sim, somos loucos por brilho. “O brasileiro tem uma energia solar, de alegria, de quem gosta de se enfeitar. E o glitter está totalmente inserido nessa cultura”, observa Luciana Duarte, sócia da Pura, marca nacional pioneira na produção de bioglitter. Para Tay Borges, a explicação desse frisson é o fato de “nos sentimos atraídos por qualquer ferramenta que nos ajude a mostrar quem a gente é”. Isso explicaria a ascensão no mercado de glitter em tempos de quebra de paradigmas e libertação.

Mas um estudo feito pelo departamento de marketing da Universidade de Houston, nos Estados Unidos, foi além na explicação desse relacionamento amoroso e duradouro entre nós, seres humanos, e o glitter: de acordo com a pesquisa, essa atração está enraizada em um desejo primitivo pela água como um recurso vital. Como superfícies aquáticas brilham, associamos esse tipo de efeito a algo fundamental em nossa vida.

Seja qual for o motivo desse caso de amor, a verdade é que não estamos preparados para uma possível separação. No entanto, cientistas e biólogos vêm lutando pelo fim do glitter. Na Inglaterra, por exemplo, algumas escolas já baniram as atividades com o material. E não é exagero: ele é feito de microplástico, um dos materiais mais tóxicos para o meio ambiente, e representa uma verdadeira ameaça para a natureza.

A raiz do problema

“O glitter comum não é biodegradável nem filtrado pelos sistemas de esgoto. Ou seja, vai parar diretamente nos rios e oceanos e entra na alimentação dos animais (que, por sua vez, estão em nossa cadeia alimentar). Afetam, portanto, tanto a fauna marinha como a nossa própria saúde”, explica Luciana.

Os dados são, de fato, assustadores. De acordo com um estudo de 2019 da organização ambiental World Wide Fund for Nature (WWF), os seres humanos podem estar ingerindo a cada semana uma quantidade de plástico equivalente a um cartão de crédito. Em um mês, o volume seria semelhante a uma pecinha de Lego. E isso não acontece somente com o consumo de peixes e animais marinhos. O mesmo estudo mostrou que a principal fonte é a água potável, em que há resíduos. Ou seja: todos nós estamos sujeitos a ingerir plástico.

“Justiça seja feita, o glitter não é o único culpado pelo altíssimo acúmulo de lixo plástico, mas é um grande vilão por ser incontrolável. Por seu tamanho minúsculo, esse tipo de produto não pode ser reciclado e tem um tempo extremamente alto de decomposição”, diz Raquil Lange, designer e consultora de sustentabilidade, de São Paulo. Sem contar a quantidade de produto escoado pelo ralo em um banho, por exemplo, ou mesmo o que fica pelo asfalto durante um bloco de Carnaval.

De acordo com a agência científica australiana Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO), existem 14 milhões de toneladas métricas de microplásticos no fundo dos oceanos. O pior: por mais que iniciássemos um esforço global imediatamente para reduzir o consumo de plástico, ainda haveria cerca de 710 milhões de toneladas métricas no meio ambiente até 2040. O problema é tão grande que os cientistas o atribuíram como “um dos principais desafios ambientais desta geração”.

A solução parte de cada um de nós. “Estamos na era dos questionamentos, de exigir a mudança por parte das marcas e daquilo que consumimos. Essas microrrevoluções são o primeiro passo e estão em nossas mãos”, conclui Raquil.

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Foto: Mads Perch

 

Luz no fim do túnel

A boa notícia é que podemos até estar perto de dar adeus ao glitter de plástico. Mas não deixaremos de brilhar. Cresce, a cada ano, as versões green desse item queridinho dos brasileiros. “Em 2017, no comecinho da empresa, vendemos 5 kg de bioglitter. No ano seguinte, dobramos a quantidade. No Carnaval de 2019, subimos para 45 kg e, no ano passado, chegamos a 70 kg”, revisa Luciana Duarte. Os números revelam tanto um aumento na consciência ambiental dos consumidores quanto na busca por esse tipo de produto até mesmo fora do Carnaval. “Vendemos muito, inclusive para fora do Brasil, para festivais de música. As pessoas estão cada vez mais demonstrando interesse por nossos produtos ao longo de todo o ano.”

Cuidado para não comprar gato por lebre: alguns produtos do mercado se dizem sustentáveis, mas é preciso muito mais do que apresentar uma embalagem reciclável para cumprir o papel verde. “Muito mais importante do que isso é o produto ser biodegradável e, principalmente, compostável”, alerta Raquil. Isso significa que o glitter, para ser de fato sustentável, precisa ser feito de ingredientes naturais, como algas e minerais, e isento de qualquer outra substância plástica na composição.

Antes de sair por aí colorindo o nécessaire (e o rosto, o corpo, o look…), entenda os diferentes tipos de glitter presentes no mercado para brilhar muito, de consciência limpa:

Pó solto

Normalmente de poliéster, é a versão mais comum, encontrada em armarinhos e papelarias, e também a mais barata. Porém é a menos indicada para usar na pele: “Esse tipo de plástico pode ser tóxico e causar irritações em quem tem mais propensão à sensibilidade. Prefira as opções naturais e com grãos mais finos e suaves”, alerta a dermatologista Valéria Marcondes, de São Paulo.

Em gel

Possui uma fixação maior na pele, mas costuma ser feito com o mesmo glitter de poliéster, inimigo da natureza. Algumas marcas de maquiagem, como Urban Decay, trazem produtos específicos para a área dos olhos, por exemplo, nessa textura. “No rosto, é sempre melhor usar os itens de maquiagem, voltados e testados para isso”, completa Valéria.

Flocado

“É um dos que mais gosto para usar no make. Está súper em alta e dá um efeito moderno ao look”, conta Savana Sá. Tem partículas maiores e é preciso ser usado junto com algum tipo de fixador, como géis ou até mesmo cola para cílios.

Bioglitter

Feito de ingredientes naturais, como agar-agar (uma alga marinha) e pó de mica (um mineral naturalmente brilhante), é a estrela da vez. No Brasil, é feito de maneira artesanal e, para ser considerado ecológico mesmo, precisa ser sustentável do início ao fim (incluindo o comércio justo e certificação cruelty-free). Além de não fazer mal para o meio ambiente, apresenta menos riscos de irritações à pele e é bem mais fácil de remover (aleluia!). É possível encontrar o bioglitter em diferentes apresentações. Os mais comuns são: escaminha (que lembra uma escama de peixe), em pasta (feito à base de óleo de rícino e babosa) e a areia mágica (feito com pó de mica e de arroz). Por ser um pó mais fino, é o mais indicado para usar como sombra ou iluminador. Exige uma base fixadora para durar sobre a pele.