Pequeno em tamanho, gigante em detalhes

Carnaval à distância e respeitando o isolamento social? É possível com as escolas de samba em miniatura. No Carnaval de Maquete, não falta criatividade para transformar itens do dia a dia em desfiles incríveis.

As ruas e aglomerações sempre foram o palco e a plateia para o Carnaval no país. Mas, em tempos de pandemia, existem soluções viáveis para ainda celebrar essa festa? Em uma escala menor, com menos componentes, mas igualmente rica em detalhes e brilhos, a União das Escolas de Samba de Maquete (Uesm) é uma solução que parece se encaixar perfeitamente em 2021.

“O Carnaval de Maquete é importante para que a gente desvie o pensamento de que não vai ter Carnaval. Vai ter Carnaval sim! E este ano vai ser de maquete. Vamos trazer beleza, luxo e informação”, afirma Leo Garavito, que desfila suas criações no evento pela primeira vez neste ano.

A ideia de criar uma união para as escolas de samba de maquete surgiu em 2014 com Cleiton Almeida, Fernando Santos, Marco Antonio, Raphael Khaleb e Wendell Henrique, cinco amigos, cada um de uma parte diferente do país, unidos pela mesma paixão. Há sete anos, eles entregam para os fanáticos por Carnaval ainda mais folia, escolas, carnavalescos e conceito, tudo por meio de bonecos de 5 cm, chamados também de “bonecos peladinhos”, e carros em tamanhos minimizados.

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As fotos desta matéria são da Princesinha do Sul, escola de Yuri Bastos, 24 anos, estudante de arquitetura, que desfila este ano pela primeira vez. Foto: Eduarda Gaeta de Souza

O carioca Raphael Khaleb, coordenador de desfiles da Uesm, tem história no Carnaval tradicional. Ele já desfilou como destaque na União da Ilha do Governador e, atualmente, é mestre-sala na Arrastão de Cascadura e na Mocidade Unida da Cidade de Deus. É ele quem explica que, nas Escolas de Samba de Maquete, qualquer pessoa, de qualquer área do conhecimento, é bem-vinda – desde que ela tenha o amor pelo Carnaval correndo nas veias e a vontade criativa de transformar objetos cotidianos em adereços carnavalizados.

As regras para a elaboração de uma nova escola são poucas, o que realmente importa é a criatividade. E os fundadores lembram que já viram de tudo, de escolas concebidas a partir de lacres de latas de refrigerante a tampas de pasta de dente e detergente. “O Carnaval de maquetes é uma diversão e, hoje, vai suprir a necessidade do tradicional para muitas pessoas. É um trabalho muito bonito e que precisa ser admirado”, diz Raphael.

“Vai ter Carnaval sim! E este ano vai ser de maquete. Vamos trazer beleza, luxo e informação.” Leo Garavito, que este ano desfila pela primeira vez.

A União, hoje, conta com 34 escolas vinculadas, que são divididas em três categorias, Especial, Acesso e Avaliação, de acordo com a sua classificação no ano anterior (ou se é iniciante), que possuem exigências e regulamentos segmentados.

Para além da regra dos bonequinhos de 5 cm, outros requisitos exigidos pela avaliação são: comissão de frente, mestre-sala e porta-bandeira, conjunto, enredo, evolução, alegorias e fantasias. Os jurados são convidados e fazem parte de outros órgãos também ligados ao Carnaval. Em 2021, por exemplo, pessoas do Observatório do Carnaval (Obcar) e do Laboratório de Artes Carnavalescas (LAC) estarão entre eles.

As escolas de maquete não precisam ter um samba-enredo próprio, idealizado e cantado por elas, pois seria inviável arcar com custos de locução. Por isso, podem utilizar o samba de uma escola tradicional, mas que faça sentido e seja adequado à proposta inicial do carnavalesco. Sendo assim, a originalidade na concepção de uma nova escola passa a ser um ponto imprescindível. As escolas devem ser autorais, apostar em uma identidade própria e não fazer réplicas minimizadas do que já foi desfilado em tamanho real. Caso isso aconteça, as penalizações podem ser grandes e a desclassificação será um risco.

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Foto: Eduarda Gaeta de Souza

“A Uesm existe para possibilitar um espaço de criação e divulgação do trabalho de artistas (profissionais ou amadores) do Carnaval, sendo eles atuantes no Carnaval real ou não. O intuito é que, por meio de seus desfiles, eles possam ao mesmo tempo brincar de fazer Carnaval e mostrar sua produção ao público. É por isso que a produção precisa ser original, única e autoral”, diz o 2º artigo do Regulamento vigente para os desfiles transmitidos pela Uesm.

Diferentemente do Carnaval tradicional, a União das Escolas de Samba de Maquete não recebe apoio de nenhum órgão externo, municipal ou estadual, para que os desfiles ocorram. “Infelizmente, não recebemos apoio financeiro de ninguém. A gente mesmo se ajuda, manda material um para o outro, retalho de tecido etc”, diz Raphael.

Apesar da falta de incentivo, o evento segue forte e ostenta muita bagagem cultural e histórica entre os participantes. Afinal, é possível começar uma escola do zero de qualquer lugar do Brasil, o que faz com que existam referências sociais e culturais muito mais diversificadas nas histórias que são contadas – e com menos estereótipos do que se costuma ver quando as escolas do Sudeste retratam pessoas do Norte, Nordeste ou Sul.

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A motivação de quem faz

A escola de Nícolas Gonçalves, 22 anos, bacharel em artes cênicas, desfilou pela última vez em 2019, último ano que ocorreram os desfiles de maquete (em 2020, o começo da pandemia acabou inviabilizando o evento). Ele conta que, desde pequeno, tem uma relação próxima com maquetes e costumava criá-las em sua casa. Cresceu dentro das escolas de samba da sua cidade, Guaratinguetá, no interior de São Paulo, e tornou-se carnavalesco por dois anos seguidos da Beira Rio da Nova Guará, mas infelizmente não pôde por seus desfiles na avenida por cancelamentos prévios. Para descontar a frustração que sentia, filiou-se à Uesm criando a Unidos do Tijucano, e, no ano de 2019, foi vencedor do Grupo Especial com o tema “O Alto da Trupe de La Mancha”, falando sobre Dom Quixote e o sertão brasileiro. “As minhas referências na criação de um desfile são muito pessoais, pois falam sobre o que eu estou vivendo no momento. Assisti a um musical chamado O Alto do Reino do Sol, que me influenciou bastante, e as músicas também interferem no meu processo criativo.”

Uma das características mais interessantes é que as escolas, após os desfiles, tornam-se reutilizáveis para os próximos anos. Podem ser desmontadas e transformadas em uma nova alegoria para o desfile do ano seguinte, alterando os formatos e as silhuetas. Esse processo de criação da escola é a parte que Nícolas mais gosta. O desfile que ele vai apresentar neste ano levou quatro meses “sem dormir” para ficar pronto, mas já teve uma apresentação que demandou um ano inteiro de preparação, entre criação e desenvolvimento do enredo. “A Tijucano sempre foi uma válvula de escape para eu pôr toda minha energia criativa. Por mim, eu ficava nesse processo de criação por muito tempo. Gosto mais dele do que de exibir. É um sentimento de colocar um filho no mundo, mas também de querer que fique debaixo da asa.”

 

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Foto: Eduarda Gaeta de Souza

Os desfiles em miniatura surgem como uma opção ainda mais forte no momento em que todos estão – ou deveriam estar – em casa, quase como um abraço quentinho. É a oportunidade de, mesmo no meio do caos, abusar do glitter, usar um look colorido, beber com as pessoas com quem você divide a casa e se divertir assistindo e reparando na riqueza de detalhes que esses criadores apresentam.

Do alto dos seus 5 cm, os “bonecos peladinhos” recebem roupas extremamente conceituais, coloridas, cheias de brilhos e pedrarias. Um exemplo, que você confere em fotos nesta reportagem, é a Princesinha do Sul, escola de Yuri Bastos, 24 anos, estudante de arquitetura, que desfila este ano pela primeira vez no Grupo de Acesso. Do abre-alas ao último carro, os personagens carregam produções dignas da Sapucaí, com penas, pedras nas cores da escola e adornos. Yuri nasceu em um domingo de Carnaval, e, desde então, tem a festa como sua paixão. Em sua estreia, apresenta o enredo “Era Uma Vez o Conto de Fadas da Princesinha do Sul”, uma história rica de detalhes. O nome da escola é em homenagem à origem da cidade onde ele mora, Pelotas, no Rio Grande do Sul. Construída com o sangue negro escravizado, ela foi considerada a cidade mais rica do estado no período colonial e ganhou o apelido de Princesa do Sul. Yuri recuperou essa alcunha, mas agora levou-a a um cenário diferente, como forma de resistência de um povo invisibilizado. “O propósito é criar familiaridade com a história, mas em um contexto reformulado.”

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Foto: Eduarda Gaeta de Souza

Os desfiles das Escolas de Samba de Maquete em 2021 começaram no dia 13 e vão até 16 de fevereiro. Todos ficam disponíveis no canal de YouTube da União das Escolas de Samba de Maquete.