Dancing with myself

O crescimento da venda de sex toys e de livros eróticos na pandemia prova que o sexo solitário não tem nada de entediante. Pelo contrário.

O distanciamento no último ano foi também dos relacionamentos, dos crushes, da pegação, do sexo casual. Como não poderia deixar de ser, a pandemia também impactou nossa sexualidade. Diante de um 2021 ainda bastante nebuloso, uma das poucas certezas que temos é de que o distanciamento social segue necessário – e seguro. Mas, para os solteiros, isso não implica em uma vida sexual estagnada. Há muito a ser explorado sozinho.

Clariana Leal, educadora sexual, cofundadora da Climaxxx (loja erótica focada no prazer das mulheres) e colunista da ELLE, faz um breve retrospecto do que se deu na prática no último ano. “De lá pra cá, muita gente mandou mensagem pedindo dicas sobre o primeiro vibrador”, diz ela, que atende cerca de 30 pessoas por dia em mensagens diretas pelo Instagram. Para indicar um sex toy, Clariana faz uma série de perguntas, para iniciantes ou iniciados – como é sua relação com seu corpo? Como é sua vida sexual? Você prefere toque mais leve ou intenso? –, a fim de prestar uma melhor consultoria. “Recebi agradecimento de mulheres que tiveram seu primeiro orgasmo na pandemia.” Para ela, a masturbação é fundamental. “Se tocar tem a ver com se abrir para a sexualidade. Sozinha, lidando com anjos e demônios, a curiosidade tem mais espaço. Se masturbar faz bem. Faço até como uma forma de relaxar quando tenho dores”, conta Clariana, que prefere sexs toys no estilo “varinha-mágica”.

E ela não está só no sucesso desse tipo de negócio. Um levantamento do portal Mercado Erótico, especializado no setor, aponta que o número de empreendedores triplicou na pandemia. O item mais vendido é o vibrador, seguido por cosméticos eróticos.

Desde o início do isolamento, a terapeuta sexual Maria Cecília percebeu
em seu perfil no Instagram um aumento do interesse pelos temas vibrador e masturbação. “Nunca se falou tanto em siririca. Além de ajudar na autoestima e no controle da ansiedade, se masturbar traz um autoconhecimento de novas possibilidades, sem ficar dependendo do outro para te dar prazer”, defende. E tudo pode ficar ainda mais prazeroso se tirarmos o foco do orgasmo e vivenciarmos outras experiências excitantes, que também podem ser classificadas como sexo, ainda que muita gente não saiba disso, mesmo fazendo. “São estímulos como ver uma imagem sensual, mandar um sexting, ouvir uma música que te excite. Não dá para burocratizar a masturbação. Ela tem que andar junto com seu conhecimento corporal, com educação sexual. Senão fica mecânico”, defende a terapeuta.

Um desses estímulos pode ser a leitura de textos eróticos. Os números mostram que o segmento já vinha em uma onda crescente desde 2019, que aumentou ainda mais na pandemia. “No ano passado, o crescimento no nosso faturamento foi de 300%. Esse ritmo se manteve nos três primeiros meses de 2021 e nossa expectativa é até superá-los”, diz a editora Patrícia Trigo, do Grupo Editorial Portal, que contabilizou no ano passado a venda de 260 mil e-books de histórias eróticas.

Sexual wellness

O orgasmo, vale lembrar, contribui muito para o nosso bem-estar. Quando gozamos, nosso corpo libera uma série de substâncias responsáveis por essa sensação, tais como serotonina e dopamina, que ainda atenuam a ansiedade, entre outras questões emocionais. Além delas, há a liberação da noradrenalina, que traz aquele relaxamento e sono do pós-sexo. Tudo isso é possível conseguir, em casa, no isolamento, com a masturbação. E tem muita gente feliz com isso. “Mulheres que nunca se masturbaram fizeram isso na pandemia, com ou sem parceiro fixo. Parece que se sentiram mais autorizadas a se masturbar, apesar de em 2020 isso ainda ser um assunto tabu, mesmo com aumento de venda de sex toys voltados ao clitóris e ao prazer feminino”, diz a psicóloga e sexóloga
Michelle Sampaio. Se analisarmos os sex toys mais vendidos pela Climaxxx, há um foco na estimulação e sucção clitoriana, por onde a maioria das mulheres atinge o orgasmo.

Com essa mudança de comportamento, surge uma nova tendência de mercado, o
sexual wellness. O termo se traduz em uma vida sexual saudável e, na prática, significa lidar com sua sexualidade de uma maneira positiva, colocando-a em prática e usufruindo de seus benefícios físicos e mentais. O mercado já percebeu que as mulheres preferem sex toys com formatos de bicho, tal qual o porquinho sugador de clitóris, um hit da pandemia, no lugar daqueles fálicos demais. Também entendeu que os lubrificantes com ingredientes naturais podem ser mais interessantes do que os artificiais com cheiros de torta de limão ou champanhe. Que colocar uma vela no quarto e fazer uma aromaterapia antes do sexo pode ser um caminho para o relaxamento e, enfim, o orgasmo. A agência de pesquisa Research and Markets aponta que este nicho vai alcançar em 2025 a marca de 40 bilhões de dólares com a venda de óleos, velas, vibradores, lubrificantes e itens que possam trazer prazer com uma experiência mais abrangente, além de ingredientes orgânicos, bem como embalagens clean. “Esse bem-estar tem a ver não só com gozar. Não é só transar. É também tomar um banho demorado, explorando com as mãos o corpo, se olhar nua no espelho, se conectar mais”, diz Michelle.

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Porquinho nada chauvinista: Babe Sugador clitoriano, da Pantynova, R$ 310.Foto: Reprodução

Além do crescimento do mercado erótico e das pessoas que buscam prazer sozinhas, fica a dúvida: o que será da nossa vida sexual quando a pandemia acabar? “Essa é a pergunta de um bilhão de dólares”, diz Michelle. Mas a especialista aponta dois cenários. “Um seria voltar a transar loucamente, uma liberação geral depois de tantos sentimentos represados. Ou a preferência de muita gente pelo fazer solo, em uma ideia de ‘eu me basto'”, vislumbra. Mas uma coisa é certa: esse período intensivo de masturbação pode trazer muitos benefícios, principalmente para as mulheres.