Do coração ao frasco

François Demachy é o nariz por trás dos perfumes da Dior. Em entrevista exclusiva à ELLE Brasil, ele fala sobre como escolhe a dedo os ingredientes de suas fragrâncias e os transforma em histórias olfativas que emocionam.

Se você tem alguma familiaridade com o mundo da perfumaria, já sabe que os profissionais por trás das fragrâncias, em geral, não são tão dados aos holofotes como na moda. Enquanto os estilistas adoram narrar seus processos e recebem a imprensa com certa naturalidade no backstage depois de seus desfiles, os perfumistas, na maioria das vezes, trabalham longe das câmeras e preferem manter-se afastados delas. No entanto, neste ano, François Demachy – o nariz da Dior – quebrou o silêncio com o documentário Nose, dirigido por Clément Beauvais e Arthur de Kersauson e disponível no Brasil pela Apple TV, Google Play e Net Now. Pela primeira vez em muito tempo, conseguimos ver de perto como se faz um hit da perfumaria. “Foi estranho”, diz sobre o processo de filmagem. “Eu sou muito discreto, quase tímido, mas, com o tempo, fui me adaptando com aquelas pessoas ao meu redor.”

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Foto: Divulgação / Dior

“É claro que não há receita para o sucesso, mas tentamos criar perfumes que tenham o seu próprio universo, os melhores ingredientes possíveis e uma cadeia de produção responsável em torno deles. Tudo isso colabora para a alma de uma fragrância”, diz a respeito do seu trabalho. No filme, é o making of do Sauvage, o mais recente eau de toilette masculino da casa a alcançar sucesso mundial, que está em pauta. “Temos muito orgulho do que alcançamos com ele. É um perfume com personalidade. Ou você ama, ou você odeia. Até porque, não é só sobre o cheiro. É sobre escapar da cidade, estar em contato com a natureza. Para gostar dessa fragrância, é preciso desejar isso também”, explica.

Demachy nasceu em Grasse, na França, cidade que é considerada a capital da perfumaria. No entanto, as fragrâncias entraram de surpresa na sua vida. “Eu queria ser médico, mas, para pagar meus estudos, trabalhei em uma fábrica que transformava a matéria-prima em essências para a perfumaria”, lembra. “Até hoje, esse background me ajuda. Saber como o processo funciona do começo ao fim é essencial.” Aliás, essa é uma das características mais importantes do seu modus operandi, a preocupação com a origem, a qualidade e as condições de vida de quem cultiva os ingredientes que compõem os acordes olfativos escolhidos por ele. “Tenho muita sorte de estar ao lado de uma grife que está atenta a tudo isso. A Dior ajuda os produtores durante todo o ano, ano após ano. É por isso que conseguimos alcançar os resultados incríveis dentro dos frascos da maison. Para mim, é uma obrigação e um prazer fazer essa troca.”

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Foto: Divulgação / Dior

No laboratório, são duas as possibilidades. Para a linha de fragrâncias da Dior que você vê nas prateleiras de multimarcas ao redor do mundo, Demachy se une a uma equipe especializada em tendências que delimita um terreno que merece ser explorado por seu talento. “Foi o caso do Sauvage. Me trouxeram a ideia de um deserto e eu me apaixonei. De dia, o calor inibe todos os cheiros da paisagem. Pela noite, contudo, a umidade chega e todas as essências se revelam.” Na linha deluxe da etiqueta, chamada Maison Christian Dior, o perfumista tem carta branca para soltar a criatividade. “Às vezes, construo tudo em volta de uma única nota. Em outras, invento uma história e tento contá-la através de um perfume. Não à toa, alguns dos perfumes tem o mesmo nome que eu dei quando eles estavam no laboratório comigo. É o caso do Gris Dior e do Thé Cachemire. De todo modo, são processos muito diferentes”, explica.

“Treinar é fundamental. O nariz é como um músculo que precisa estar em constante exercício. Acho que ninguém jamais estará 100% completo quando se fala de refinamento olfativo”, argumenta. Fora isso, de acordo com Demachy, é preciso as movimentações da cultura para criar perfumes que dialoguem com o tempo em que vivemos. “Por exemplo, há pouco tempo atrás, as fragrâncias mais adocicadas (que, confesso, não são minhas preferidas) estavam muito em voga. Agora que estamos enclausurados em casa, entretanto, são os perfumes mais naturais, mais verdes e refrescantes que têm tomado a dianteira. O meu trabalho, portanto, é como um espelho da sociedade. O mercado da perfumaria está sempre se transformando, mas eu sou como um romancista, um intérprete do que acontece no mundo.”