Ilustração Victor Aguiar Magalhães
Fiquei aqui pensando nessa tendência de copiar looks do passado de uma maneira superliteral, como alguém que se descolou de uma revista antiga ou caiu do trem da máquina do tempo. Não estou falando de reaproveitar ou reusar peças, incluir itens de qualquer tempo em uma montagem de hoje ou estilizar coisas atuais com um toque de nostalgia, mas de uma espécie de transplante temporal de peças, cabelo, sapato, atitude, pacote completo.
Em princípio, me parece meio filme de terror, sei lá. Clones de Farrah Fawcett balançando a franja, estátuas de cera vitorianas recitando as irmãs Brontë, zumbis anos 1980 ou algo do tipo. Mas a curiosidade me obriga a ir além, ou seja, me perguntar o que isso pode significar no contexto social de hoje, o porquê, o motivo que faz com que essa tendência se apresente assim.
Será recado de uma crise de criatividade? Talvez isso fale de certa cristalização de percepções e relações. Pode ser também que se trate daquela ilusão furada sobre um passado idealizado, sobre eras de ouro que, quando olhadas de perto, muitas vezes não passam de lata velha. Não chego a nenhuma conclusão muito fechada e, nesse momento, penso que isso é até desejável.
Estamos numa espiral de mudanças tão bruscas, com perspectivas às vezes tão ruins, que talvez se grudar em imagens do passado extremamente fechadas, congeladas e repetidas possa ser uma forma de firmar chão, ter segurança.
Só que isso não se sustenta. A presença de um corpo vivo aqui, hoje, agora, a mídia pela qual esses looks túnel do tempo são expostos, tudo deixa marca, tudo aponta. E, mesmo que alguém criasse uma cidade inteira replicando cada rua, casa, objeto, tecnologia e visual das pessoas, um simples olhar lançado hoje despejaria sobre essa réplica uma série de conexões. E, quanto mais parecida, mais grotesca seria a comparação, como se o próprio tempo, não apenas no que o entendemos como cronológico, não só na sequência de horas, anos, séculos, dissesse: já não sou o mesmo nem isso é o que fui.
A memória é dada a edições e tem sua realidade específica. É impossível reaver qualquer passado em sua integridade absoluta porque ele mesmo nunca foi assim tão inteiro. Nós também não.
Podemos, por outro lado, interrogar o passado a partir de hoje. E, em uma mudança de perspectiva, mudá-lo de uma certa maneira. Não só a narrativa, não só recontando a história a partir do que dela por tempos foi escondido, oprimido, apagado de diversas formas. Mas abrindo caminho, criando espaços pra que, sendo analisado e vivido na palavra de forma diferente, esse passado, quem sabe, abra portas para ações que construirão novos futuros. Outras possibilidades.
Nesse ponto, pode ser útil olhar o passado exatamente como ele tem sido contado e colocado em imagens até hoje. Não para abraçá-lo definitivamente, mas para reconhecê-lo de novas formas, rejeitá-lo e, mais importante, repensá-lo, fazer dele dúvida, questão, tensão e confusão.