Há poucos anos, muita gente torcia o nariz para uma paleta de sombras com tons de verde. Esse era o caso da maquiadora holandesa Nikkie de Jager, mais conhecida pelo seu canal no YouTube, NikkieTutorials. Com quase 14 milhões de inscritos, a beauty artist disparou em 2018: “O verde é a cor que menos gosto para maquiagens – e na vida, em geral”. Membro da chamada geração Y, ou millennial, ela se dava muito melhor com o cor-de-rosa acinzentado que dominou a cartela dos nascidos entre 1981 e 1996.
O tal do “rosa millennial” foi um hit dos anos 2010. Era o tom que pintava as embalagens da marca de beleza hypada da estadunidense Emily Weiss, a Glossier. Era a cor das sacolas da igualmente famosa grife de roupas Acne Studios. Era o que se via nas toucas de tricô com orelhinhas usadas nas marchas feministas dos Estados Unidos. De acordo com o estrategista de cultura digital e futurólogo Felipe Teobaldo, a cor estava em todo lugar e representava uma subversão velada, um desejo por parte dos millennials de começar um diálogo com a sociedade em prol de um mundo melhor.
“O conflito de gerações sempre existiu”, lembra Rafael Cazes, sócio e diretor criativo da agência Hardcuore, especializada em design para o futuro. “Não à toa, o verde geração Z e o rosa millennial são cores opostas no círculo cromático e que, na cultura, também batem de frente.” Segundo a pesquisadora de tendências Nina Grando, contudo, as duas cores carregam sentidos parecidos, mas em diferentes intensidades. “Os debates sobre feminismo e sobre padrões de beleza que começaram a ser representados por essa nova interpretação do rosa seguem com a geração Z. Eles, por sua vez, vão além, flertam com o estranho, com o desconhecido e, por isso, propõem novos mundos radicalmente diferentes do que esse com o qual nos acostumamos. É daí que vem essa preferência pelo verde.”
“Não à toa, o verde geração Z e o rosa millennial são cores opostas no círculo cromático e que, na cultura, também batem de frente.” Rafael Cazes, sócio e diretor criativo da agência Hardcuore
Vale também lembrar que o verde gen Z não fala sobre a natureza da perspectiva do relaxamento ou do escape urbano. Ao contrário disso, esse tom vibrante funciona como um alerta para as questões ambientais que atormentam as possibilidades de futuro desses jovens. “Pela primeira vez, vemos uma geração que não assume o futuro como fato cultural. O futuro, para eles, é uma dúvida, e não uma certeza”, aponta Felipe. “O mal-estar é a pauta dessa geração. O verde, nesse sentido, vem para escancarar o desejo de ressignificar o mundo”, continua. Nina acredita que há uma veia punk nessa escolha cromática: “Estamos falando de experimentação, de um questionamento da binariedade (nem ‘azul de menino’, nem ‘rosa de menina’). Esse tom de verde tem algo de sobre-humano, de ultratecnológico”.
Em abril deste ano, o produto mais vendido da MoNA, marca independente de maquiagem da carioca Julia Tartari, foi o cremoso multifuncional verde. “Acho que a tendência é que as pessoas vejam a maquiagem como uma ferramenta criativa, e que se perca no passado essa ideia de que ela é feita para corrigir ou padronizar as nossas identidades”, pontua a beauty artist fundadora da empresa. De fato, essa movimentação “antimake de bonita” só está acontecendo devido à rebeldia bem-vinda da geração Z, como já explicamos nesta reportagem no site da ELLE.
Depois do sucesso das belezas de Doniella Davy, em Euphoria (série da HBO que retrata os dramas da vida da geração Z nos Estados Unidos), já aprendemos que a maquiagem tem que ser sobre criatividade, autoexpressão e diversão. “É o passatempo mais queridinho do momento”, diz Carolina Zaia, treinadora e maquiadora da Sephora, referindo-se ao período de isolamento social devido à pandemia do novo coronavírus. “As pessoas estão se permitindo misturar produtos, testar cores antes impensáveis para maquiagem. Vale tudo!”, declara. Que tal se abrir também ao mundo novo do verde geração Z?