Na década de 1980, Clodovil Hernandes estourou a bolha da qual fazia parte há 30 anos para se tornar um dos primeiros nomes saídos da moda para o mainstream brasileiro. A sua presença na televisão, tanto no quadro no TV Mulher, na Globo, quanto no seu programa próprio, na Rede Bandeirantes, consolidou sua imagem como personagem polêmico e sem papas na língua. Estilista desde muito novo, ele ficou conhecido ao criar roupas sob medida para a elite brasileira e, depois, pelas coleções de prêt-à-porter, que traziam a elegância que tanto defendia para peças do dia a dia. Aos 70 anos, se elegeu deputado federal por São Paulo pelo Partido Trabalhista Cristão (PTC).
Alguns anos se passaram e nomes como Celso Kamura e Marco Antônio di Biaggi, cabeleireiros de muitas celebridades, também ganharam força a ponto de se tornarem quase tão famosos quanto as clientes estreladas. “Lembro que percebi que estava ficando conhecido e relevante no mercado quando passei a ser chamado para trabalhar com artistas, editoriais, capas e assinar belezas na São Paulo Fashion Week”, diz Kamura. “Mas foi a presidente Dilma Rousseff que realmente me popularizou. Eu ia no posto de gasolina e as pessoas sabiam quem eu era. Antes, eu era famoso no nosso meio, da moda e da beleza”, explica ele, atualmente dono de um salão com várias franquias e uma linha de produtos com seu nome.
Hoje, as medições de popularidade são outras: comentários no Instagram, número de seguidores, likes e engajamento. Se antes a televisão era a principal plataforma de reconhecimento e popularidade, agora, são os usuários de redes sociais como Instagram e TikTok os responsáveis pelo aval do estrelato. Mas não só. Eles também são os principais agentes no processo de abertura e visibilidade na carreira e vida de quem antes vivia nos bastidores.
“Sinto que a moda está mais desmistificada e a informação está mais acessível. O conceito de moda está mais popular, o que faz com que os profissionais tenham mais liberdade para pirar, já que as pessoas pararam de julgar tanto e consideram isso estranho”, explica o produtor de conteúdo Mitcho Mezzomo, que sempre exalta o trabalho dos stylists de quem é fã em seus vídeos sobre moda. Diferentemente das blogueiras, que antes analisavam as coleções de passarela com foco total em consumo, novos expoentes de comunicação ajudam a fazer a ponte entre o mundo fashion e quem tem interesse sobre ele de forma fácil de entender.
Apesar das mudanças, o caminho da fama não é tão diferente assim e o fenômeno também não é exatamente inédito. Trabalhar ao lado de alguma celebridade ou artista continua sendo a principal porta de entrada ou trampolim para que profissionais da indústria da moda se tornem estrelas por si sós. Mas vale ressaltar que abrir a tal porta ou fazer o salto ainda depende do trabalho e da criatividade de cada um. Além de um bom entendimento sobre comunicação e sensibilidade estética.
Em âmbito internacional, podemos citar os stylists Zerina Akers, responsável pelos looks de Beyoncé, e Law Roach, de Zendaya (e diversas outras atrizes). Ambos se tornaram figuras constantes em eventos e tapetes vermelhos, ao lado de suas clientes ou não. Mais do que isso, eles entenderam rapidamente como aproveitar a popularidade de quem vestem para estabelecer e criar diálogos sobre os mais variados assuntos: empoderamento feminino, identidade de gênero e racial, posicionamento político e por aí vai. O trabalho aqui é em dupla, colaborativo no melhor sentido. Não muito diferente, ainda que com maior visibilidade e transparência, daquele exercido por duos históricos, como Cher e Tina Turner e o estilista Bob Mackie.
A stylist Zerina Akers, responsável pelos looks de Beyoncé, também é figura frequente no street style. Foto: Getty Images
A stylist Zerina Akers, Law Roach, stylist de Zendaya e Anya Taylor-Joy, no tapete vermelho do MTV Movie & TV Awards 2021.pelos looks de Beyoncé, também é figura frequente no street style. Foto: Getty Images
Em território nacional, um dos exemplos mais importantes dessa ascensão dos profissionais da moda é Rita Lazzarotti, que começou a carreira de stylist como figurinista, foi editora de moda de ELLE e outras revistas até se tornar o nome por trás dos looks de Bruna Marquezine, Taís Araújo e Maisa. “Demorei um tempo para assimilar se era isso que queria”, diz ela. “Fui amadurecendo a ideia conforme algumas pessoas me buscavam para esse trabalho. Até que, um dia, quase decidida, mas ainda sem coragem para encarar a mudança, recebi um empurrão dos bons da Taís Araújo. E ela foi a primeira pessoa com quem comecei a trabalhar.” Dentre seus trabalhos recentes, o que mais chama a atenção é a completa repaginação de Marquezine. Nos últimos meses, a atriz já vestiu Area, Schiaparelli, Bottega Veneta e Dion Lee, só pra citar algumas marcas internacionais. Pelas mãos de Rita, a atriz, influenciadora e capa do volume 04 da ELLE impressa viu seu status de ícone fashion chegar a alturas jamais imaginadas. Pode não parecer, mas misturar marcas nacionais e internacionais com maestria e sem tirar o brilho da artista com quem trabalha é tarefa difícil. “Quando você veste alguém, trabalha pensando especificamente nessa pessoa, em sua personalidade e características e em como ela vai vestir e dar vida àquela ideia. É um processo de interpretação de imagem que envolve uma construção em parceria. São pensamentos e decisões tomadas em conjunto”, aponta. Para ela, o trabalho editorial é mais a moda pela moda, de forma mais pura e livre para criar algo do zero. Relembrando sua carreira, Rita não consegue identificar um momento exato em que tudo se transformou. “O trabalho no MTV Miaw com a Bruna foi definitivamente muito importante para mim. Tive um retorno gigante, e não imaginava que impactaria tanto as pessoas. Foram mensagens vindas de todos os lados e até mesmo de pessoas que não vivem ou olham para a moda e, mesmo assim, se empolgaram e isso chamou minha atenção”, comenta. Na ocasião, Marquezine vestiu as marcas Area, Ashi Studio e Alexandre Vauthier.
Celso Kamura, Rita Lazzarotti e Dudu Bertholini.
“É estranho pensar nisso, mas já houve um tempo em que as pessoas não associavam moda com celebridades. Eram universos diferentes, no qual somente as modelos eram as pessoas que ‘vestiam moda’. Isso mudou completamente nos últimos anos e eu faço parte do time que acredita nas celebridades usando a moda como parte do seu ofício. Moda é arte, então como não ter atrizes e cantoras usando isso a seu favor? Vamos vestir alta-costura? Sim. Vamos ousar? Sim. Vamos usar um designer novo e homenagear um clássico? Sim. Gosto do risco e da novidade”, diz Rita.
“O trabalho no MTV Miaw com a Bruna foi muito importante para mim. Tive um retorno gigante. Foram mensagens vindas de todos os lados e até mesmo de pessoas que não olham para a moda. Isso chamou minha atenção.” Rita Lazzarotti
Henrique Martins também alcançou um posto de sucesso em sua carreira. Apesar de fazer editoriais com frequência, ele também ousa ao maquiar as atrizes que estão no seu portfólio, misturando uma beleza glamourosa, queridinha pelas brasileiras, com uma estética mais inovadora. “Meu pensamento é o seguinte: sempre quero dar a melhor versão daquela pessoa, então meu trabalho é 100% personalizado. Não é sobre transformá-la em algo que ela não é ou em um visual de tendência que não funciona”, explica. Seus trabalhos ao lado de nomes como Grazi Massafera, Sabrina Sato e Anitta não nos deixa mentir: apesar de toques edgy, há sempre uma beleza clássica que transcende gostos pessoais.
Há a questão, no entanto, de sempre se reinventar e trazer o que existe de mais novo e ainda pouco explorado, que faz com que os nomes dessa matéria continuem relevantes em seus métiers. Não basta só aparecer na televisão ou vestir e maquiar artistas: se manter importante significa estar sempre um passo adiante. “Estou no mercado há mais de 40 anos, fiz e faço de tudo: atendo clientes, faço publicidade, celebridades, construí uma marca forte, dei workshops pelo Brasil todo e sigo me reinventando”, diz Kamura. “Posso ser velha, mas não saio da pista! As redes sociais não foram fáceis para mim no começo – e às vezes ainda não são. Mas quis mostrar um lado meu que nem todo mundo conhece”, comenta o cabeleireiro, que hoje acumula mais de 100 mil seguidores no Instagram e faz lives semanais.
Rita Lazzarotti é a stylist de Maisa e foi a responsável pelos looks da capa ELLE View de dezembro 2020. Foto: Pedro Pinho
Look de Giambattista Valli usado por Bruna Marquezine para o MTV Miaw, com styling de Rita Lazzarotti. Foto: Fernando Tomaz
Apaixonado por moda desde criança, Dudu Bertholini também se tornou um nome bastante conhecido fora do mundinho. Além de já ter sido jurado em programas como o Brazil’s Next Top Model (2007-2009) e ter feito parte do elenco fixo do programa Amor e Sexo, na Rede Globo, sua estética maximalista e personalidade extravagante trazem frescor à conversa de moda. “Meu trabalho como comunicador foi um turning point importante na minha carreira. Quando comecei a trabalhar com audiovisual, televisão e, claro, com a internet, rolou esse panorama multidisciplinar. Além disso, o boom pós-Gisele (Bündchen) também voltou os olhares de fora pra cá. Nesse momento, muitos estilistas ganharam o status de celebridade ou passaram a ser mais conhecidos para além da moda”, relembra Bertholini.
Para o estilista, é imprescindível que nomes que estouram a bolha se posicionem de forma acessível e democrática. “Hoje, nós temos uma responsabilidade muito grande sobre o que comunicamos. A moda e o mundo estão passando por uma revolução. Pensar numa moda empática, transparente, inclusiva e representativa é nosso papel – e, se somos nós esses locutores, temos que nos tornar agentes dessa transformação”, finaliza.