“Quero aplicar o modelo KondZilla em territórios fora do Brasil”

Comemorando 10 anos da empresa que é sinônimo da forte cena de funk paulista, Kond relembra à ELLE seu início e revela seus planos.

Dez anos atrás, quando Konrad Dantas, 32 anos, desistiu da carreira artística, o rap perdeu um MC, mas o funk nacional sem dúvida saiu ganhando. O paulista do Guarujá, litoral sul de São Paulo, trocou o microfone pela câmera e passou a fazer vídeos com temas variados: esportes, clipes de rock e funk. Percebeu que havia demanda para o último e passou a se dedicar a isso. História resumida: seu nome artístico no rap virou o de sua empresa e, em 2021, a KondZilla celebra 10 anos como o maior canal de funk do YouTube do mundo e o quarto maior canal de música do planeta, com mais de 64 milhões de inscritos e 35 bilhões de visualizações. “Graças a Deus, minha carreira no rap deu errado”, lembra rindo Kond, como passou a ser chamado.

Em 2019, deu um passo além dos clipes com a série de ficção Sintonia, que se tornaria o produto nacional mais assistido da Netflix naquele ano e ganha segunda temporada ainda em 2021. O complexo de 1.200 m² e 200 funcionários em São Paulo da KondZilla abriga ainda um braço musical, a KondZilla Records, que agencia a carreira de alguns dos maiores nomes do funk hoje, como Kevinho, Lexa, MC Kekel, MC Fióti e Jottapê, entre outros.

 

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Foto: Divulgação/Pedro Dimitrow

 

Enquanto expande suas operações para além da música, Kond quer muito mais: sonha em ver a cultura da favela ganhar o mundo. Em entrevista à ELLE, o empresário relembra a cena do funk paulista dez anos atrás, o lugar que acredita que a KondZilla ocupou na explosão do gênero, e reflete sobre a relação entre marcas e artistas da periferia:

Você já tinha uma relação próxima com o mercado do funk no início da sua carreira? Como era a cena na época?

O funk já tinha uma audiência muito grande no YouTube, mas não tinha os videoclipes que conseguiam atender a essa demanda. Havia muito o que se chamava de medley: são vídeos em que a galera bate na palma da mão e canta quatro, cinco músicas. Ou então tinha, por exemplo, cinco artistas e cada um cantava um trechinho da sua música. Assim eram as filmagens. E as músicas eram representadas através de slides. Quando a música falava de moto, mostrava o catálogo da Honda. Era meio assim. Tinha muito o que a gente, no audiovisual, chama de “monstro”, que é uma compilação de vários vídeos de referência. Então, havia muita coisa do funk de São Paulo cantada com imagens do 50 Cent. (risos)

Como a empresa se tornou tão conhecida pelos vídeos de funk?

Fui experimentando, fazendo vários vídeos. Meu investimento foi em videoclipe, e eu consegui um espaço no segmento do funk porque não tinha ninguém fazendo videoclipe em São Paulo. Eu era muito procurado. Lembro que na época o artista com o cachê mais caro de São Paulo era o que tivesse feito o último clipe comigo. E, na percepção do público, o videoclipe mais bacana era o que tinha o maior valor de produção. Por exemplo: “O videoclipe de não sei quem tem dois (carros) Camaros. Ah, mas o do outro tem dois Camaros e um Hummer, então é melhor”. Esse era o parâmetro. Isso mais ou menos em 2012 e no funk de São Paulo. A música sempre mandou, mas, como naquele ano o videoclipe era uma novidade, se a música fosse mais ou menos e o clipe fosse bacana ao olhar do público, estourava.

“Lá atrás, em 2011, quando eu não tinha escritório ainda, recebia os meus clientes no meu quarto. Eles sentavam na minha cama.”

Com a empresa celebrando 10 anos, que reflexão você faz sobre o papel que a KondZilla teve no funk paulista? O quão transformadora você acha que ela foi para a cena?

Acho que o principal ponto foi que a gente tratou o funk, o público, mas também os clientes, os artistas, com muito carinho, com muito respeito. Lá atrás, em 2011, quando eu não tinha escritório ainda, recebia os meus clientes no meu quarto. Eles sentavam na minha cama. Morava em um apartamento de um conjunto habitacional de, sei lá, 40 m². Falava: “Caramba, queria um dia poder receber essa galera no meu escritório, numa empresa”. E fui trabalhando para isso. Na minha cabeça, eles mereciam, como mercado. Agora, falando sobre o público, sempre pensei em qualidade. Trabalhei com pós-produção e acho que a gente tomou muito cuidado nesse sentido. Aí naturalmente bombou. É uma construção, essa foi a minha parte. E naturalmente as outras pessoas do movimento fizeram o outro trabalho de escolher os talentos, as músicas certas. Lembro que lá atrás, 2013, 2014, o MC Guimê estava no (programa da Rede Globo) Altas horas. Era muito legal. Faço parte disso, mas não fiz sozinho.

A KondZilla hoje tem um programa na RedeTV!, HERvolution, idealizado por sua mulher, Alana Leguth, que tem como proposta mostrar o universo feminino dentro do funk. Você já declarou que há alguns anos tomou a decisão de não colocar mais mulheres seminuas nos vídeos. Como você enxerga o lugar que elas ocupam neste ambiente hoje?

Acho que dez anos atrás era outra agenda. A gente estava vivendo um momento de se sentir inserido, de ter representatividade nos conteúdos. Mas, a partir do momento em que você vai conquistando algumas coisas, as prioridades vão mudando, né? Acho que o papel da KondZilla é entender também, sem sombra de dúvida, ao pé da letra, na velocidade que as coisas realmente acontecem, quais são as urgências da sociedade. Então, se determinado grupo se sente agredido, faz parte do nosso trabalho adaptar e atender aquela urgência. Em 2016, começaram a ser questionados alguns tipos de conteúdo. Então, tomamos a decisão de tirar cenas de armas, mulheres de lingerie e palavrão. Fui muito questionado na época. A galera falou que eu ia afundar o funk, o canal, ia sair do mercado. Nessa época, o nosso canal tinha 6 milhões de inscritos. Um ano depois passou para 22 milhões. Acho que a gente tomou a decisão certa.

Para além do canal do YouTube, quais são os próximos planos que você tem?

Tem dois negócios principais em que a gente tem investido muito: machine learning para música e educação. Acabei de comprar um pedaço de uma companhia, chamada Strm, que tem uma inteligência artificial que consegue identificar a performance do artista e buscar um investidor que está procurando aquele perfil, naquele nível de carreira. Também sou sócio de outra companhia, chamada Humanz. É uma tecnologia de Israel, em que a inteligência artificial também identifica influenciadores em geral através das redes sociais.

 

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Foto: Divulgação/Pedro Dimitrow

 

E sua investida na área de educação?

A gente está indo com bastante cuidado porque existem um potencial muito grande e uma responsabilidade maior ainda. Tenho sido provocado, já tem uns meses, sobre essa questão da educação. Comecei a receber certa pressão boa, no sentido de várias pessoas falarem do mesmo assunto num prazo curto. Agora a gente está montando uma plataforma. A gente está bem preocupado em como usar nossas ferramentas, a nossa força, para causar impacto social de uma maneira pragmática, e não ficar falando na internet. Realmente fazer o que a gente fez na cultura com o terceiro setor. A ideia é dar aulas online, não relacionadas ao audiovisual apenas, mas a diversos temas. E aí a gente está buscando parcerias de grandes companhias para nos ajudar em diversas áreas.

Sintonia vem aí com uma segunda temporada. Depois do sucesso da primeira, vocês já têm outros planos para séries?

A gente está fazendo dois programas de TV, dois documentários e duas séries de ficção. Um programa de TV é o HERvolution, e o outro a gente vai anunciar em breve. Os dois documentários, um a gente já divulgou, que é o The beat diaspora, que a gente está fazendo em coprodução com a My Mama para o YouTube Originals. Esse projeto é muito legal. É sobre a diáspora africana no Hemisfério Sul do planeta, como essa musicalidade se conecta. Tem o documentário da Lexa, que já estreou, e mais uma série de ficção, que estou fazendo com a Conspiração Filmes.

Estando à frente de tantos projetos como empresário, você ainda consegue se envolver na criação dos produtos? Como é a sua rotina?

Todos os dias pela manhã, entre o fim do meu treino e a hora do almoço, estou envolvido na parte criativa, em alguma sala de roteiro, no desenvolvimento de algum projeto original. Depois do almoço, fico resolvendo alguma coisa da produtora ou alinhando algum novo projeto. E do final da tarde para a frente me dedico às coisas da gravadora, a Kondzilla Records. Sinto o mesmo prazer em fechar um negócio como eu tinha dirigindo um vídeo, por exemplo. Acho que o grande lance que me move hoje é conseguir realizar as coisas que muita gente não está a fim de fazer. É muito mais sedutor estar no set de filmagem do que no escritório. Esses novos negócios que tenho feito, a maioria é confidencial, então não posso postar. Estou, inclusive, fazendo um exercício de segurar essa ansiedade.

Recentemente, houve uma polêmica com a Lacoste, que foi criticada por ignorar o público do funk, do trap, que com frequência exalta a marca nas suas músicas. Como você vê essa relação às vezes conflituosa entre marcas e artistas da periferia?

Isso é bem antropologia, né? A gente tenta tropicalizar muito a cultura americana, muito, muito. Inclusive, é até uma dificuldade realizar projetos que retratam São Paulo, porque geralmente as pessoas que estudam comunicação, audiovisual, marketing, publicidade, cinema, tudo isso aí, têm referências de lá, né? E, quando falam de urbano, falam de Nova York. Isso está retratado em um documentário chamado Fresh dressed. Ele fala exatamente sobre o que a gente está vivendo agora. Tem um trecho que conta a história do Puff Daddy, que foi o primeiro cara dono de marca, estilista, negro, a desfilar na New York Fashion Week. Ele vendeu roupa para caramba, mas depois de um tempo a galera sentia necessidade de voltar a usar Ralph Lauren. E a gente tá meio que vivendo isso aqui, né? Porque tem diversas marcas brasileiras superbacanas.

“Pessoalmente, investi muito alto em moda, no street fashion. E depois que comecei a ser reconhecido por marcas parei de fazer esse investimento e comecei a me focar em outra coisa.”

Quando essa relação com marcas se estabelece, é uma preocupação para você que não haja uma apropriação por parte dessas marcas da cultura ou de demandas da periferia?

É da natureza do artista buscar o reconhecimento. Então, quando você é reconhecido por uma marca, é muito legal. Pessoalmente, investi muito alto em moda, no street fashion. E, depois que comecei a me a ser reconhecido por marcas, parei de fazer esse investimento e comecei a me focar em outra coisa. Para mim, foi importante.

O investimento que você fez foi motivado por gostar de moda?

Sempre gostei, mas nunca acompanhei muito. Comecei a acompanhar depois de um caso que aconteceu comigo em Paris. Fui à Galeria Lafayette e um segurança ficou atrás de mim. Eu já era o KondZilla, já era conhecido, já tinha ganhado uma grana. Me incomodei muito com aquilo, muito. E aí eu via outros homens negros de quem o segurança não ia atrás. Comecei a pensar: “O que eu tenho de diferente desse cara?”. Vi que a roupa dele era bem legal. Pensei: “Não quero passar por isso nunca mais na vida”. E aí fui trabalhando essa imagem, esse meu posicionamento, até ser reconhecido pelas marcas que eu admirava. Hoje posso afirmar que não invisto mais nisso. Prefiro comprar uma musictech. (risos)

Você foi reconhecido como um dos afrodescendentes mais influentes do mundo em 2019, na lista da Mipad (Most influential People of African Descent), que é apoiada pela ONU. O fato de ser um homem negro pesa de alguma forma em suas decisões de negócio?

Eu não me considero uma pessoa militante, mas entendo meu lugar, sei que tenho lugar de fala para alguns assuntos, de favela ou de uma agenda antirracista. Mas eu uso isso como “opa, calma, aí, eu sou da origem do meu público, eu acredito que sei o que eles gostariam de consumir”. Então, vou produzir com o maior carinho e dedicação. Por ter lugar de fala, acho que fica mais genuíno o conteúdo que a gente faz. Algumas vezes, me questionei se realmente conseguia identificar o que o público gostaria de consumir ou se foi uma sorte que eu dei. E Sintonia foi a prova de que sim.

O que te resta ainda para sonhar? Daqui a dez anos, o que você espera contar que a KondZilla estará fazendo?

Quero contar como foi a nossa trajetória de sucesso para a expansão da KondZilla em outros territórios, como entretenimento para o jovem de favela, de quebrada, de gueto, de periferia. Esse público ao redor do mundo tem algumas características semelhantes mesmo não tendo contato um com o outro. Então acho que dá para aplicar o modelo de negócio da KondZilla em outros territórios fora do Brasil. Esse é um sonho. Acho que nós somos uma das poucas companhias no Brasil e no mundo que estão preparadas para isso.