“Você pensa que é chique, mas é um baita brega. A sua roupa é brega, o seu sapato é brega, o seu jeitão é brega, os seus amigos são bregas, porque ser brega é bom.” Assim é o refrão de “Viva Bregamente”, hit da artista Rose Maranhão lançado em maio deste ano. Melodia e letra ecoam como um mantra sagrado nas caixas de som de Luísa Nascim. Com o baby hair cuidadosamente penteado, óculos Juliet e look de cores extravagantes, a cantora potiguar é a vocalista da banda Luísa e Os Alquimistas – e comumente tachada de cafona. Se ela toma isso como crítica? Que nada. Quem mira a depreciação acerta no elogio. Para ela, ser brega é uma honra.
Para alguns, o puro suco do brega pode ser representado por cantores mais clássicos, como Reginaldo Rossi, Agnaldo Timóteo e Odair José, que fizeram história ao abordar o romantismo sem moderação, com uma pitada de seresta e teclados malemolentes. Porém, se você tem 20 e poucos anos e uma música chamada “Garçom” não te diz nada, é mais provável que o termo te remeta ao bate-cabelo de Joelma, da Banda Calypso, às indiretas para o crush de Gaby Amarantos, em “Ex mai love”, e às reboladas quicantes de MC Loma e as Gêmeas Lacração. Nesse caso, há também grandes chances de você já ter feito uma performance sofrida em frente ao espelho, ao som de “Meu pisêro”, de Duda Beat.
Brega não é um ritmo, tampouco um estilo. É um movimento cultural, repleto de fases, recortes e desdobramentos. Sua importância no Brasil é tão grandiosa que, no dia 1 de julho de 2021, o movimento se tornou patrimônio imaterial de Recife. Dentre as figuras que lutaram ativamente por essa declaração, está Michelle Melo. Conhecida como a Rainha do Brega, a ex-vocalista da banda Metade chegou à cena quando tudo era mato, há mais de 20 anos, e já rodou o mundo com sua sofrência carregada de sensualidade.
“Ainda tem muita gente que acredita que brega é um ritmo, um estilo, quando, na verdade, estamos falando de um movimento gigantesco. O processo de luta para que esse reconhecimento acontecesse foi incrível. Grande parte da nossa população não fazia ideia da grandeza dessa expressão”, diz Michelle. Tal desconhecimento tem explicação histórica: “O termo brega não surge através dos artistas. É um nome pejorativo dado pela mídia e por uma certa elite intelectual aos compositores populares, sobretudo em meados dos anos 1960 e início dos anos 70, como forma de contrapô-los a uma música considerada mais engajada e intelectualizada, tipo as canções de protesto ou até mesmo o tropicalismo”, diz o jornalista e pesquisador musical GG Albuquerque, fundador do site Volume Morto e cocriador do Portal Embrazado. “O brega serve como denominador comum para uma ampla gama de gêneros musicais que têm o romantismo como principal temática e uma estética meio exagerada”, continua ele.
“Ainda tem muita gente que acredita que brega é um ritmo, um estilo, quando, na verdade, estamos falando de um movimento gigantesco.” Michelle Melo
Apesar da classificação homogênea atribuída preconceituosamente pela classe burguesa, uma das características essenciais desse movimento é justamente sua identidade variável. O brega de Agnaldo Timóteo, por exemplo, é completamente diferente daquele popular em Belém. “Cada região do Brasil desenvolveu o ritmo à sua maneira, bebendo de fontes muito diversas. No Norte, existem várias referências caribenhas, latino-americanas que imprimem outra corporalidade”, fala Albuquerque.
Quem sabe bem disso é a cantora Keila Gentil, conhecida como Tremekeila. Ex-vocalista da Gang do Eletro, um dos principais grupos musicais do gênero, e em carreira solo desde 2018, a artista amazonense confessa que, só na Região Norte, ela nem sabe dizer quantas variações existem do ritmo. “Tem tecnobrega, tecnomelody, eletromelody, tecnofunk, brega bregoso, brega pop. É muita coisa! A galera do Norte casa muito com os artistas do Nordeste, resultando em uma mistura enorme e deliciosa. O brega é o agente transformador da minha vida”, relata Keila.
A artista confessa que já sofreu diversos preconceitos em relação ao brega, mas sente que a realidade está mudando para melhor, ainda que aos poucos. A expansão das vertentes do gênero pelo Brasil tem sido primordial nesse processo, assim como as discussões cada vez mais afiadas sobre pautas sociopolíticas. “Tudo que vem do pobre, especialmente do povo preto, costuma sofrer preconceito”, observa ela. “As pessoas têm essa mania de dar conotações negativas a tudo que é periférico. Uma coisa que me incomoda muito é que tem gente que não sabe nem diferenciar Norte de Nordeste. Espero que a gente consiga ser respeitado e continue evoluindo.”
E os looks?
Assim como na música, na moda, o brega também é caracterizado por uma ampla diversidade de elementos. Cores vibrantes, estampas desconectadas, animal prints, modelagens sensuais, sapatos chamativos e acessórios mil ganham ainda mais brilho ao lado de belezas exuberantes, com unhas grandes, cabelos zero normativos e maquiagens intensas. Essa, porém, é apenas uma faceta do estilo. A graça do brega está justamente na liberdade absoluta.
“Às vezes, o look pode ser mais fancy e chique. Em outras, é algo mais urbano, mais streetwear”, diz Luísa Nascim. “Existem referências muito contemporâneas, e também mais clássicas. Não há regras.” A fusão de componentes pode dar a impressão de que toda essa mistura é uma grande bagunça, mas a atmosfera despretensiosa é cuidadosamente alinhada e carrega uma enorme bagagem.
Estilista nascida em São Paulo do Potengi (RN), Luna Isaac já vestiu diversos artistas do brega e do pop nacional, como Pabllo Vittar, Linn da Quebrada, Danny Bond, Jota Mombaça e Kaya Conky. Ela também assina o figurino do clipe de “Cadernin”, de Luísa e Os Alquimistas com a drag queen Potyguara Bardo. Em todas as criações, o que prevalece é a construção da narrativa, que pode se inspirar em elementos ficcionais, como novelas e filmes antigos, ou traduzir contextos históricos regionais.
“Levo muito em consideração a história que está ali para ser contada. Procuro trazer elementos pessoais e usar a imaginação para sair do lugar-comum”, diz Luana. “Gosto de criar outras possibilidades, outras realidades. Acho que precisamos aprender a olhar para nossas heranças, nos reconhecer ali e nos apropriar disso para construir potências.”
Fundadora da marca BET – Bicha Extraterrestre, Luna traz na essência da sua etiqueta uma diversidade pulsante. As roupas e os acessórios são agênero, repletos de aplicações artesanais e desenvolvidos para todos os corpos. O mesmo espírito está presente na Panim da Cachorra, grife criada pela DJ e influenciadora Mílian Rúbia, com suporte do estilista e produtor Nilo Gomes. Produzidas sob demanda, as peças de malha e crochê celebram a ousadia e a sensualidade.
Caminhando entre a moda e a música, Mílian é goiana e já nasceu com o brega como inspiração cotidiana. Sua mãe, Vanessa Ribeiro, sempre foi sua musa máxima, junto a Celina e Ivone Sant’Angelo, da dupla sertaneja As Marcianas.
“Cresci nesse meio da música brega, do sertanejo raiz, e sempre me encantei muito, não só sonoramente, esteticamente também. Acho a coisa do exagero, do cafona e do romântico muito envolvente, divertida. O brega nos tira do lugar de conforto. É inesperado, provocador”, destaca Mílian.
Não é fantasia
Assim como aconteceu com outros movimentos marginalizados, como o funk e o pagode baiano, o brega é comumente colocado em um lugar caricato e folclórico, esvaziado de sentido e restrito ao humor. Para GG Albuquerque, esse é mais um retrato de como o preconceito atua em algumas manifestações culturais.
“Existe um modus operandi da intelectualidade da branquitude brasileira de cercear potencialidades políticas das músicas produzidas por grupos negros e periféricos. O próprio ato de classificar como brega é um instrumento de captura. Falta capacidade cognitiva para compreender e, ao mesmo tempo, sobra esforço para excluir e sujeitar essas culturas”, pontua o pesquisador.
Para Mílian, que já foi questionada sobre qual era o tema da sua fantasia em uma festa (era apenas um look casual), essa é uma das reflexões mais importantes sobre o tema. “O brega tem cor, tem cheiro, é uma expressão artística muito grandiosa. É preciso furar a bolha e mostrar que o advogado, o médico, o engenheiro, todo mundo pode ser brega. Não é algo restrito aos artistas. Não é preciso ser básico e normativo só porque você não está sob os holofotes. A gente se fantasia sim, e é incrível, mas o brega também cabe no cotidiano”, garante.
Tem a ver com a realidade coletiva, pluralidade e, sobretudo, com liberdade. Do Norte ao Nordeste, da moda à música, de Reginaldo Rossi à Joelma, aqui pode tudo. Só não vale ser careta.