Hiperatividade pop

O hyperpop deixou de ser um movimento pequeno de alguns selos e artistas para se tornar um gênero, um meme e uma inspiração até para gigantes como Lady Gaga e Pabllo Vittar. Mas o entendimento do que foi e será “hyperpop” ainda está constantemente em expansão.

No último dia 3, uma sexta-feira, Lady Gaga lançou o tão aguardado Dawn of Chromatica, álbum de remixes de seu disco mais recente, o Chromatica, com uma lista de participações tão extensa quanto ilustre: além da nossa grande Pabllo Vittar, o disco também conta com remixes e aparições de, entre tantos outros, Arca, Rina Sawayama, Clarence Clarity, LSDXOXO, COUCOU CHLOE, Charli XCX e A.G. Cook – a última dupla é responsável por um remix cheio de camadas de vocais e batidas frenéticas do hit “911”.

Charli e A.G. vêm trabalhando juntos desde 2016, quando A.G. produziu uma faixa de seu EP Vroom vroom e, mais tarde, se tornou diretor criativo da cantora durante o lançamento das duas obras mais significativas de sua carreira até então: as mixtapes Number 1 angel e Pop 2, ambas de 2017. A parceria foi o pivô de um grande salto na carreira dos dois: na de Cook, cujo selo PC Music passou a ganhar muito mais atenção do público e imprensa, e na de Charli, que graças a não apenas Cook, mas também à produtora SOPHIE, deixou de ser uma simples cantora pop pra se tornar representante de uma vertente mais moderna, mais avançada do gênero: o hyperpop.

A definição do termo hyperpop é ampla e controversa, mas ela se caracteriza, principalmente, como uma espécie de exageração da estética sonora e visual da música pop – uma versão maximalista, por vezes irônica, talvez até cafona do que conhecemos por pop.

A palavra surgiu e costumava ser usada, principalmente, em relação à PC Music, fundada por Cook em 2013 como um coletivo de arte e som em Londres. Na época, ele dizia que o conceito do selo era “gravar pessoas que normalmente não fazem música e tratá-las como se fossem artistas de uma grande gravadora”. Para isso, Cook e as pessoas que o acompanharam no começo da label, como SOPHIE, Hannah Diamond, QT e Danny L Harle, satirizavam a estética da publicidade, do consumismo e do branding corporativo como um todo.

 

Os artistas da PC Music eram presentes e ativos em subnichos do SoundCloud, plataforma onde a música do selo começou a se popularizar. Foi lá que o produtor umru, na época com 16 anos, começou a se interessar pela música pop e eletrônica com mais afinco. “Eu tocava bateria e um pouco de piano quando criança, e comecei a mexer com softwares de música no antigo computador do meu pai muito cedo. Definitivamente não levava a produção muito a sério até conhecer as cenas de club music e experimental bass do SoundCloud – e ouvir Mr. Carmack, Dr. Derg, Sam Gellaitry, e depois Cashmere Cat e SOPHIE, e pensar que eu poderia fazer algo assim”, diz o artista em entrevista por e-mail à ELLE.

Já com suas próprias produções no SoundCloud, em seu último ano do ensino médio, o produtor recebeu um e-mail de A.G. Cook o chamando para participar de Pop 2. “Eu pensei que era uma piada no começo, mas ele encontrou meu trabalho no SoundCloud e, por alguma razão, viu algo nele”, relembra. A colaboração que resultou do primeiro contato dos dois, o beat da faixa “I got it” na mixtape de Charli, mudou tudo para umru. “A faixa virou o meu mundo completamente de cabeça para baixo porque, de repente, eu era um produtor ‘pop’ com quem as pessoas queriam trabalhar.” No ano seguinte, ele lançou pela PC Music seu EP de estreia, Search result, e, desde então, já trabalhou com Laura Les (do 100 gecs), Dorian Electra e Tommy Cash, outros grandes nomes do gênero.

 

PÓS-IRONIA

A origem cultural do hyperpop é inseparável da PC Music, mas a origem estética remonta a muitos outros movimentos e artistas. As letras e símbolos cibernéticos trazidos pela M.I.A. em seu disco /\/\ /\ Y /\, o cloud rap de Yung Lean e Bladee, as batidas agressivas em bangers pop do 3OH!3, o eurodance, o crunkcore, o drill, o nu metal – tudo isso já foi apontado, considerado ou confirmado como inspiração direta ou indireta para artistas do gênero.

Outras esquisitices internéticas do pop também inspiraram diversos artistas e produtores e mudaram as considerações sobre eles retroativamente, como o My teenage dream ended, álbum autobiográfico de Farrah Abraham, conhecida por sua participação no reality da MTV Grávida aos 16. O hit-irônico “Friday”, de Rebecca Black, também teve o mesmo destino.



Lançado em 2011 e originalmente recebido como uma piada, o clipe foi – como tudo inicialmente considerado “ruim” na internet – ganhando o status de cult ao longo dos anos. “Sempre fui fascinada por como tudo constantemente se move e muda na música pop. Sou grata por ter meu próprio pedacinho nisso, por assim dizer”, diz Rebecca via e-mail à ELLE. “Uma parte de mim não existiria se não fosse pelo que eu passei quando criança. Eu também adoro ver as pessoas genuinamente encontrando alegria em quaisquer tradições ou celebrações que a música trouxe para elas.”

Para comemorar os 10 anos do lançamento do icônico clipe, Rebecca lançou um remix de “Friday” no começo de 2021. Produzido por Dylan Brady, a outra metade do 100 gecs, e com a participação de Big Freedia, 3OH!3 e Dorian Electra, a faixa se tornou uma celebração da trajetória da cantora e abriu o caminho para uma nova fase de sua carreira, que ela inaugurou com o lançamento de seu EP Rebecca Black was here em agosto.

O remix de “Friday” garantiu que a cantora ganhasse a capa e o destaque na playlist Hyperpop do Spotify, que reúne os maiores e mais recentes hits do gênero e tem mais de 200 mil seguidores na plataforma. Criada logo após o lançamento do primeiro álbum do 100 gecs, 1000 gecs, a playlist se tornou um chamariz do gênero e responsável por catapultar a carreira de alguns nomes como osquinn.

Mas nem tudo são flores. Em setembro de 2020, A.G. Cook assumiu a curadoria da playlist por uma semana e foi duramente criticado por colocar nela algumas faixas já famosas de nomes como Kate Bush e J Dilla. A razão para as críticas é que, por aumentar sua visibilidade amplamente, a playlist se tornou o principal ou parcial ganha-pão de alguns artistas, e ser retirado dela teria um grande impacto financeiro. A plataforma também é criticada por limitar toda uma variedade de sons e estéticas a “hyperpop”.

“O nome é usado há mais tempo do que a playlist, mas não conheço um único artista que diria que se associa a ele. Ele é ou muito amplo para as cenas mais específicas, ou muito limitado”, fala umru. “Ver o poder que uma empresa como o Spotify tem até mesmo sobre a nova música mais independente e desafiadora de gêneros é assustador. Não é assim que a cultura deve ser consumida, e não é assim que algum valor deve ser atribuído a ela.”

 

HIPER-BRASIL

Seja como for, tanto a polêmica em volta da playlist do Spotify quanto as aparições em Dawn of Chromatica evidenciam que o hyperpop, como gênero ou como estética, está em acelerada ascensão e expansão. No Brasil, ele ganhou até seu próprio festival online em 2020: Hyperpop Festival, realizado em maio do ano passado, e contou com apresentações de Allie X, Kika Boom e Jup do Bairro, além da dupla que idealizou e realizou o festival, o Cyberkills.

Formada pelo paulistano Rodrigo Oliveira e o paraibano Gabriel Diniz, a dupla de música eletrônica, que diz se identificar parcialmente com o termo “hyperpop”, já trabalhou com Luísa Sonza e Kaya Conky, além de ser
autora de remixes oficiais da Pabllo Vittar. “O espaço que Pabllo concede para essas manifestações na discografia dela é superimportante para que o movimento seja visto com menos narizes torcidos”, fala Gabriel.

“O hyperpop não é um gênero, e sim um movimento artístico. Ele está no rap, no pop, no techno, no house, no hardcore. É impossível dizer que tudo isso soa igual.”
Gabriel Diniz, do Cyberkills

Apesar de verem algum potencial de popularização do gênero no Brasil, a dupla destaca que não acredita que o hyperpop se tornará mainstream no país. A expansão do entendimento sobre o gênero, porém, abre possibilidade para que outros movimentos musicais possam ser incluídos dentro da denominação. “O hyperpop não é um gênero, e sim um movimento artístico. Ele está no rap, no pop, no techno, no house, no hardcore. É impossível dizer que tudo isso soa igual”, diz o produtor.

Na primeira semana de setembro, umru postou uma faixa do DJ carioca Ramemes no Twitter, a chamando de “o melhor beat do ano“. Ele também tuitou um vídeo de um remix de “Good ones”, nova faixa da Charli XCX, com uma batida de funk mandelão – que viralizou graças à atenção dos brasileiros. Na última semana, o rapper estadounidense Aaron Cartier lançou uma mixtape chamada MELHOR CACHORRO, toda com batidas de funk produzidas por Dylan Brady.

Se o hyperpop é inspirado principalmente pela saturação de referências, o Brasil parece um lugar propício para fazer o gênero atingir novos horizontes – e parece que os gringos estão percebendo isso. “Observamos muita dessa ‘energia’ (do hyperpop) no funk, em movimentos como o rave funk; ou o brega funk, que é uma versão ‘bold’ do brega. Tem um pessoal fazendo coisas muito interessantes com pagodão baiano também, a exemplo do ÀTTØØXXÁ”, diz Gabriel Diniz. “Muita coisa por aqui aponta para o futuro, mas não necessariamente são classificadas como hyperpop.”

A denominação, no fim das contas, parece ser o menos importante quando comparada ao impacto que o movimento trouxe à música. “Mesmo que nem todo mundo perceba, a influência dessa música que tem sido chamada de hyperpop pode ser ouvida em muitas músicas pop no topo das paradas atualmente”, fala umru. “É legal o quão rápido o conceito do que é música pop pode mudar, e estou animado para ver mais amigos meus começarem a mudá-lo.”