Sobre moda e amor é a nova coluna da ELLE View, em que convidamos nossas leitoras e leitores a enviar histórias sobre sua relação com a moda: de amor, de sonho, de alegria e também de desafios. Quer ter a sua história contada? Escreva para pautas@elle.com.br com o título “Sobre moda e amor“. Vamos ler cada uma delas e selecionar mensalmente uma para aparecer por aqui.
Tudo começou com um cropped. Colorido, assim como a alma de Mariana. Quem vê o seu perfil no Instagram hoje não imagina que, até os 27 anos, ela não expressava suas cores por meio da moda porque não se via nela. A jornalista Mariana Rodrigues costumava comprar roupas em lojas no shopping, mas relembra que a experiência era ”um grande tormento”. À época vestindo 46/48, a carioca raramente encontrava peças que fossem além de camisetas largas ou cinza nas araras. ”Eu me vestia porque tinha que me vestir, e não porque gostava ou queria expressar algo a partir disso”, conta.
Tudo mudou em um sábado de trabalho, em 2016. ”Eu estava de plantão (na redação) e queria comprar um cropped. O shopping era um estresse e resolvi procurar na internet roupas plus size”, conta. Mesmo não se vendo na moda na época, ela nunca gostou de se esconder: usava o que tinha vontade. Ao iniciar as buscas por lojas que vendessem a peça para pessoas gordas, acabou caindo em um grande e-commece de roupas plus size com diferentes modelos, cores, estampas e tecidos.
Um novo mundo se abriu naquele momento. Mariana conta que essa experiência, de passear nas araras virtuais da loja, foi um estalo para descobrir que existiam, sim, possibilidades além do cinza e largo para pessoas gordas se vestirem. Com isso, renovou o guarda-roupa inteiro e saiu com um carrinho de compras recheado de peças e também de empolgação.
”Eu passei a usar as roupas que me sentia bem, e não só aquelas que me cabiam”, compartilha a jornalista, que diz ter encontrado na moda o seu reencontro consigo mesma. Com a mudança substancial, ela passou a registrar seus looks, ao se fotografar todos os dias antes de sair para o trabalho, como uma forma de se reconectar com o espelho. Outra mudança foram as peças de linho e fibras naturais, que entraram no seu guarda-roupa.
Os cliques faziam sucesso nas mídias sociais e no blog de Mariana, que virou uma ”garimpeira de peças plus size”. Uma publicação, no entanto, se destacou mais do que as outras. Morando no Rio de Janeiro, a jornalista também tinha vontade de usar peças de marcas famosas da cidade e encontrou um vestido em uma das mais conhecidas, que gerou o post ”Sou gorda e uso Farm”. A publicação viralizou e até a diretora executiva da grife à época compartilhou. Muitas pessoas apoiaram Mariana, mas não faltaram críticas a esse posicionamento. “Foi como se eu tivesse furado uma bolha. Eu pensava: ‘Se não querem me ver vestindo isso, é aí que vou vestir’.”
A insistência rendeu frutos e a jornalista foi convidada a contribuir nos processos de mudança de grade de tamanhos da marca. Aos poucos, ela foi se tornando uma grande pesquisadora e entusiasta do tema, ao mesmo tempo que se empoderava mais sobre seu próprio corpo. Dois anos depois, foi convidada a ocupar uma vaga no marketing da empresa. Um match perfeito que dura até hoje. ”Eles ficaram 36 anos existindo com uma grade do PP ao G, e eu consegui trazer este outro ponto de vista: que o GG vende, de que há público e muito interesse”, fala, orgulhosa, sobre as mais de mil clientes que possui em grupos de Whatsapp relacionados ao seu “código de vendedora” (formato de comissão de vendas da Farm).
Apesar de trabalhar como redatora, Mariana aproveita para levar sua perspectiva para todas as áreas da marca em que trabalha, do setor de estilo ao comercial. ”A representatividade na campanha e no perfil das modelos tem que existir, claro, mas é muito importante que tenham pessoas gordas trabalhando em todos os lugares”, reforça.
Atualmente, ela soma uma rede de mais de 20 mil seguidoras, que encontraram voz em suas palavras. Pelo Instagram, fala sobre como a moda pode aprisionar (afinal, foi uma parte da moda, inclusive, que excluiu Mariana e segue excluindo mulheres gordas ao criar padrões não só de roupas, mas de comportamento, imagem e estética), mas também aproveita para ressaltar como usá-la a seu favor e criar um espaço seguro de celebração. ”Minha missão talvez seja mostrar que a moda pode proporcionar um caminho inesperado e trazer respeito e amor-próprio. A gente vira uma espécie de centopeia da autoestima e do combate à gordofobia. Você passa a querer saber e entender mais sobre tudo isso. E o ponto de partida foi um vestido, uma camisa, uma estampa.”
Pensando em seguir no jornalismo esportivo no início, Mariana jamais imaginou trabalhar nessa área, mas um cropped fez com que se iniciasse esse processo de reencontro com a moda e com ela mesma. ”O amor-próprio vem em forma de respeito. Você naturaliza seu corpo, entende suas diferenças e começa a se sentir mais segura. Minha relação com o vestir mudou a relação com meu corpo, e vi nisso uma obrigação de fazer o mesmo com outras mulheres. Queremos mudar o mundo, mas olha como é importante mudar nossa própria comunidade”, finaliza a jornalista.