Ponto de interrogação

O que será que assombra a tendência-assombração?

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E mais ou menos como o filme Poltergeist –O fenômeno, aquele dos anos 1980 em que ficam mandando Carol Anne correr pra luz. Pra quem não conhece, a história fala de uma família padrãozinho que vive em um condomínio na Califórnia. A casa deles começa a ser assombrada por uma coisa inominável, que se comunica com uma das crianças pelo sinal estático da TV.

A tal coisa sequestra a filha do casal, tem exorcismo imobiliário e muito ectoplasma envolvido. O ápice são os cadáveres que começam a brotar do terreno, já que todo o lugar tinha sido construído sobre um cemitério sem que nem mesmo os corpos fossem removidos. Desculpem o spoiler, mas o filme é de 1982, superem.

Ali havia, é claro, a questão da tecnologia traduzida na TV. Não exatamente nos programas, mas na imagem estática, aquela que aparece onde nenhum canal está transmitindo ou quando a transmissão foi encerrada. É algo que se organiza em torno desse vazio de programação, algo que chama e atrai, inicialmente de forma até divertida, performando truques, mas depois com uma violência física e brutal.

Vejam bem, a tal coisa nunca é de fato nomeada. Poltergeist é o nome genérico para o tipo de aparição fantasmagórica que, segundo explicam os especialistas contratados pelo casal, não se liga exatamente à casa, mas a pessoas. No caso, o elo de ligação é Carol Anne, a menininha capaz de se comunicar com o treco misterioso via TV.

Seria fácil dizer que a coisa é o conjunto das almas dos mortos, suas vozes procurando reparação. Os mortos de fato dão seu recado, saindo literalmente do chão, espalhados no jardim, como um mar de esqueletos na piscina em construção.

Mas a coisa não equivale à soma dos mortos e seu segredo escondido sob o condomínio familiar. O encontro com essa coisa sem nome vem ao mesmo tempo revelar e desafiar toda aquela organização.

A moda gosta muito de trazer à tona os corpos de seu passado. Silhuetas, décadas, reedições constantes. Quando aborda diretamente o terror, é para se distanciar do medo, e não para se aproximar dele. O que às vezes dá resultados interessantíssimos, como as coleções de Raf Simons para a Calvin Klein. Hollywood também faz isso à sua maneira, embora consiga, em filmes como Poltergeist, entrar no campo do estranhamento que de fato atormenta.

Uma boa vampira, bruxas mais ou menos palatáveis, um zumbi, neogóticos e darks de todos os sabores já foram incorporados ao repertório pop do mercado.

Mas o que dá medo mesmo é outra coisa, bem menos planejada. Quando a passarela vira tábua de ouija, trazendo intactos espíritos puxados de décadas passadas a coisa fica estranha. Imagens e criaturas que tentam empurrar uma realidade própria, um retorno de algo familiar, mas assustador, sem lugar aqui e agora, algo atraente e repulsivo.

Podemos pensar que querem nos iludir, nos levar para um baile da saudade onde a festa nunca termina. Talvez estejam querendo nos mostrar que essa festa, assim como tantas outras, foi construída sobre antigos cemitérios, tipo Poltergeist. Ou seja, que ignoramos massacres e que nenhum tempo foi assim tão chic e glamouroso exceto para um pequeno grupo de pessoas. Que há um certo horror nisso, mas também uma certa vontade de fazer parte desse grupo. Que esse impasse nos assombra e nos faz querer desviar do assunto sem pensar no papel que desempenhamos em certos pesadelos.

Às vezes, o pavor verdadeiro não é tanto ser a vítima ou se localizar como monstro, mas se enxergar preso naquela personagem que segue fingindo normalidade antes e depois de participar de um circo dos horrores, ou de se ver na posição desesperadora em que faltam palavras ou ouvidos para dar conta de tanto terror.