Senta que lá vem história – de arrepiar

Clubes de leitura online e lives organizadas por fãs de livros de terror impulsionam o gênero no Brasil.

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Arte: @fosterlands

Histórias de terror são contadas desde a Grécia antiga. Mas foi no século 18, mais precisamente em 1764, que o gênero ganhou seu primeiro exemplar em livros, tal qual conhecemos hoje, com O castelo de Otranto, do inglês Horace Walpole. Considerado o primeiro romance gótico, foi por meio dele que elementos hoje clássicos do horror, como lugares assombrados por fantasmas, esqueletos que voltam à vida e objetos que se movem sozinhos, se consolidaram.

O livro foi responsável por inspirar um time de autores fundamentais para o gênero nas décadas seguintes, incluindo Mary Shelley (1797-1851), de Frankenstein, Edgar Allan Poe (1809-1849), de Histórias extraordinárias, Bram Stoker (1847-1912), de Drácula, e H.P. Lovecraft (1890-1947), com seus contos de horror cósmico, que inspiraram recentemente uma premiada série da HBO (Lovecraft country). Considerado um mestre do horror, Stephen King inaugurou um novo e importante capítulo do terror na década de 1970 com best-sellers como Carrie, a estranha (1974), O iluminado (1977) e It: a coisa (1986), adaptados com sucesso para o cinema.

King é um dos autores analisados por Bel Rodrigues, uma das maiores representantes no Brasil entre os bookstans (como se intitulam os fãs de literatura nas redes sociais). Em 2013, Bel criou um canal no YouTube que hoje conta com quase 1 milhão de inscritos e mais de 470 vídeos publicados, incluindo uma playlist inteira só com análises das obras do autor de O iluminado e outra focada em livros de suspense e investigação de crimes reais (ou true crimes). “O horror sempre se manteve firme entre os gêneros favoritos dos leitores. Ele não sai de moda”, diz Bel.

Obcecada por histórias macabras desde pequena (por influência da mãe, fã de Agatha Christie), ela conta que o canal mudou para melhor sua relação com os livros: “Conversar sobre literatura era algo difícil no meu dia a dia, principalmente porque eu não tinha muitos amigos leitores”.

Além dos vídeos no YouTube, Bel também promove lives de leitura na Twitch, que chegam a contar com milhares de internautas, usando a técnica Pomodoro (que consiste em reservar um tempo predeterminado para focar uma atividade). Todos os dias, ela dedica algumas horas para ler ao vivo títulos determinados e conversar com seus seguidores durante os intervalos. “Saber que diariamente mais de mil pessoas decidem passar um tempo conversando comigo sobre literatura é muito gratificante.”

Outra criadora de conteúdo sobre livros de horror nas redes é Nádia Tamanaha. Em 2018, ela começou a compartilhar suas resenhas no Instagram e um ano depois deixou a carreira de jornalista para se dedicar exclusivamente ao trabalho como bookstan. Por meio do clube Namanita, ela organiza leituras coletivas virtuais com seus seguidores, onde passam um tempo lendo juntos e depois discutem as obras. “É uma experiência enriquecedora porque, durante o debate, sempre enxergamos novas perspectivas da história”, conta. Nádia também é outra bookstan a analisar a obra de King. Em junho, criou um grupo específico para ler o autor. “Começamos por Rose Madder (1995), que não é muito popular por aqui, e agora finalizamos Sob a redoma (2009), que é um dos maiores livros dele. São quase mil páginas!”

Em 2021, Nádia já leu com seus seguidores O silêncio dos inocentes (1988), de Thomas Harris, Psicose (1959), de Robert Bloch, e Amigo imaginário (2020), de Stephen Chbosky. Em outubro, mês do Halloween, o escolhido pelo clube foi Gótico mexicano (2020), de Silvia Moreno-Garcia. O livro, que fez sucesso entre os leitores do gênero, foi finalista do Bram Stoker Awards 2020 e eleito o melhor livro de horror pelo Goodreads Awards 2020, prêmios dedicados ao terror.

De olho no número de leitores interessados pelo gênero, as editoras brasileiras têm investido nesse nicho. Criada em 2012, a DarkSide Books foi a primeira do mercado nacional dedicada ao terror, à fantasia e ao true crime. Já publicou cerca de 250 títulos e conta com 1,5 milhão de fãs nas redes sociais. Entre clássicos e lançamentos, a DarkSide também aposta em edições especiais, como a coleção Medo clássico, com cinco livros em capa dura, que contou com ilustradores convidados, além de imagens inéditas, rascunhos originais e textos de apoio. Neste mês, a editora lança Halloween: o legado de Michael Myers, uma edição especial sobre o longa dirigido por John Carpenter em 1978. O livro mais completo já publicado sobre a franquia é repleto de entrevistas e traz curiosidades como ideias descartadas, interferências dos estúdios e testes de elenco do clássico, que, após 43 anos da estreia, acaba de ganhar um novo capítulo nos cinemas, Halloween kills: o terror continua, protagonizado mais uma vez por Jamie Lee Curtis.

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Livro “Halloween: o legado de Michael Myers” e atriz Jamie Lee Curtis em cena do filme de 1978.Divulgação

O gênero também foi impactado por um aumento significativo de vendas de livros na pandemia. No primeiro semestre de 2021, o crescimento foi de 48,5% em relação ao ano passado, segundo o levantamento do Sindicato Nacional dos Editores de Livros. Só a DarkSide Books cresceu 70% nesse período. “Foi em casa, cercado de livros, filmes e papos online, que pudemos chegar até aqui. Os livros se tornaram nossos amigos e isso se refletiu de forma natural no crescimento do mercado”, afirmou Christiano Menezes, sócio da editora.

Para Oscar Nestarez, escritor e pesquisador de literatura de horror, outro motivo que pode explicar o aumento no consumo do gênero durante a pandemia é seu aspecto terapêutico. “Em certa medida, o horror nos prepara para os perigos reais da vida. Um experimento recente conduzido por pesquisadores estadunidenses e dinamarqueses revelou que fãs de horror lidaram melhor com o isolamento e a pressão da pandemia. Livros de fantasia, por exemplo, fizeram enorme sucesso por causa do escapismo que costumam oferecer. Já os de horror, entendo eu, se beneficiaram pela experiência do medo seguro, que ganha um novo significado frente ao medo real e muito próximo imposto pela Covid”, analisa. “Quando há um perigo à solta no mundo, uma ameaça fora de controle, o fato de podermos vivenciar o medo em um ambiente controlado oferece alívio e chega a ser recompensador. ‘Desse monstro posso cuidar’, pensamos. E por mais que o monstro vença no final, o último ato sempre será nosso: fechar o livro.”

 

Livros de horror que chegam às prateleiras em outubro

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O exorcismo da minha melhor amiga, de Grady Hendrix

Com seu catálogo de horror em expansão, a editora Intrínseca lança em outubro o primeiro livro no Brasil de Hendrix, autor dos best-sellers The southern book club’s guide to slaying vampires (2020) e The final girl support group (2021), que passaram pela lista dos mais vendidos do The New York Times. Na trama, Abby e Gretchen são melhores amigas e estudam em uma escola católica no fim da década de 1980. Depois de experimentarem alucinógenos, Gretchen desaparece e retorna estranha no dia seguinte. Preocupada com a amiga, Abby decide investigar o que aconteceu naquela noite, mas tudo indica que Gretchen está possuída pelo Diabo. Cheio de referências oitentistas, a obra ganhará em breve uma adaptação produzida pela Amazon Studios, dirigida por Damon Thomas (Killing Eve e Penny Dreadful).

Tem alguém na sua casa, de Stephanie Perkins

Outra novidade da Intrínseca é Tem alguém na sua casa, livro que deu origem ao filme homônimo da Netflix, de Stephanie Perkins. Combinando romance e mortes sangrentas, a obra é recomendada para os fãs de filmes slasher – os assassinos mascarados implacáveis – dos anos 1990, como Pânico (1996) e Eu sei o que vocês fizeram no verão passado (1997). No interior do Nebraska, um assassino brutal está à solta e as vítimas são os alunos do colégio Osborne High. Makani Young, uma estudante que mora com a avó há apenas um ano e está se adaptando no novo lar, vai precisar encarar traumas do passado para tentar salvar sua vida e a de seus amigos.

Coleção Dark House: Amityville, de Jay Anson; Hell house: a casa do inferno, de Richard Matheson, e Elementais, de Michael McDowell

Dark House é a nova coleção da DarkSide Books, que reúne três livros em homenagem às narrativas de casas mal-assombradas. Em Amityville, o autor Jay Anson conta com detalhes os crimes reais que aconteceram a partir de 1974 na propriedade número 112 da Ocean Avenue, um dos endereços mais lendários dos Estados Unidos, além de suas motivações sobrenaturais. Já em Hell house: a casa do inferno, o autor Richard Matheson (de Eu sou a lenda) mergulha na tradição do horror e presta homenagem a clássicos do gênero, como A queda da casa de Usher (1839), de Edgar Allan Poe, e A assombração da casa da colina (1959), de Shirley Jackson. Por último, Elementais, de Michael McDowell, constrói uma história assustadora e obscura que acontece em plena luz do dia, no sul dos Estados Unidos.

Frankenstein e outras histórias de horror, de Junji Ito

Ganhadora do prêmio Eisner de 2019 e considerada uma das melhores obras de Junji Ito, mestre dos mangás de horror, Frankenstein e outras histórias de horror chega ao Brasil pela editora Pipoca e Nanquim. Com mais de 400 páginas ilustradas, o livro inclui a releitura do clássico romance escrito por Mary Shelley, publicado em 1818, além de outros contos assustadores.