​Então é Natal

Discos com canções natalinas se mantêm em alta lá fora. Entenda por que a tradição nunca decolou por aqui e confira uma seleção de álbuns temáticos que vão muito além de Roberto Carlos e Mariah Carey.

Faltando pouco tempo para o Natal, para além das decorações nas lojas e das pilhas de panetones nos supermercados, a indústria do entretenimento também se vê, senão tomada, ao menos contaminada pelo clima da época. Nas plataformas de streaming de vídeo, por exemplo, chegam um punhado de filmes sobre o tema. Na música, artistas, sobretudo no Hemisfério Norte, lançam álbuns temáticos com novas composições ou versões para clássicos, como Kelly Clarkson e Norah Jones, com discos recém-lançados, e Ed Sheeran em parceria com Elton John, com o single “Merry Christmas”.

Se hoje o CD já não é mais tão procurado como opção de presente, não são as prateleiras vazias das lojas a medida do sucesso para esses produtos, mas sim as paradas nas plataformas de streaming de música. No início de dezembro, por exemplo, seis faixas com temática natalina de artistas tão distintos quanto Ariana Grande e Michael Bublé ocupavam posições no Top 50 global do Spotify. A mais bem posicionada, em 9º lugar, era “All I want for Christmas is you, de Mariah Carey, lançada em 1994.

Já é comum ver a faixa de volta às paradas nesta época do ano: ela também aparece no Hot 100 da Billboard. Embora o hit de Mariah já tenha alcançado o status de hino pop do Natal, a tradição de artistas homenageando a data, conta o produtor musical João Marcello Bôscoli, teve início nos anos 1930. “A Coca-cola lançou sua primeira campanha de Natal, com o Papai Noel desse jeito como a gente conhece hoje, vestido de vermelho. Então, começaram a surgir as primeiras gravações dessas músicas, que se tornaram clássicos como ‘Santa Claus is coming to town’ e ‘Jingle bells’.”

Já nos anos 1940, uma nova canção se tornaria um marco. “Bing Crosby gravou ‘White Christmas’, do Irving Berlin, que foi o single mais vendido da história até os anos 1980, quando o Michael Jackson lançou Thriller“, diz Bôscoli. Até então, não existiam álbuns. Às vésperas dos anos 1950, lembra o produtor, a gravadora RCA criou o formato, e a partir daí nomes como Nat King Cole, Ella Fitzgerald e Frank Sinatra criaram discos com temática natalina.

Avançamos para 2020, quando a pandemia parece ter dado uma força extra a esse mercado, diz Elaine Medeiros, gerente de marketing estratégico da Warner Music. “A gente percebeu um boom de lançamentos internacionais de músicas natalinas e vê grandes artistas retomando esse tipo de música. Acho que por causa de as pessoas estarem mais em casa.”

Simone e Roberto

No Brasil, pensar em disco de Natal é lembrar de Simone e Roberto Carlos. Filho do produtor musical Ronaldo Bôscoli, João tem na memória histórias de bastidores dos especiais do Rei na Globo, que sempre resultavam em discos. “O meu pai foi diretor musical do Roberto Carlos durante 25 anos com o Miele (Luís Carlos Miele). O Natal foi uma confluência de coisas: por um lado, o Roberto queria lançar naquele momento e, por outro, do ponto de vista comercial, era uma data fortíssima porque as pessoas poupavam para comprar”, lembra. “Durante muitos anos, o disco do Roberto era o presente de Natal. Mas ele não lançava discos de Natal. Mesmo Jesus Cristo ou Nossa Senhora não tinham uma alusão à festa propriamente dita.”

Segundo Bôscoli, a ideia de Simone cantar temas de Natal foi sugestão do produtor musical Marcos Maynard, à época trabalhando com a cantora na gravadora Polygram. “Ele que conseguiu a liberação da música do John Lennon (‘Então é Natal’, versão em português para ‘Happy XMas’ [War is over], tocada exaustivamente no lançamento do disco). Ele tinha muito prestígio, e a própria Yoko Ono autorizou.” O sucesso da música acabou criando um marketing negativo. “Quando a Simone lançou, virou um marco. Acabou sendo um sucesso tão grande que as pessoas até reclamavam quando ouviam.

Resposta definitiva para o motivo de o Brasil nunca ter abraçado de fato a tendência não há. Mas as diferenças culturais e até de clima podem dar pistas. “Eles (os europeus e estadunidenses) têm a cultura da árvore, das festividades, que começa com o Dia de Ação de Graças. O brasileiro nesse momento de fim de ano está pensando mais na praia e no Ano-Novo do que no Natal”, completa Medeiros. De acordo com ela, dados da gravadora indicam que 70% do público que consome discos natalinos são mulheres entre 24 e 60 anos.

“O brasileiro curte realmente um pagodinho, um sambinha. É a música de Natal, mas num formato diferenciado.” Elaine Medeiros, gerente de marketing estratégico da Warner Music

Para Heloisa Aidar, sócia da distribuidora digital Altafonte Brasil e diretora da editora Altafonte Music Publishing, ainda que a ideia de produzir canções para o Natal nunca tenha engrenado com força por aqui, a redução brusca na venda física de discos no Brasil, mais do que em outros países, diminui ainda mais a necessidade de pensar lançamentos para a época. “Nos Estados Unidos, principalmente, essa continua sendo uma época em que se vende muitos produtos. No entanto, a gente (no Brasil) sempre teve atenção ao hit do verão, à música do Carnaval. Então, eu acho que o nosso foco estratégico de final do ano está muito mais ligado a isso do que ao Natal.”

O fato de no Hemisfério Sul muita gente entrar de férias no fim do ano também acaba tendo peso determinante nos hábitos musicais, ela avalia. “Muito do consumo de música nas plataformas de streaming no Brasil acontece no momento em que a pessoa está indo para o trabalho no seu carro ou está na academia. E isso, no final do ano, sofre algumas alterações, já que as pessoas saem de férias, não mantêm suas rotinas”, contextualiza. “Então, acho que isso também entra na nossa estratégia quando a gente vai pensar no lançamento de fim de ano: é um tipo de música que as pessoas vão ouvir nas suas férias. Tem a ver com o verão, com o Carnaval, com descanso, com a estrada.”

Uma experiência de êxito aponta na direção de que o Natal do brasileiro pede uma música, digamos, mais animada, conta Medeiros. “Lançamos em 2001 um disco instrumental chamado Natal de cavaquinho. Vendeu milhões de cópias. Por mais que as vendas do disco físico tenham se reduzido quase a zero, ele segue sendo prensado todo ano. Então, você vê que o brasileiro curte realmente um pagodinho, um sambinha. É a música de Natal, mas num formato diferenciado.”

De lançamentos a clássicos, veja abaixo uma seleção de discos de Natal para embalar a ceia:

Sia – Everyday is Christmas (Snowman deluxe edition) (2021)

Reedição do álbum de Natal lançado pela cantora em 2017, chega às plataformas com o acréscimo das novas “Pin drops”, “Santa visits everyone” e “Snowman (Slow down and snowed in remix)”, versão para o seu sucesso “Snowman”.

Bad Religion – Christmas songs (2013)

A começar pelo nome da banda punk, pode soar inusitado que o Bad Religion tenha apostado em um álbum com canções de Natal. Mas Christmas songs existe e traz oito versões de canções tradicionais e um remix de “American Jesus”, sucesso da banda.

She and Him – A very She & Him Christmas (2011)

Dez anos atrás, a dupla formada pela atriz Zooey Deschanel e M. Ward lançava seu primeiro álbum de Natal. Neste ano, resolveram celebrar o aniversário com uma reedição limitada em vinil prata, incluindo covers de “Holiday”, de Madonna, e “Last Christmas”, do Wham!, como faixas bônus.

Roberto Carlos – Roberto Carlos em Jerusalém (2011)

Um dos mais emblemáticos especiais do Rei, exibido originalmente em 2011 e reprisado no Natal de 2020, o show na capital de Israel também virou disco. No repertório, “Detalhes”, “Emoções” e “Jesus Cristo”, entre outros sucessos.

Bob Dylan – Christmas in the heart (2009)

Apesar de ser judeu, Dylan também embarcou no espírito natalino, e por uma boa causa: todo o lucro obtido com a venda do disco, que reúne 15 faixas, foi revertido para instituições de caridade.

Vários artistas – Christmas on Death Row (1996)

A coletânea do selo de hip-hop foi lançada em 1996 e teve a renda revertida para instituições de caridade. Snoop Dogg e Nate Dogg abrem o álbum com “Santa Claus goes straight to the ghetto”. Danny Boy e Michel’Le, entre outros, também participam.

Simone – 25 de dezembro (1995)

Prestes a completar 26 anos de lançamento, o disco ainda é lembrado como uma das principais obras no Brasil quando o assunto é disco temático de Natal. Na internet, é possível achar o CD à venda por mais de R$ 150.

Mariah Carey – Merry Christmas (1994)

É o álbum de Natal mais vendido de todos os tempos. Reúne covers e composições autorais. O single “All I want for Christmas is you” já bateu a marca de 1 bilhão de plays no Spotify e, atualmente, 27 anos após o lançamento, está no top global da plataforma. Neste mês, ela lançou ainda na Apple TV+ o especial Mariah’s Christmas: The magic continues.

Vários artistas – A Motown Christmas (1973)

O disco duplo traz 24 faixas, interpretadas por The Jackson 5, Stevie Wonder, The Temptations, Diana Ross & The Supremes e Smokey Robinson & The Miracles. Em 1999, chegou às lojas uma versão do álbum em CD com a faixa-bônus “I want to come home for Christmas”, na voz de Marvin Gaye.

James Brown – Soulful Christmas (1968)

Sem deixar de lado o soul e o funk que tanto marcaram a trajetória do astro, o disco traz com faixas como “Santa Claus go straight to the ghetto” e “Say it loud – I’m black and I’m proud – pts. 1 & 2”, um contraponto às canções tradicionais de Natal da época.

Ella Fitzgerald – Ella wishes you a swinging Christmas (1960)

Acompanhada por uma orquestra sob o comando de Frank De Vol, Ella interpreta clássicos como “Jingle bells”, “Santa Claus is coming to town” e “White Christmas”, em seu primeiro álbum de Natal.

Frank Sinatra – A jolly Christmas from Frank Sinatra (1957)

Ao longo da carreira, o cantor gravou alguns discos dedicados ao Natal, e suas versões para clássicos como “Jingle bells” já se tornaram tão tradicionais quanto a própria ceia. O álbum ainda traz, entre outras, “Have yourself a merry little Christmas”.