No dia 5 de novembro, aconteceu o tão aguardado leilão de concessão para exploração da tecnologia 5G no Brasil. As operadoras Claro, Vivo e TIM arremataram o lote principal, de abrangência nacional. Já no regional, empresas como Sercomtel e Algar Telecom garantiram suas fatias. Por fim, seis novas operadoras vão ser iniciadas: Winity II, Brisanet, Consórcio 5G Sul, Neko, Fly Link e Cloud2u. Ao todo, foram arrecadados 47,2 bilhões de reais.
Já há algum tempo, a tecnologia 5G vem sendo apontada como a mais importante revolução digital da atualidade. Trata-se da quinta geração das redes móveis, capaz de elevar exponencialmente as potencialidades da atual, o 4G. De forma bem resumida, é sobre oferecer uma cobertura mais ampla, rápida e eficiente, maiores transferências de dados, além de um número significativamente maior de conexões simultâneas. E isso, dizem alguns especialistas, pode transformar a maneira como muita coisa funciona.
Com acesso e conectividade melhorados, as possibilidades vão de coisas banais, como baixar um filme inteiro no instante do clique, até assuntos mais complexos, como telemedicina e cirurgias a distância. Na moda, também há promessas de transformações. Com previsão de implementação até julho de 2022 nas principais capitais e 2028 em todo o país, a tecnologia viabiliza a digitalização da economia e da manufatura. Da produção de peças à organização do varejo, passando pela representação digital com avatares e experiência de compra.
“O 5G não deve ser pensado de maneira isolada de todas as tecnologias que emergem no mercado”, diz Olivia Merquior, fundadora do Brazil Immersive Fashion Week (BRIFW). “Elas fazem parte de um ecossistema: internet das coisas (a capacidade de objetos se conectarem a uma rede), blockchain, realidades expandidas e metaverso”, continua. A associação entre elas pode culminar no uso de realidade aumentada (AR) para treinamento da linha de produção, em blockchain para rastreamento da cadeia, e certificação de sustentabilidade, e na interatividade de roupas com o ambiente.
Atualmente, a conexão de internet está condicionada ao uso de chip em um celular, por exemplo. Com o 5G, ligado à internet das coisas, ela não estará mais relacionada a esse pedaço de plástico. Os objetos já vão vir habilitados e a rede estará amplamente disponível. Daí a necessidade de uma quantidade maior de antenas, que perpassam o sinal em todos os lugares. Com isso, a latência – “delay” – é menor. No Brasil, a velocidade média do 4G, em 2018, era de 19,67 Mpbs, segundo relatório da empresa Open Signal, e a expectativa é de que a nova geração seja 100 vezes mais rápida.
“Suponhamos que temos cobertura 5G onipresente, e eu vá a uma loja com meu dispositivo, como um óculos”, fala Danilo Vitoriano, CEO da Front in Sampa, primeiro evento híbrido de front end (desenvolvimento de interfaces gráficas) no Brasil. “A partir do momento que este objeto entra no estabelecimento, há a troca de sinal e tudo passa a ser interativo. Ao olhar a roupa na arara, ele vai me passar informações e eu poderei visualizar a peça em meu avatar e ter mais informações sobre o produto”, complementa ele, que também é professor e mestrando em ciências da comunicação.
Com o avanço tecnológico, separações entre digital e físico são esmaecidas. Ao entrar em um ônibus ou metrô, certamente uma boa parte das pessoas está com a cabeça baixa em direção ao celular. O mesmo acontece nas ruas: o olho se reveza entre a calçada e a tela. A performance digital é uma crescente demanda e as fotos não são mais utilizadas para fins de memória, mas para atestar vivências em tempo real.
Porém, desde o suporte do papel à tela do celular, as experiências são bidimensionais. No 5G, há imersão. “A curadoria dessas imagens passa a ter uma relação de 360º. Elas deixam de ser arquivos em um rolo de câmera para serem atualizações constantes sobre como você quer customizar o mundo à sua frente”, pontua a fundadora do BRIFW.
“Imagine viver um momento especial em um hotel decorado por Roberto Cavalli sem viajar? É como se cada marca pudesse estender seu conceito até o lar das pessoas”, afirma Kátia Lamarca, coordenadora de moda e design do IED Brasil. Lamarca pontua que toda disrupção, de início, tende a ser mais dispendiosa. “As marcas vão precisar de profissionais de tecnologia, estúdios e empresas que podem não ser baratos no momento. Nesse caso, é possível que as grandes tenham mais recursos, mas existem empresas que, embora pequenas, atendem um público de nicho. Tem mais a ver com posicionamento e o perfil da empresa e consumidor do que com o tamanho.”
“O 5G vai nos ajudar a sair desse espaço de tentativa capenga de simulação do ‘real’ no digital.” Olivia Merquior, fundadora do BIFW
Olivia Merquior prevê que muitas grifes seguirão o caminho de mimetizar o presencial, com roupas penduradas em araras e o avatar de uma vendedora – algumas já o fazem. Porém esse simulacro é uma opção mais limitada, segundo seu ponto de vista. “Acredito em uma junção de experiências com emoção, no fortalecimento do storytelling. Você vai comprar uma jaqueta de esqui e quem vai te atender é um campeão olímpico. A prova da peça vai ser uma sessão de esqui com o atleta, que vai dar detalhes do produto. Depois, quando você estiver na rua, passar na vitrine e vir a jaqueta, o que sua memória vai puxar é ter descido uma montanha de gelo com um medalhista”, conta. “O 5G vai nos ajudar a sair desse espaço de tentativa capenga de simulação do ‘real’ no digital.”
De volta à realidade
De acordo com Danilo Vitoriano, o Brasil tem um número aproximado de 100 mil antenas e, para a cobertura da nova tecnologia, a quantidade precisará aumentar de quatro a cinco vezes. “Teoricamente, as antenas do 5G são menores e em maior quantidade, por causa da replicação do sinal (o raio de alcance é menor). Será necessária a instalação em locais que são propriedade privada, ou onde existe comunicação por sinal para aviação. Pensando nas leis municipais, será preciso colher a autorização para a instalação em pequenos lugares”, afirma.
Para o CEO da Front in Sampa, é preciso considerar que a adoção será gradativa. “A internet no Brasil não é das melhores. Pagamos caro por um serviço muitas vezes precário e mais de 10% do país ainda não tem conexão 4G”, explica. “Além disso, a limitação do 5G chegar primeiro às capitais divide o público. Uma grande varejista já consegue fazer algo relacionado ao metaverso e experiências de realidade virtual, mas se o cliente não estiver em um bairro com cobertura, em um grande centro comercial, ele não consome o conteúdo”, diz Danilo.
O executivo acredita que artistas, coletivos, ONGs e mobilizações periféricas serão as responsáveis por democratizar a tecnologia. Ele também destaca o papel do setor privado, que consegue formar a infraestrutura, em parceria com o governo, que dispõe de concessões, para o avanço da cobertura em periferias e cidades pequenas.
“Quando apontamos todas as possibilidades que uma interação virtual desse porte pode nos trazer, não podemos esquecer que no Brasil vivemos uma situação em que cerca de 1/3 dos jovens estudantes tiveram dificuldade em continuar seus estudos por não ter acesso à internet de qualidade”, afirma Kátia, em referência ao estudo Impactos primários e secundários da Covid-19 em crianças e adolescentes, divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em junho deste ano.
Vitoriano, entretanto, não acredita que o 5G irá apenas demarcar segregações. “O digital sempre foi precursor para dar acesso a quem não tem. Veja o universo da música, com o streaming, que foi criticado pelas gravadoras no início. Hoje, se você não disponibilizar seu álbum no Spotify, o trabalho não tem alcance. O mesmo com o TikTok ou com o NFT, que é uma oportunidade para os artistas que não tinham como penetrar nas galerias e vernissages. Agora, eles blindam seus trabalhos e constroem estratégias copiadas por grandes marcas”, diz.