Logo se espalhou a notícia que “a” vidente tinha se mudado para o bairro. E, junto com o disse me disse, um aviso para quem tivesse coragem de marcar uma hora com ela: “Só vá se você tiver certeza de que está pronta para ouvir tudo. E na lata!”
Andressa, no auge de seus 20 e poucos anos, mal conseguiu dormir até o dia de sua consulta. Como a maioria dos jovens que conhecia, tinha muitas angústias sobre o presente e queria saber se o futuro seria melhor. Quando ela chegou na pequena edícula da casa térrea, a vidente foi direto ao ponto.
– Então, o que você quer saber: trabalho, namorado, estudo, família?
– Ah, acho que um pouco de tudo…
– Corta aqui em três partes.
Enquanto a vidente virava as cartas, ela reparou que Andressa arrancava minúsculas pelinhas dos dedos da mão.
– Você é muito ansiosa – foi logo decretando.
– Nossa, acertou! Sou mesmo!
– Então, é melhor você aprender a se acalmar porque tá aqui ó, sua vida vai ser longa.
Mostrando interesse, Andressa inclinou seu corpo na direção da mulher.
– Sério?! Tipo quanto?
– Ah, você não desencarna antes dos 90 e poucos… Talvez até 100! – disse a vidente, de um jeito categórico.
No susto, Andressa empurrou a cadeira para trás.
– Creeeedo!
– Credo por quê?! – estranhou a vidente.
– Não… ai, desculpa! Sabe o que é? Com todo respeito, mas não combina comigo. Eu não quero ficar velha assim, entende?
– Então… Andressa seu nome, né? Talvez você ainda não tenha percebido mas, estatisticamente, 100% dos velhos vêm dos jovens.
– Como assim…? – perguntou Andressa, meio confusa.
– O que eu quero dizer é que, combinando ou não com você, envelhecer é um fato que vai acontecer.
A vidente fez uma longa pausa e depois declarou sem dó nem piedade:
– A não ser que você prefira morrer jovem.
Um leve mal-estar tomou conta da sessão.
– Nããão, claro que não! Não é isso. É só que eu fico pensando… Ah, sei lá… Quando eu for velha, ninguém vai me querer.
A vidente virou mais algumas cartas.
– Ué, pelo que eu tô vendo aqui, hoje você é jovem e ninguém tá te querendo também.
Andressa ficou desconcertada com o comentário. De certa forma, a vidente tinha razão.
– É… mas daqui a pouco isso vai mudar, não vai? Porque olha, eu batalho para caramba para ter meu boy magia! Vivo tirando selfie, biscoitando, pesquisando filtros, pedindo like para os amigos. – Andressa suspirou – Um dia ele vai me notar…
Sabendo onde aquela ladainha ia dar, a vidente interrompeu a moça. Ela sabia que não adiantava falar para alguém tão jovem que “querer quem não me quer” é uma perda de tempo. Cada um tem livre arbítrio para escolher a ignorância que quer abraçar.
– Você vai ter três pessoas importantes na sua vida.
Os olhos de Andressa brilharam.
– Jura?!
– Mas a que você vai ficar por mais tempo, aquele grande amor mesmo que você está procurando, vai acontecer só depois dos seus 57, 58 anos.
Andressa se ajeitou na cadeira um pouco revoltada.
– Você está de piada, né? Nessa idade mais ninguém sente tesão! Eu vejo meus pais, os amigos deles, um horror…
– Então, querida. Nesse caso, não é falta de tesão. É excesso de casamento.
– Como assim?! Você é contra casamento?
– Não, não me entenda mal. Não sou contra nem a favor. O problema é quando você perde o interesse no seu parceiro ou parceira e continua casada só por convenção. Mas, vamos voltar para você em vez de focar nas minhas opiniões: as cartas não mentem. Você ainda vai gozar muito nessa vida!!!
Andressa deu uma gargalhada.
– Adoooooro! Com quem?! Dá para ver o nome dele aí?
– Huum… “b”… “v”, não, não. Tá aqui ó, certeza que começa com “c”… e termina com “s”!
– “C” e “s? Carlos?! Ué, mas eu não conheço… Será que é Clóvis??? – interrompeu Andressa.
A vidente olhou fixamente para ela.
– Não. O nome dele é: cli-tó-ris!
– Ooooi?!
– Olha só – continuou a vidente empolgada – você pode ter 20, 50 ou 100 anos, o clitóris nunca para de funcionar. Aliás, sabia que ele é o único órgão do corpo humano que não tem nenhuma outra função além do prazer? Fica tranquila. No quesito prazer, a idade não vai te atrapalhar em nada.
Andressa ficou sem reação. Não era exatamente o que ela tinha em mente ouvir, mas a longo prazo isso parecia até mais importante do que qualquer ficante. Passado o susto inicial, Andressa resolveu mudar o tema da conversa.
– E a minha vida profissional? Você consegue ver alguma coisa aí?
– Nossa, tá puxado para o seu lado, né amiga?
Andressa se animou. Talvez agora a vidente começasse a acertar.
– Muuuuito! Olha, todo dia eu acordo às 4 da manhã e mesmo assim já pego o busão lotado. Às vezes nem adianta tomar banho porque é um suador, um esfrega-esfrega…
A cartomante sorriu.
– Ahhh, fica tranquila que isso vai melhorar…
– Quando???
– Huuum, quando você fizer 60 e tiver assento preferencial no ônibus. Ah, e tem mais notícia boa. Como previdência aqui nesse país é uma piada, você vai continuar trabalhando para fechar as contas, então, basicamente, vai ganhar mais do que hoje. Se bem que vai gastar mais também…
Mesmo Andressa achando que a vidente falava de um jeito sincero e que parecia mesmo querer dar uma boa notícia, Andressa começou a olhar para os cantos da edícula à procura de câmeras escondidas. Aquilo só podia ser uma pegadinha.
– Olha, eu nem sei o que dizer… eu aqui achando que você ia falar que eu vou conseguir comprar um carro ou receber uma promoção e você me vem com essa de assento preferencial? Grávida também tem assento preferencial e nem por isso eu quero embuchar. – argumentou Andressa com medo da resposta.
– Ah, então, se cuida bem porque eu tô vendo criança aqui.
Nessa hora, Andressa não aguentou.
– Só me faltava essa! Quer dizer que agora nem sexo eu posso fazer em paz? Uma coisa que supostamente era para eu relaxar, agora vai me deixar tensa!
– Calma, isso também vai mudar.
– Já sei, você vai dizer quando eu for velha!
– Não, bem antes disso! Piscou e tá logo aí. É na menopausa.
Andressa respirou fundo tentando se recompor.
– Você pode falar alguma coisa sobre o agora, sobre o presente?!
– Claro, pode perguntar o que você quiser.
– Eu queria saber sobre a minha saúde…
Uma das sobrancelhas da vidente arqueou enquanto ela olhava o jogo.
– Olha, eu não vou mentir para você. A coisa não está boa, não… É muita balada, pouco tempo para dormir, bebida em excesso, vida sedentária… Se você não se cuidar, o bicho vai pegar.
O susto não podia ter sido maior.
– Mas a senhora disse que eu ia chegar nos 90, talvez 100!
– E vai! Mas olha aqui – a cartomante apontou a figura de uma torre imensa – antes você vai ter um piripaque. Só depois disso é que vai se cuidar, comer direito, dormir bem, dar valor ao presente e ao tempo que ainda tem…
– Isso só pode ser sacanagem! – explodiu Andressa.
– Não. Isso é maturidade. – corrigiu a cartomante.
Andressa não sabia se pagava e ia embora, se fazia a cartomante pagar para ela ou se aproveitava seus últimos minutos de sessão para tentar descobrir mais alguma coisa. As duas estavam em silêncio. Depois de alguns segundos, a cartomante recolheu as cartas.
– Você tem mais alguma pergunta que queira fazer?
– Sim, eu tenho! – gritava Andressa dentro de sua própria cabeça.
Mas o que ela não tinha certeza era se queria ouvir as respostas. Então, Andressa fechou os olhos e se concentrou em apenas uma última questão, uma que estivesse ligada ao seu presente e não a um futuro tão distante.
– Eu queria saber se vou conseguir me formar em Psicologia?
A cartomante virou a última carta.
– Opa, se vai! Olha aqui, essa é a carta da sua vida profissional. Maravilhosa!
– E quando vai ser isso? – Andressa perguntou baixinho com medo da resposta.
– Se formar?! Huuum, olha aqui, logo logo, antes dos 30!
– Finalmente uma notícia boa!!! Eu não acredito! É meu sonho!
– Mas… – continuou a cartomante.
Andressa tapou a boca com medo do que pudesse ouvir.
– Mas…?
– Olha, se formar em Psicologia você vai. Mas entender alguma coisa da vida… Aí, só bem mais tarde mesmo – decretou a cartomante com a tranquilidade que só os anos trazem.
Quanto à Andressa, nunca mais ela foi em nenhuma outra vidente. Não precisava. Mesmo com medo do futuro, segundo “a” cartomante, ele seria muito menos angustiante do que o seu presente. Afinal, as cartas não mentem.