Começar, experimentar, tentar fazer, colocar em prática o que se deseja, planejar, se dedicar. Empreender envolve esses movimentos. O verbo não apenas se aplica a pessoas de qualquer idade como também ganha força entre as mulheres que passaram dos 50 anos. Cada vez mais, elas se (re)inserem no mercado de trabalho.
Seja por vontade própria e/ou necessidade financeira, chama a atenção a expressiva presença feminina entre os empreendedores nessa faixa etária. Só no estado de São Paulo, 58% dos empreendedores iniciais nessa idade são mulheres, segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
Não existe regra para se lançar num negócio novo nessa fase da vida. Cada história é uma e todas podem ser inspiradoras. A consultora de moda Mércia Clarindo ilustra a mulher que enfrenta desafios com garra. Aos 50, saiu em busca das ferramentas necessárias para dar uma virada na forma de trabalhar, tornando-se uma empreendedora. Inicialmente atendendo lojistas no atacado e acompanhando consumidoras em suas compras, ela passou a receber de forma particular suas clientes, formadas por mulheres com mais de 50. “Elas vinham até mim e me estimulavam. Resolvi, então, montar a minha marca. Só que veio a pandemia e, com ela, o susto: ‘como fazer agora?’.”
Mércia Clarindo: intensivão de e-commerce na pandemia.Foto: Arquivo pessoal
“Tive que aprender o que era e-commerce, tráfico, como impulsionar e patrocinar posts, como montar a loja virtual e atender aquelas clientes acostumadas ao presencial.” Mércia conta que continua vivendo o processo de adaptação e “tem sido muito gostoso aprender”. As duas filhas dizem que “eu fiquei menos chata, que estou mais bonita, antenada com as coisas que acontecem. E eu, que nem gostava de aparecer em foto, hoje pareço uma blogueirinha”, diz brincando.
Essa nova turma de empreendedores mais velhos conta com uma rede potente de apoio, formada por consultores e professores. Leila Gravano, professora de língua inglesa e turismóloga, fundou a Empreendendo aos 50, uma plataforma de cursos e mentorias direcionados a mulheres, especialmente negras e não tão jovens. A ideia veio da própria dificuldade que encontrou quando decidiu ser dona do próprio negócio.
O objetivo do trabalho é dialogar com a realidade dessas mulheres por meio da valorização de sua autoestima e trazer conhecimentos do mundo do empreendedorismo pela ótica da realidade da população negra no Brasil. “O perfil das atendidas é o das que sempre empreenderam, antes mesmo do nome empreendedorismo estar em voga. São mulheres que buscam conhecimento sobre gestão e, principalmente, a necessidade de estar em um ambiente onde se sentem confortáveis por estarem com outras mulheres de sua raça e faixa etária”, diz.
Leila Gravano: mentoria para mulheres, principalmente negras e maduras,Foto: Arquivo pessoal
Mais recentemente, Leila incluiu outros conhecimentos no pacote, como as PICs (Práticas Integrativas e Complementares, que fazem parte do SUS), em especial cromoterapia, terapia floral e psicoaromaterapia, colaborando no empoderamento e no empreendedorismo em um programa de mentorias coletivas para um grupo de 30 mulheres. “Investimos no resgate de práticas ancestrais para que elas, diante de tantos atravessamentos, possam ter saúde física e mental para uma longevidade com qualidade para gerir sua vida pessoal e profissional. Nós, negras, em especial da minha geração, temos ciência da importância do autocuidado e sabemos que uma mulher cuidada e feliz pode empreender cada vez mais e melhor”, afirma.
Para além do espaço corporativo, a pedagoga Cristiane Casquet resolveu abrir outras janelas, provando que, mais do que criar um negócio rentável, empreender é motivação para implementar algo inovador com um viés social que soma na vida de todo o mundo. Cristiane trabalhou como professora do ensino fundamental por 30 anos, aposentou-se aos 48 e hoje, com 53, mantém o
Tertúlia Literária, um projeto que reúne pessoas mais velhas com vulnerabilidade social, além de jovens com deficiência para ler, rumo a um mergulho na leitura e interpretação de obras da literatura clássica. Sem especialização na área, ela voltou à sala de aula para uma pós-graduação no Programa de Literatura e Crítica Literária da PUC-SP. “Eu estudo o poder da palavra, como a palavra é transformadora na vida do outro por aquilo que ela comunica”, explica.
Cristiane Casquet: projeto aposta na literatura e no poder da palavra.Foto: Arquivo pessoal
Empreendedora referência
Uma das pioneiras, senão a pioneira do empreendedorismo da turma de maduros no Brasil, é a estilista Helena Schargel, “oito ponto dois”, como gosta de expressar a sua idade. De uma época em que as mulheres, na grande maioria, trabalhavam em casa e cuidavam da família, ela saiu para trabalhar fora. Tinha 14 anos. Casada aos 17, seguiu com os estudos e passou a empreender em moda, área para a qual se dedica até hoje – lembrando que o código civil brasileiro só permitia a presença de mulheres casadas exercendo trabalho remunerado mediante autorização do marido, o que foi extinto apenas em 1962.
Helena trabalhava com desenvolvimento de produtos na área têxtil. Permaneceu na mesma empresa por 45 anos. Quando se aposentou, em 2017, aos “7.2”, não conseguiu permanecer inerte. No primeiro ano de dolce far niente, em um encontro para 50+, alguém lhe perguntou se tinha algum projeto em vista: “‘Sim’, falei. Não tinha nada, juro, até aquela hora. ‘E qual é o projeto da senhora?’ ´Lingerie 50+´, respondi.”
Helena Schargel: lingerie para maiores de 50.Foto: Arquivo pessoal
O projeto foi bem aceito e nascia ali uma coleção de lingeries confortáveis e ao mesmo tempo sexy, especiais para mulheres maduras. Helena inovou não apenas desenhando as peças. “Eu mesma desfilava, fazia as fotos (sem photoshop, é bom lembrar), usava as peças, montava os catálogos. Com certeza, o mercado estava muito carente, e eu cheguei na hora certa”, afirma
Hoje, Helena mantém parcerias com mulheres 50+, dá palestras (como a do TEDx São Paulo, em 2019) e mais uma vez se reinventou: agora é também influenciadora digital e atua para tirar o maior número possível de mulheres da invisibilidade.
Das páginas dos livros e da vida, das telas de computadores e celulares, do olhar carinhoso com o outro e consigo mesmas, essas mulheres provam em suas jornadas pessoais e profissionais que o caminho se vê além. E é aberto para quem quiser experimentar.