Se você mora no Brasil, é muito provável que tenha sido atingido pelos versos “Acorda, Pedrinho/ Que hoje tem campeonato” nas últimas semanas. Trata-se do refrão do hit “Acorda, Pedrinho”, da banda Jovem Dionísio. Entre maio e junho, a música encabeçou a lista de mais ouvidas do Spotify Brasil por três semanas, segue colada ao ouvido de crianças e adultos e levou o grupo curitibano até ao palco do Domingão com Huck neste mês.
O que está por trás do êxito estrondoso? A resposta é o TikTok. A música do Jovem Dionísio caiu nas graças de usuários do aplicativo, virando trilha de incontáveis vídeos de danças. A viralização por lá jogou a música para cima em outras plataformas digitais, como YouTube e Spotify, e o hit se consolidou.
“Na época, a gente estava se preparando para uma turnê e o primo do (vocalista e baixista Gustavo) Karam disse que ‘Acorda, Pedrinho’ estava bombando no TikTok. Entramos lá e tinha uns 200 vídeos. Dois dias depois, já tinha 700. Daí, falamos: ‘Opa, tem alguma coisa diferente aqui’. Vimos que era um crescimento em curva, que logo começou a rebater no Spotify”, conta o vocalista, Belni, à ELLE.
Esse potencial para gerar hits colocou a plataforma de propriedade da empresa chinesa ByteDance no centro das atenções do meio musical. Como definiu a Billboard, o TikTok “explodiu para se tornar talvez o aplicativo de rede social mais importante para a indústria nos últimos anos”.
Com a plataforma, surgiu uma nova métrica de sucesso para ser adicionada a plays, streams e likes: a quantidade de vídeos que usa a música como trilha. Medida essa que, em geral, prenuncia o desempenho em outras plataformas. Como o que se ouve são trechos de músicas, geralmente refrões, o usuário é instigado a descobrir a música por inteiro em outras plataformas.
Por exemplo, a música “Bipolar”, do DJ Alok, MC Davi, MC Pedrinho e DJ 900, apareceu em mais de 3,4 milhões de vídeos no TikTok. O desempenho no Spotify foi igualmente explosivo: a faixa foi tocada mais de 150 milhões de vezes na plataforma. “Amarelo, azul e branco”, parceria da dupla Anavitória com Rita Lee, saiu de 186 mil vídeos no TikTok para mais de 40 milhões de execuções no Spotify.
“Quando a gente enxerga potenciais virais numa faixa, cria ações de marketing que incluem influenciadores do TikTok, plano de mídia e conteúdo voltado para promover a faixa dentro do aplicativo”, afirma Naila Agostinho, especialista de Estratégias Digitais na Sony Music Brasil.
A parceria com influenciadores foi importante, por exemplo, no impulsionamento de “Coração cachorro”, de Ávine Vinny e Matheus Fernandes. A partir disso, vieram os vídeos de usuários com a faixa e o conteúdo criados pelos próprios artistas. Ato contínuo, a música chegou a número um no Spotify Brasil.
CAETANO NO TIKTOK
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O pioneiro
O primeiro caso de um hit criado pelo TikTok foi “Old town road”, de Lil Nas X. Estudioso da internet, o rapper estadunidense inovou ao pensar em seu single não como lançamento musical, mas como meme, ou seja, ligado a vídeos divertidos.
No fim de 2018, o artista conseguiu associar a música ao “desafio yeehaw” no TikTok, em que os dançarinos, por meio de edição de vídeo, trocavam roupas usuais para vestimentas de caubói. Foi um movimento decisivo para que a faixa se tornasse um dos maiores sucessos de 2019.
Até seu estouro, Lil Nas X era um completo desconhecido, que dormia no sofá da casa da irmã. Essa possibilidade, de um trajeto veloz e sem escalas da obscuridade para a fama mundial, é um dos fatores que tornam o aplicativo tão atraente para novos artistas, de qualquer lugar do planeta. O TikTok gosta de propagar essa ideia. Ole Oberman, diretor global de música da plataforma, destacou em entrevista ao site The Conversation que, graças ao endereço, “é tão mais possível para uma canção que sai da Austrália, Índia, Coreia do Sul, Japão ou Arábia Saudita se tornar um hit global, ouvido por públicos em todo o mundo”.
Um estudo encomendado pelo TikTok e publicado em julho de 2021 mostrou seu poder de revelar músicas e artistas, influenciando o gosto das pessoas. Segundo o relatório, 75% dos usuários da plataforma afirmaram que descobriram novos artistas por meio do TikTok. Outros 63% dizem ainda que ouvem música que nunca ouviram antes no aplicativo.
Globalmente, o TikTok contava com 1 bilhão de usuários em 2021, de acordo com a ByteDance, um pouco menos que o Instagram no mesmo ano. Como já aconteceu com outras redes sociais, o Brasil aderiu com força ao TikTok. Um estudo projeta que o país deverá terminar 2022 com mais de 50 milhões de usuários na rede de vídeos.
Esse impacto está nas músicas que ouvimos e cantamos por aí, às vezes sem saber de onde vem. É o caso do trecho “Desenrola bate joga de ladin”, da música de mesmo nome, apelidada de “funk do TikTok”. Por outro lado, quantos ouvintes saberiam dizer que seus intérpretes e cocriadores são o grupo Os Hawaianos?
É a plataforma de vídeos que também jogou para cima a mineira Marina Sena, que alia sucesso de público e respaldo da crítica musical (foi eleita revelação de 2021 pela Associação Paulista de Críticos de Arte). A cantora de “Por supuesto”, trilha de incontáveis dancinhas no aplicativo, chama a atenção por ter saído das fileiras da música brasileira alternativa e conseguido emparelhar nas paradas com hits de funk e sertanejo.
Apesar de Marina ter participado de um programa do TikTok para ajudar novos artistas a aproveitar melhor o potencial da plataforma, seu empresário, Jorge Veloso, confessa que nada foi muito planejado. “Seria até bom eu dizer que houve uma estratégia, mas a única coisa que a gente fez foi usar a hashtag #eujadeiteinoseusorriso (refrão da faixa) quando a música começou a virar lá”, conta.
Transformar desconhecidos em celebridades é uma promessa que faz parte da internet há muito tempo. Com o TikTok, ela ganha uma dimensão que parece mais instantânea e acessível. A duração dos vídeos é muito curta (o limite atual é de um minuto) e o conteúdo precisa ser descomplicado. Em uma mudança de perspectiva importante, o público também se torna parte do conteúdo junto com o artista.
Essa demanda por conteúdo divertido e despojado, que caracteriza grande parte do que viraliza, tem deixado desconfortáveis alguns nomes estabelecidos. A inglesa Florence Welch, da banda galesa Florence + The Machine, fez um vídeo em que aparece cantando a capela com uma legenda carregada de ironia: “A gravadora está implorando para eu fazer tiktoks rudimentares, então, aqui vai. Por favor, mandem ajuda”.
Em maio, a cantora estadunidense Halsey reclamou nas redes sociais que sua gravadora, Capitol, exigia que ela acompanhasse seu novo single com um “momento viral” no TikTok. “Tudo é marketing. E eles estão basicamente fazendo isso com todos os artistas hoje em dia. Eu só quero lançar música, cara. E eu mereço mais. Estou cansada”, disse. A reclamação em si viralizou, o que levou alguns a desconfiarem de que era tudo um habilidoso jogo de “metapromoção”.
Anitta também se juntou ao coro. “A gente tem que esperar os resultados. Infelizmente, é assim. As gravadoras se ligam muito no TikTok, o que viraliza na internet. E, se não tem um sucesso logo de cara, eles dão tchau e foda-se”, afirmou em uma live este mês, depois de ter um videoclipe cancelado por sua gravadora. Ainda assim, a cantora mantém um projeto global com a plataforma, o House of Anitta.
Renata Gomes, diretora de marketing, comunicação e estratégias digitais da Ingrooves, distribuidora de selos independentes que pertence ao grupo Universal, conta que o TikTok faz parte da conversa com artistas, mas não é uma imposição porque nem todo perfil se encaixa na dinâmica do aplicativo. “Não adianta o cara do metal ir lá fazer dancinha”, pontuou. “Trazemos dados para que o artista veja onde a música dele tem maior potencial de engajar, não viralizar. Temos algumas recomendações por meio de cases, de outros artistas, e vamos trocando.”
Para a cantora Bia Nogueira, que gravou com Djonga e lançará seu próximo álbum pelo selo do rapper mineiro, o TikTok traz ainda uma falsa sensação de que é simples viralizar, como se não houvesse esforço envolvido. “Os grandes acontecimentos são exceções. Vemos muita gente produzindo, mas o que viraliza é muito pouco. Para o artista independente, que produz conteúdo por conta própria, é quase como ganhar na Mega Sena”, diz.
Com o progressivo aumento de usuários, essa possibilidade fica ainda mais distante. Uma reportagem da edição de abril da Billboard alerta que os “megahits” estão rareando na plataforma. Segundo um especialista, que falou em condição de anonimato para a publicação, o aumento da quantidade de usuários significa que o algoritmo de recomendação tem não só mais conteúdo para oferecer como mais dados que lhe permitem direcionar melhor as sugestões. Os usuários ficariam menos expostos ao aleatório, diminuindo as chances de as músicas atingirem vários tipos de público.
Apesar de todos os dados e análises, o imponderável ainda dita muito do destino de um sucesso. Como disse Max Bernstein, dono da agência estadunidense de marketing independente Muuser, em uma newsletter dirigida a colegas da indústria: “Repita comigo: ‘Sou velho e estou por fora. Não consigo fazer surgir a próxima tendência viral do TikTok do nada”.
Sentimento ecoado pelo Jovem Dionísio ao responder sobre estratégia para a plataforma de agora em diante. “A gente gosta de postar as coisas no nosso tempo, do nosso jeitinho. Assim como ‘Acorda, Pedrinho’ não dependeu da gente, também acho difícil que uma ação nossa vá fazer alguma diferença”.